Corretores de emendas: prefeitos conseguem verba um mês após contratar assessores parlamentares
Prefeituras que contrataram consultorias de ex e atuais assessores parlamentares conseguiram receber recursos enviados por deputados e senadores um mês após assinarem os contratos com as empresas. Como O GLOBO mostrou, funcionários de gabinetes vêm atuando como corretores de emendas, aproveitando o valor recorde de verbas sob o poder de congressistas para intermediar negociações.
As firmas, cujos sócios estão ou já estiveram lotados em gabinetes da Câmara e do Senado, oferecem serviços de “captação de recursos”. Prefeitos interessados em dinheiro para obras e outros projetos as contratam e, em seguida, conseguem acesso a valores enviados por parlamentares que empregam esses assessores.
Em Colinas do Tocantins, de 34 mil habitantes a 277 quilômetros de Palmas, o prefeito Dr. Ksarin (União) contratou a Gesconv Gestão Empresarial por R$ 27 mil em 3 de abril de 2023, por meio de dispensa de licitação, para “liberação de recursos parlamentares, para suprir as necessidades da Secretaria Municipal de Saúde”. Em 9 de maio do mesmo ano, o município foi agraciado com R$ 1 milhão em uma emenda individual do senador Eduardo Gomes (MDB-TO). A firma tem como sócios Eliomar dos Santos Correia, que desde dezembro de 2019 trabalha como assessor do parlamentar, e sua mulher. O faturamento junto aos municípios foi de ao menos R$ 695 mil nos últimos cinco anos, e os contratos têm como objeto “captação de recursos federais”.
— Percebi que os prefeitos do meu estado (Tocantins) tinham muita dificuldade. A empresa faz consultoria, orientação, tira dúvidas. Mas não faz intermediação nem captação de recursos. Minha consultoria tem municípios que são do Eduardo (Gomes) e outros que não. Isso é uma coincidência — justificou Eliomar.
Procurado, o senador afirmou não saber que seu funcionário prestava assessoria aos prefeitos e acrescentou que iria demiti-lo caso constatasse o vínculo com a empresa.
— Isso é incompatível. Se tiver qualquer vinculação, tem que ser demitido — disse Gomes na quinta-feira da semana passada.
Uma semana depois, Correia continua lotado no gabinete. Procurado novamente, Gomes disse, por meio da assessoria, que o auxiliar atende prefeitos, mas não faz intermediação para a liberação de verbas e, por isso, não haveria impedimento para a manutenção dele no cargo.
Prefeito aliado
Roteiro semelhante ocorreu na Paraíba. Em São José de Caiana, que tem 6,3 mil habitantes e fica a 437 quilômetros de João Pessoa. Em 5 de setembro de 2023, a prefeitura contratou por dispensa de licitação a Empresa Paraibana de Convênios. Menos de um mês depois, em 2 de outubro, recebeu emenda de R$ 200 mil do deputado Wellington Roberto (PL-PB). O deputado é aliado do prefeito da cidade, Manoel Moleque (PL), e empregou no gabinete, de janeiro de 2021 a junho de 2023, Rebecca Klostermann Cavalcanti Vieira, sócia da consultoria.
Ao GLOBO, o prefeito Manoel Moleque disse que “não sabia”, no momento da contratação, que a empresa tinha como sócia uma assessora de Wellington Roberto.
— A gente consegue as emendas com os parlamentares e a consultoria apenas cadastra lá no sistema. Não é a consultoria que arruma (a emenda), quem arruma é o prefeito — diz. — Todas as prefeituras aqui na Paraíba têm alguma consultoria. Tem umas cinco ou seis empresas que trabalham fazendo consultoria para prefeituras.
Já a prefeitura de Livramento (PB), com 6,7 mil habitantes e a 255 quilômetros da capital, contratou a empresa por R$ 20 mil, em 14 de maio de 2024, sem licitação, para a prestação de consultoria na “elaboração de planos de trabalhos e projetos” e “acompanhamento da tramitação de contratos de repasse e convênios federais”. Pouco mais de um mês depois, em 26 de junho, o município recebeu uma emenda Pix de R$ 500 mil de Wellington Roberto.
Procurados, o prefeito de Livramento e a ex-assessora não se manifestaram. A empresa afirmou que não gerencia o envio de emendas e atua com “idoneidade e ética profissional”. Já o deputado do PL diz que, quando foi contratada, Rebecca não constava como administradora da empresa. Segundo ele, não há irregularidades.
— O prefeito não consegue emendas pela empresa. Consegue diretamente comigo. Conheço vários prefeitos que estão com outros escritórios na Paraíba — alega.
As Casas legislativas dizem que a prática é vedada pelo Congresso. Segundo a Câmara, servidores dos gabinetes são proibidos de gerenciar ou administrar empresas enquanto estão no exercício da função. “Além disso, os servidores não devem desempenhar atividades privadas que ensejem conflito de interesse com seu cargo público. A infringência a essas vedações deve ser aferida por meio de processo administrativo”, disse, em nota.
Já o Senado informou que os serviços prestados por assessores podem configurar infração caso eles se valham do cargo público para obter vantagem. “Entretanto, o enquadramento de qualquer situação nesses dispositivos somente ocorreria após a análise de casos concretos”, afirmou, em nota.
Ontem, O GLOBO revelou a atuação de empresas como a Zanotelli e Borges Ltda, que fechou contratos com dez municípios gaúchos desde 2019, com um faturamento de R$ 1 milhão. O casal sócio da consultoria é lotado no gabinete do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), e a firma fechou contratos com municípios que posteriormente foram beneficiados com emendas do parlamentar. Aliado de Heinze, o prefeito de Lagoa Bonita do Sul (RS) disse que a contratação foi necessária para “conseguir recursos e dar andamento aos projetos”. A empresa nega irregularidades, e o senador afirmou que pediria aos assessores que “parassem com esse assunto”.
No caso do gabinete do deputado Covatti Filho (PP-RS), uma ex-assessora é sócia, ao lado de dois tios do parlamentar, de uma consultoria que assinou acordos com prefeituras enquanto ela ainda estava lotada na Câmara. Prefeito de Muliterno (RS) quando o contrato foi celebrado, Adair Barilli diz que foi atrás dos serviços porque a consultoria prometeu “conhecimento em Brasília e contato com deputados e senadores”. O resultado foi receber emendas de Covatti Filho, que nega conflito de interesses.