Unidade Complexo 24 Horas na capital enfrenta abandono e condições precárias

G1
Unidade Complexo 24 Horas na capital enfrenta abandono e condições precárias Reprodução

Uma unidade que deveria garantir proteção e conforto a crianças e adolescentes apresenta um quadro de abandono: buracos no teto, móveis danificados e até camas sem colchões. Segundo um relatório do Juizado da Infância e da Juventude, ao qual o g1 teve acesso, a Unidade Complexo 24 Horas, localizada em Goiânia, encontra-se “em condições precárias”.


A Prefeitura de Goiânia informou que a Unidade Complexo 24 Horas funciona como uma casa de passagem, acolhendo crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social ou com vínculos familiares fragilizados, por um período de até 72 horas. O acolhimento é feito até que se consiga o retorno ao convívio familiar ou, caso isso não seja viável, o encaminhamento para um abrigo. O relatório da Justiça destaca que o prédio onde o serviço opera foi cedido à prefeitura por padres.


Anteriormente, as crianças que precisavam ser acolhidas eram encaminhadas ao Residencial Professor Niso Prego, que é a única instituição pública de acolhimento infantil de longa duração em Goiânia. No entanto, o Residencial Niso Prego foi interditado há mais de oito meses por decisão judicial, devido a problemas estruturais e na equipe de funcionários. Essa situação, conforme o relatório, elevou a demanda pela Unidade 24 Horas, já que as instituições privadas não têm conseguido atender a todas as necessidades.


Em entrevista ao portal do g1, a conselheira tutelar Érika Reis explicou que, diante da escassez de vagas em instituições privadas e da interdição do Residencial Niso Prego, a Unidade 24 Horas tornou-se uma alternativa de acolhimento.

“O Complexo 24 Horas tem atendido essas demandas, mas não é o ideal. Lá não é apropriado. É uma casa de passagem. Realmente precisa, com urgência, que o Niso Prego volte a funcionar”, disse a conselheira tutelar.

Conforme o relatório, a unidade tem acolhido crianças até que sejam encontradas vagas em abrigos. O documento classifica o local como de alta rotatividade e, por operar em regime de “porta aberta”, muitas pessoas buscam abrigo para passar a noite.

Além de acolher crianças em situação de vulnerabilidade, a Unidade Complexo 24 Horas também recebe adolescentes encaminhados pela Delegacia de Polícia de Apuração de Atos Infracionais (DEPAI), que cometeram infrações e cujos pais não foram localizados imediatamente.

O relatório aponta que a unidade não possui instalações adequadas para separar crianças de adolescentes, nem para distinguir meninos de meninas, o que “compromete a privacidade e a segurança dos acolhidos”. Além disso, o documento destaca que o prédio apresenta rachaduras, buracos e sinais de deterioração em diversos ambientes, como cozinha, banheiros e quartos.

“Os poucos móveis disponíveis são velhos, alguns sem funcionamento. A coordenadora informou que todos pertencem aos padres agostinianos, que os deixaram ao ceder o imóvel à prefeitura. Inclusive, as camas são dos padres e, como os colchões enviados pela prefeitura são maiores que as camas, precisam ser colocados no chão quando há acolhidos”, diz o relatório.


O relatório indica que a unidade conta com 30 servidores, enquanto a falta de funcionários foi um dos principais motivos para a interdição do Residencial Niso Prego. “Enquanto uma instituição foi interditada devido à insuficiência de servidores, o outro serviço, com uma demanda muito menor, apresenta um excesso de funcionários por turno”, afirma o documento.

A Justiça conclui que a “eestrutura física e a falta de móveis e recursos materiais no Complexo 24 Horas comprometem a segurança e a saúde dos acolhidos e dos trabalhadores”. Por essa razão, o relatório recomenda a mudança do local para assegurar um atendimento adequado.

O Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) informou que existem duas ações civis públicas em andamento sobre a situação da Unidade Complexo 24 Horas: uma proposta pelo MPGO e outra pela Defensoria Pública do Estado (DPE), ambas abordando os problemas estruturais da unidade. A primeira ação tramita no Juizado da Infância e Juventude desde 2019, enquanto a segunda está em andamento desde 2021.

Serviço interditado
Em entrevista ao g1, Leda Luz, coordenadora do Residencial Niso Prego, explicou que a unidade, antes da interdição, acolhia crianças de até 12 anos. Ela ressaltou que a demanda no município é alta e que as instituições filantrópicas privadas não têm a obrigação de atender todos os casos.

“O Niso Prego é a única instituição pública no município para o acolhimento institucional de crianças de ambos os sexos, de 0 a 12 anos, em situação de risco e vulnerabilidade social. Esses serviços são essenciais para esse público, pois sabemos que a demanda é grande”, afirmou.

A coordenadora informou que, no momento da interdição da unidade, foi firmado um acordo judicial com a instituição privada Eunice Weaver para acolher temporariamente as crianças que estavam na unidade pública. No entanto, esse acordo abrange apenas as crianças que já estavam abrigadas no local na ocasião da interdição, e o abrigo Eunice Weaver não tem a obrigação de receber novos casos de acolhimento.

“Após esse momento, os novos casos que necessitassem de acolhimento não tiveram determinação para que o Eunice os recebesse. O abrigo acolhe novos casos conforme seus próprios critérios”, explicou Leda Luz.


Em nota, o Ministério Público do Estado de Goiás informou que, em 2023, foi instaurado um procedimento administrativo para monitorar a situação do Residencial Niso Prego. Esse procedimento foi motivado por problemas de déficit no quadro de funcionários e questões de infraestrutura que ameaçavam a integridade física e psicológica das crianças acolhidas. Segundo o órgão, foram feitos contatos com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social, mas nenhuma solução foi encontrada.

Diante desse cenário, o Ministério Público solicitou que o município realizasse reformas e adequações no abrigo. Em dezembro de 2023, a Justiça determinou a suspensão de novos acolhimentos na instituição até que os reparos fossem efetuados. O documento destacou que o ambiente era “inapropriado tanto para as crianças quanto para os próprios servidores”, mencionando paredes sujas, móveis danificados, utensílios estragados, portas comprometidas, roupas e sapatos expostos, além de camas sem colchões.

Na ocasião, a Justiça determinou que as crianças acolhidas fossem encaminhadas ao abrigo Eunice Weaver. O custo para cada criança, conforme a decisão, seria de R$ 4,7 mil, totalizando R$ 188,1 mil mensais a serem pagos pela prefeitura ao abrigo particular.

“A previsão era de que a interdição durasse quatro meses, mas, devido à inércia do município em resolver a questão, ela permanece até hoje”, afirmou o Ministério Público.

O Ministério Público informou que, na última audiência com o município, não foram apresentadas soluções para os problemas estruturais e de pessoal do Residencial Niso Prego. Por conta disso, ainda não há previsão para a reabertura da unidade.

A conselheira tutelar Érika Reis destacou que, apesar do apoio de instituições privadas, o acolhimento institucional de crianças em Goiânia continua limitado.

"Por exemplo, o Eunice Weaver atende crianças até sete anos. E quando pegamos irmãos, como fazemos? Deixamos eles longe um do outro? Não há como fazer isso. Já basta o trauma que a criança enfrenta por ter sido separada da família e por ter perdido o poder familiar", completou Erika Reis.


De acordo com Emiliana dos Santos, assistente social e conselheira do Conselho Regional de Serviço Social (Cress), a situação do acolhimento de crianças na capital enfrenta grandes desafios, especialmente para aquelas na faixa etária de 8 a 12 anos, já que muitos abrigos estabelecem limite de idade para os acolhidos.

Ela disse que, desde o fechamento do abrigo Niso Prego, a cidade carece de vagas suficientes para acolher as crianças e adolescentes. A Unidade Complexo 24h, segundo a assistente social, não é apta para acolhimento integral, essencial para as crianças que precisam de estadia prolongada.

"A instituição [Complexo 24h] oferece atendimento parcial e por algumas horas. Não disponibiliza acolhimento integral, com estadia prolongada, que são essenciais para o acolhimento de crianças em situação de vulnerabilidade", explica Emiliana.

Emiliana ressaltou que Goiânia também recebe demandas de municípios próximos. ""É inadmissível que uma cidade grande como a nossa, com tamanha demanda e recebendo casos de outros municípios, não consiga assegurar o direito à primeira infância e o direito dos nossos adolescentes a uma vida segura, garantindo ao menos o básico de vida e segurança", disse a assistente social.

O que diz a Sedhs?
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social (Sedhs), responsável pelas casas de acolhimento, afirmou que o Residencial Professor Niso Prego permanece interditado para reformas.

“As obras de readequação no espaço incluem melhorias nas instalações elétricas e hidráulicas, além de adaptações nos espaços de convivência, proporcionando um ambiente mais seguro e acolhedor para todos. Ressaltamos que a maior parte dessas reformas já está em andamento, restando apenas ajustes pontuais. Estamos empenhados em resolver a situação com a máxima brevidade”, diz a nota.

De acordo com a Sedhs, com o fechamento do Niso Prego, 16 crianças foram transferidas para o abrigo Eunice Weaver. Embora não haja um convênio formal entre a associação e a prefeitura, o município informou que realiza um repasse mensal de R$ 4,7 mil por cada criança transferida, conforme decisão judicial.

A secretaria afirmou que, atualmente, seis das crianças transferidas do Niso Prego ainda permanecem na associação. A Sedhs destacou que o acompanhamento da política de assistência social é de responsabilidade da secretaria, enquanto a fiscalização da entidade é feita pelo Ministério Público de Goiás.

Sobre o Complexo 24 Horas, a Sedhs informou que a unidade de acolhimento provisório, transitório e emergencial é classificada como uma casa de passagem. A unidade acolhe, prioritariamente, adolescentes com até 17 anos incompletos por um período máximo de 72 horas. O acolhimento, segundo a secretaria, pode ocorrer até que se viabilize o retorno ao convívio familiar ou à comarca de origem. Na impossibilidade de retorno, os adolescentes podem ser encaminhados a uma instituição na modalidade abrigo.

Conforme a pasta, de abril a setembro de 2024, foram acolhidas 14 crianças e 83 adolescentes no Complexo 24 Horas. Em relação aos problemas apontados no relatório do Juizado da Infância e da Juventude, a secretaria informou que irá apurar as denúncias.

Acolhimento institucional e familiar
Em entrevista ao g1, o promotor Pedro Florentino, coordenador da Área da Infância e Juventude do Ministério Público do Estado de Goiás, explicou que o órgão é responsável pela supervisão das unidades de acolhimento, realizando fiscalizações semestrais com uma equipe multidisciplinar composta por psicólogos, assistentes sociais e engenheiros. Essas equipes avaliam desde a qualidade dos serviços prestados até a segurança estrutural das instalações.

Caso sejam encontradas irregularidades, o promotor afirmou que o Ministério Público atua em parceria com a prefeitura para implementar as melhorias necessárias.

"Se a prefeitura não cumprir, entramos com uma ação civil pública para que o município cumpra suas obrigações em relação ao serviço de acolhimento", ressaltou o promotor.

Pedro Florentino destacou que o acolhimento em instituições ou por meio de famílias acolhedoras visa proteger crianças em situações de risco, como violência doméstica ou ausência temporária dos pais, sempre com o objetivo de reintegrá-las às suas famílias de origem.

O acolhimento familiar, segundo o Ministério Público, é a medida protetiva que mais se aproxima dos conceitos de "família" e "lar". Essa modalidade permite que pessoas acolham em seus lares crianças e adolescentes que, inicialmente, deveriam ser encaminhados para o acolhimento institucional.

De acordo com o promotor, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prioriza o acolhimento familiar em vez do institucional, pois a vivência em um ambiente familiar é considerada essencial para o desenvolvimento integral das crianças.

"No Brasil, o acolhimento familiar ainda é pouco desenvolvido, e a realidade em Goiás não é diferente. Do total de crianças e adolescentes em serviços de acolhimento no país, apenas 6% estão em acolhimento familiar. Há, portanto, uma proposta e um movimento nacional para expandir esse serviço, com a meta de aumentar esse percentual para, pelo menos, 25% nos próximos anos", afirmou o promotor.
Para que uma família se torne uma "família acolhedora", o promotor explicou que é necessário um processo de habilitação coordenado pelo serviço social do município, que avalia a capacidade da família de prestar esse apoio temporário com segurança e cuidado.

"A família deve procurar o assistente social do município onde essa política está sendo implementada. A partir disso, ela passará por um processo de habilitação, que verificará se possui condições de exercer esse serviço e, caso tenha, será devidamente preparada. Uma vez habilitada, estará apta a receber a criança e cuidar dela até que esta possa retornar à sua família de origem", explicou Pedro Florentino.
O promotor ressaltou que é necessário “romper com cultura de institucionalização” que ainda existe e expandir o serviço das famílias acolhedoras. “É um serviço público, é um serviço remunerado, é um serviço fiscalizado, e é um serviço que traz enormes benefícios, não só às crianças, mas às pessoas que o realizam. Porque o depoimento que a gente ouve de famílias acolhedoras é que é algo muito gratificante”




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