Gustavo Boni Minetto
Ensino religioso na escola laica
Recentemente, com grande surpresa, soube através de colegas do curso de Mestrado que em escolas municipais da minha cidade os professores recebem semanalmente um roteiro para o “devocional” a ser trabalhado com as crianças. Trata-se de conteúdo repassado aos professores dentro da agenda semanal. Reserva-se um momento da semana com oração, leitura de um trecho da Bíblia e reflexões sobre a leitura com os alunos.
Há, inclusive, embates entre professores católicos e evangélicos sobre a melhor maneira de realizar este momento religioso. Cada um defendendo sua maneira de professar a religião. Quero falar aqui sobre algo que tem se tornado uma tendência no Brasil e especificamente em Goiás talvez com maior intensidade: o entranhamento da religião nas questões de Estado.
O Brasil é um país laico, ou seja, aqui não há vinculação direta entre estado e religião, como acontece, por exemplo, na Inglaterra, onde o Rei é também o chefe da igreja anglicana. O estado brasileiro não professa religião alguma, sequer se diz cristão. Na prática, essa laicidade não ocorre. Basta entrar em diversas repartições públicas e lá se encontrará um crucifixo, símbolo utilizado principalmente pela igreja católica. A falta desse conceito laico traz preocupantes implicações na sociedade.
A primeira questão é que em qualquer lugar há profitentes de diversas religiões, além de pessoas que não professam nenhuma ou até que não acreditam em Deus. Forçar práticas religiosas nesses locais, como repartições públicas e escolas é impor um costume religioso que potencialmente pode ofender algumas pessoas.
A segunda questão, que talvez seja a mais perigosa, é o que está por trás da inserção religiosa nas escolas públicas e privadas. As religiões cristãs, baseadas em sua interpretação dos ensinos de Jesus, tem trazido algumas questões ideológicas para dentro da escola, que poderiam e deveriam ser discutidas, porém sem qualquer direcionamento. O Cristianismo nos ensina, por exemplo, a resignação. Então, se você é pobre e oprimido pelas elites dominantes, é seu papel aceitar e não questionar o que te faz pobre. A realidade é que só existe pobreza porque existem pessoas muito ricas, os bilionários, que atuam persistentemente para que você seja pobre e aceite essa situação.
As escolas têm aberto grande espaço para que pastores e padres façam discursos de abertura para os professores no início de cada semestre letivo. Por que não colocar pesquisadores no campo da educação? Por uma simples razão: vivemos hoje num momento chamado de pós-verdade. Hoje, não importa mais o que é verdade, mas sim quem falou algo. Muitos argumentam que devemos ensinar religião e “coisas de Deus” às crianças desde cedo. Não há problema em se ensinar sobre Deus às crianças, caso faça parte dos valores da família, porém esse ensinamento deve ser feito dentro de casa, pelas famílias. Não é papel da escola.
Vincular, desde cedo, a religião à escola, nos coloca sob a tutela de um líder religioso desde cedo, colocando o povo no cabresto, sem possibilidade de fuga. Isso se refletirá no futuro, quando esses pequenos crescerem e forem votar. Eles certamente irão buscar representantes que sejam dessas denominações religiosas, ainda que não tenham qualificação alguma para um mandato eletivo, fato que temos visto claramente nos últimos anos. Pessoas sem capacidade para o exercício político sem discutir qualquer questão social, somente falando de “Deus, Pátria e Família”.
É dever dos pais que identifiquem essas práticas na escola de seus filhos, mesmo que sejam religiosos, denunciar ao Ministério Público. Essas práticas, embora não constem em nenhum documento oficial (pode pesquisar no Google), fazem parte do cotidiano das crianças. Se hoje não fizermos nada, corremos o sério risco de no futuro vivenciarmos um sistema de governo onde algumas religiões sejam proibidas, inclusive a sua.