A desinformação em propagandas on-line é o mais novo desafio na área da saúde

Jornal da USP
A desinformação em propagandas on-line é o mais novo desafio na área da saúde (Reprodução)

Nos últimos anos, a proliferação de desinformação na área da saúde atingiu proporções alarmantes, especialmente nas plataformas digitais. João Henrique Rafael Junior, analista de Comunicação do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP, monitora essa situação desde 2019, quando começaram os trabalhos da União Pró-Vacina (UPVacina), observando como o ecossistema digital, em particular o Facebook, se tornou um terreno fértil para propagandas de remédios milagrosos. “Houve uma transição dessas propagandas do conteúdo orgânico para um modelo patrocinado, no qual muitos lucram com anúncios que colocam em risco a vida das pessoas”, destaca Rafael Junior.

Em um trabalho conjunto entre o IEA-RP e a Rádio USP Ribeirão, utilizando ferramentas da própria plataforma Meta, como a Biblioteca de Anúncios, foram mapeadas essas campanhas em dois dias do mês de setembro (25 e 29). A estratégia foi capturar e registrar manualmente esses anúncios, uma vez que, após a veiculação, eles são removidos sem deixar rastros. Com isso, foram coletadas 513 publicidades que promoviam produtos sem mostrar comprovação científica e muitas vezes sem autorização dos órgãos reguladores. 

Entre os principais tópicos dessas propagandas estão tratamentos para diabete, saúde sexual, emagrecimento e problemas de visão. “O que vemos é uma mudança de paradigma proporcionada pela inteligência artificial (IA); conteúdos que antes eram restritos, na sua maioria, a textos e imagens estáticas, foram aprimorados para vídeos elaborados que manipulam imagem e voz de personalidades e autoridades. Também pode ser observado um aumento substancial em escala, com centenas e até milhares produzidos e impulsionados diariamente”, avalia Rafael Junior.


Padrão perigoso

Essas campanhas patrocinadas, além de utilizarem imagens e logos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de maneira possivelmente fraudulenta, também exploram personalidades públicas para aumentar sua credibilidade. 

O levantamento revelou que 27,5% dessas propagandas utilizam a imagem do médico Drauzio Varella, uma das figuras mais respeitadas na área da saúde no Brasil. Outras personalidades, como âncoras de telejornais e artistas renomados também aparecem.

As personalidades mais utilizadas nesses anúncios são, além de Drauzio Varella, o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, a apresentadora Ana Maria Braga e âncoras de telejornais nacionais, que alcançam milhões de pessoas. Além delas, aparece o deputado Celso Russomano e figuras como Carlos Alberto de Nóbrega e Susana Vieira, também frequentemente usadas, muitas vezes em anúncios que simulam entrevistas e programas televisivos para conferir um ar de autenticidade.

Em entrevista à Rádio USP Ribeirão Preto, o médico Drauzio Varella fez duras críticas ao uso indevido de sua imagem e voz em propagandas manipuladas por inteligência artificial que circulam pela internet. Ele classificou essas práticas como um “crime contra a saúde pública”, destacando que muitas pessoas, especialmente as mais vulneráveis, acabam acreditando que ele está de fato promovendo os produtos. “Essas propagandas de supostos medicamentos com meu nome, algumas delas até com a minha voz montada por IA, são um crime”, afirmou.

Varella também mencionou o papel das plataformas de redes sociais na disseminação dessas informações falsas. Ele destacou a Meta como uma das principais responsáveis por permitir a circulação desses conteúdos. Para o médico, essas quadrilhas atuam em conivência com as plataformas, especialmente a Meta, que distribui isso para todos os lados, acrescentando que “as plataformas não têm interesse em remover os vídeos, já que lucram com a divulgação”.

O médico também revelou que está movendo uma ação contra a Meta, em função do uso da sua imagem, mas é cético quanto ao sucesso da iniciativa. “A chance de ganhar é muito pequena, porque, claro, eles são muito poderosos”, disse Varella. Apesar disso, ele mencionou uma denúncia ao Ministério Público que, segundo ele, já conseguiu identificar duas quadrilhas envolvidas nesse esquema. Para Varella, as plataformas são “tão criminosas quanto aqueles que divulgam essas falsidades”.


Dados preocupantes

Dos 513 anúncios coletados, 73% foram veiculados simultaneamente no Facebook e no Instagram, mostrando que a Meta está diretamente envolvida em promover esses produtos. Apenas 26% dos anúncios ficaram restritos ao Facebook e 1% dos anúncios foram exclusivos do Instagram. Essa ampla distribuição é facilitada pela própria empresa, que fornece as ferramentas para segmentar e atingir diversos públicos, gerando lucros significativos com essas campanhas. O analista também chama a atenção para o fato de o Facebook, o Instagram e o WhatsApp serem produtos da empresa Meta. 

Os dados evidenciam que o Facebook e o Instagram hospedam essas propagandas e lucram com elas, devido ao uso intensivo de suas ferramentas de publicidade. Rafael Junior destaca que, apesar das limitações impostas pela plataforma, como a restrição de anúncios de medicamentos, que exigem prescrição médica, essas regras são facilmente contornadas pelos anunciantes. Alguns desses produtos, anunciados como naturais ou cosméticos, escapam das regulações permitindo a proliferação de informações duvidosas.

Além disso, os dados também revelam que quase 80% das páginas que promovem essas propagandas são novas, criadas ainda em 2024, e cerca de 90% delas possuem menos de 2.500 seguidores, evidenciando que os responsáveis operam de maneira estratégica para evitar detecção. Caso uma página seja denunciada ou bloqueada, rapidamente outra é criada, mantendo o esquema ativo. “Esse perfil, de página pequena e recém-criada, de maneira alguma seria capaz de atingir um público mais amplo se o conteúdo não fosse impulsionado”, diz Rafael Junior.

Para o analista, a prática evidencia um problema sistêmico: “O próprio Facebook se beneficia ao permitir a criação de páginas, lucrando com as propagandas enquanto alega promover segurança e regulamentação”.





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