Sob governo Lula, CGU reduz operações especiais de combate à corrupção
O número de operações especiais da Controladoria-Geral da União (CGU) voltadas para o combate à corrupção caiu desde o início do governo Lula. Se durante o governo Bolsonaro (2019-2022), o número médio de operações dessa natureza foi de 66 por ano, durante o governo Lula a quantidade despencou para 37 operações em 2023. Neste ano, foram 33 investigações realizadas até 23 de outubro, segundo os dados divulgados pela própria CGU em sua página oficial.
Essas operações existem desde 2003 e são feitas em parceria com outros órgãos de fiscalização e controle – como Polícia Federal, Receita Federal, Ministério Público, Tribunais de Contas e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Foi uma dessas ações conjuntas que encontrou, por exemplo, superfaturamento em contratos da prefeitura de São Gonçalo (RJ) na área de saúde com prejuízo estimado em R$ 10 milhões.
No governo Lula 3, a quantidade de operações especiais chegou ao menor patamar desde o segundo mandato de Dilma Rousseff, quando foram registradas 32 em 2015. A CGU, porém, sustenta que os valores dos desvios descobertos estão mais altos do que no governo passado – R$ 435,6 milhões em 2023 e R$ 151,4 milhões neste ano, contra R$ 306 milhões da média do governo Bolsonaro.
O recorde de operações foi registrado em 2020 e 2021, durante o governo Bolsonaro, com 96 e 64 operações respectivamente. Era o auge da pandemia e a CGU concentrou esforços no monitoramento de gastos emergenciais de enfrentamento à Covid-19, muitas vezes efetuados com dispensa de licitação e com muitas suspeitas de desvios.
A diminuição no número de operações durante o governo Lula coincide com a reformulação interna da CGU, que extinguiu em 2023 a Secretaria de Combate à Corrupção, criada pelo governo Bolsonaro quatro anos antes.
O trabalho na área foi incorporado às atividades da Secretaria Federal de Controle Interno, e os auditores, anteriormente focados no combate à corrupção, agora precisam conciliar as operações com o trabalho rotineiro de avaliação de programas de governo, como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida e o Farmácia Popular.
Falta de compromisso
“Poderíamos ver essa queda no número de operações especiais na Noruega, Liechtenstein, Dinamarca, porque o índice de impressão da corrupção e a situação lá são diferentes.
Mas e no Brasil, onde a corrupção está fora do controle?”, afirmou ao blog o presidente do Instituto Não Aceitamos Corrupção, o procurador de Justiça do MP do Estado de São Paulo, Roberto Livianu.
“Isso escancara a falta de compromisso do governo Lula no enfrentamento à corrupção. A CGU não é órgão de Estado, é órgão de governo.”
A impressão é compartilhada por técnicos do governo ouvidos reservadamente pelo blog, segundo os quais o combate a desvios perdeu o protagonismo com a extinção da Secretaria de Combate à Corrupção e a transferência dos trabalhos para a Secretaria Federal de Controle Interno, onde os servidores acumulam funções.
“Não há vontade política no governo Lula de enfrentar o combate à corrupção. Não é prioridade. Parece haver um ressentimento em relação à Lava Jato que acaba impactando esse compromisso”, disse à equipe da coluna uma fonte que acompanha de perto as movimentações da CGU.
"O discurso é de que a CGU está priorizando outras áreas, como a promoção da transparência e das atividades de ouvidoria. Mas essa é uma falsa dicotomia. O fortalecimento dessas áreas é necessário e bem-vindo, mas não deve ocorrer às custas do combate à corrupção, uma demanda clara da sociedade.”
De acordo com a CGU, 30% das operações especiais são iniciadas por iniciativa do próprio órgão, por meio de auditorias internas e denúncias recebidas pelo canal Fala.BR, uma espécie de ouvidoria virtual do governo. Mas a maioria, 70%, é oriunda de parcerias com a PF e Ministérios Públicos.
O ministro Vinícius Carvalho não quis comentar o levantamento do blog. Mas interlocutores que acompanham sua gestão dizem que o órgão também precisa se dedicar às auditorias internas do governo. Segundo esses aliados, não há retrocesso – e a CGU não pode ser “puxadinho da PF”.
Também sustentam que, com a entrada em vigor da nova Lei de Abuso da Autoridade, houve uma cautela maior por parte dos policiais envolvidos nas apurações com a obtenção de dados.
Procurada pela equipe da coluna, a CGU alegou que desde o início do terceiro governo Lula foram realizadas operações e iniciadas investigações de casos de corrupção em áreas como meio ambiente, previdência e direitos humanos, “temas até então pouco abordados”.
CGU diz que tem mais eficiência
“A CGU se dedica a enfrentar as complexidades do combate à corrupção em todas as suas dimensões”, afirma o órgão, que contabiliza um total de 696 operações de combate à corrupção realizadas desde 2003.
A Controladoria, que tem status de ministério, também sustenta que para avaliar a efetividade das operações, considera uma série de indicadores – e não apenas o número de operações realizadas –, como montante envolvido, prejuízo apurado e valores bloqueados judicialmente.
Considerando as 33 operações já realizadas neste ano, o total de prejuízo apurado, ou seja, o valor do rombo com os desvios, alcançou a marca de R$ 151,4 milhões segundo dados da própria CGU – em 2023, a cifra chegou a R$ 435,6 milhões.
Em 2018, no último ano do governo Michel Temer, o prejuízo total apurado chegou ao patamar de R$ 573 milhões, o maior da série histórica. Nos quatro anos de governo Bolsonaro, de 2019 a 2022, a média do prejuízo total apurado foi de R$ 306 milhões.
Mas para o diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, o economista Bruno Brandão, os números reduzidos de operações anticorrupção são “muito preocupantes” e “não são um fato isolado”. “Eles fazem parte de um quadro geral de desmonte do combate à corrupção que começou com Bolsonaro e não se reverteu com Lula, ao contrário”, afirmou.
“O governo Lula se empenhou em reconstruir a governança ambiental, os espaços de participação pública e políticas sociais destruídas no governo anterior, mas a pauta anticorrupção parece ser um tabu. Em quase dois anos de governo, pode-se contar em uma mão as vezes que Lula pronunciou a palavra corrupção.
Ao contrário, ele frequentemente aparece ao lado de criminosos confessos, protagonistas de macro esquema de corrupção, como os irmãos Batista da JBS.”