Preocupação com a saúde mental dos trabalhadores leva governo a instituir selo para empresas
A saúde mental dos profissionais se tornou um dos principais tópicos nas discussões sobre bem-estar no ambiente de trabalho, fazendo com que empresas e governos, anteriormente focados nos riscos físicos, agora direcionem sua atenção para essa questão.
Dados da Previdência Social revelam que os afastamentos por transtornos mentais aumentaram 38% entre 2022 e 2023. No ano passado, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) concedeu 288,9 mil benefícios por incapacidade relacionados a problemas psíquicos, enquanto em 2022 esse número foi de 209,1 mil.
Esse aumento acende um alerta. Um levantamento da Mercer Marsh Benefícios, que gerencia riscos e administra benefícios no trabalho, destaca o burnout como uma preocupação crescente. O estudo entrevistou 208 empresas de 29 setores diferentes.
Os principais fatores que contribuem para o desenvolvimento da síndrome incluem a sobrecarga de demandas, conflitos com lideranças e a falta de autonomia dos profissionais em relação à sua rotina.
Em novembro de 2023, o Ministério da Saúde atualizou a lista de doenças ocupacionais, incluindo transtornos como burnout, depressão e uso de drogas entre os motivos para afastamento.
Em março deste ano, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a lei 14.831, que estabelece o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental. No entanto, o programa está paralisado, aguardando a nomeação da comissão responsável por definir as regras e conceder a certificação.
Procurado, o Ministério da Saúde informou que "as articulações interministeriais são coordenadas pela Casa Civil". Por sua vez, a Casa Civil afirmou que a responsabilidade de indicar os membros da comissão cabe aos ministros. A lei foi assinada por Nísia Trindade, da Saúde, e pelo ex-ministro de Direitos Humanos, Silvio de Almeida, que deixou o cargo após denúncias de assédio sexual.
Helder Valério, superintendente de gestão de saúde da Mercer Marsh Benefícios, destaca que, apesar dos progressos, as empresas ainda têm um longo caminho a percorrer na promoção da saúde mental.
"Descobrimos alguns avanços importantes, mas as empresas têm uma longa jornada pela frente. A partir de 2025, por exemplo, o burnout será oficialmente reconhecido como doença ocupacional no Brasil e isso vai impactar no FAP (Fator Acidentário de Prevenção) das empregadoras", afirma.
Ana Carolina Rangel, especialista em felicidade corporativa, considera que, embora o certificado não seja obrigatório, representa um passo significativo para que as empresas invistam de maneira preventiva na saúde mental. Ela ressalta que, em 2020, um ano marcado pela pandemia de Covid-19, houve um aumento significativo de casos de afastamento relacionados à ansiedade, burnout e depressão, sendo que essa situação já não era uma novidade.
"Foram pegas de surpresa as empresas que nunca trataram da questão de modo preventivo, pois a pandemia revelou algo que já estava acontecendo há muito tempo, mas os colaboradores tinham vergonha de falar, e há também o próprio preconceito em relação aos tratamentos mentais", diz.
A advogada Priscila Arraes Reino, especialista em direitos trabalhistas e previdenciários, explica que os casos de profissionais que adoeceram no trabalho e precisam de afastamento da Previdência envolvem uma série de situações, como assédio, pressão excessiva, alto incentivo para competitividade e pouco ou nenhum reconhecimento pelos resultados.
"A precarização dos direitos do trabalho desde a reforma trabalhista acabou contribuindo para que as pessoas se sujeitem por mais tempo, às vezes até quando não suportam mais, a condições de trabalho que as levam ao adoecimento", afirma.
O Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em número de trabalhadores com Síndrome de Burnout, ficando atrás apenas do Japão, de acordo com a Isma (International Stress Management Association). Além dessa síndrome, é cada vez mais comum encontrar profissionais que enfrentam outros transtornos, como depressão ocupacional, ansiedade e estresse pós-traumático.
Afastamentos
Os problemas relacionados aos transtornos mentais impactam não apenas os trabalhadores, mas também as empresas. Embora os afastamentos por questões osteomusculares — como dor nas costas e lesões por esforço repetitivo — sejam os mais frequentes, os dados indicam que o total de dias perdidos anualmente por funcionários com transtornos mentais é 81% maior em comparação aos que não apresentam nenhum tipo de transtorno.
"A saúde mental deve ser encarada como um problema real e importante no cenário empresarial e ignorar essa realidade é um erro estratégico que pode custar muito caro, afetando a competitividade e a sustentabilidade das empresas", diz Priscila.
Em 2022, a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a OIT (Organização Internacional do Trabalho) publicaram diretrizes globais para práticas relacionadas à saúde mental no ambiente de trabalho, incluindo programas específicos e, quando necessário, mudanças no ambiente físico.
A pressão no trabalho, as crescentes demandas, a incerteza econômica e os desafios pessoais podem contribuir para o surgimento de problemas como estresse, ansiedade e depressão, resultando em um aumento do absenteísmo nas empresas, o que é motivo de preocupação.
Valério ressalta a importância da capacitação de líderes para criar um ambiente psicologicamente seguro. "O funcionário não tem medo de sugerir mudanças, de cometer erro e de se comunicar quando tem uma liderança bem capacitada", afirma.
Vitor Carvalho, professor de psicologia e ética na FGV Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), observa que, apesar dos avanços nas discussões sobre gestão de pessoas, o número de relatos de transtornos parece estar aumentando, o que também está relacionado ao uso da tecnologia.
"Parece que conforme as formas de tecnologia vão evoluindo, a saúde dos trabalhadores tem piorado. Em vez de termos conquistado mais liberdade, o que nós vemos é o aumento do monitoramento e da fiscalização", diz.
Carvalho diz que os recursos tecnológicos fazem com que os indivíduos fiquem ligados ao trabalho mesmo quando estão fora dele, mantendo o sentimento de vigilância de forma contínua. "É como se nós estivéssemos participando de uma corrida e a linha de chegada estivesse sempre um passo à frente".
Além dos problemas associados à saúde mental, as situações de estresse no trabalho também afetam os indivíduos fisicamente, fazendo com outros tipos de doenças sejam desenvolvidas.
"Minha leitura é de que as pessoas estão adoecendo fisicamente no mundo no trabalho não apenas por conta do estresse, mas porque, dentro dessa lógica de performance contínua, elas param de se enxergar como pessoas."
O que as empresas devem fazer pela saúde mental dos trabalhadores?
- Promoção de um ambiente de trabalho saudável:
O respeito e a inclusão devem ser os pilares fundamentais do ambiente de trabalho. Esses fatores contribuem para a criação de um espaço seguro e, consequentemente, saudável.
- Gerenciamento do estresse no trabalho:
As empresas devem estar sempre atentas ao reconhecimento dos fatores estressores e implementar medidas para sua redução.
- Redução da carga de trabalho excessiva:
É crucial que os gestores estejam cientes do tempo de trabalho de seus colaboradores, respeitando a carga horária, que muitas vezes é uma fonte de doenças físicas e mentais.
- Criação de ambientes em que os trabalhadores sejam ouvidos:
Para garantir a saúde mental, é fundamental que os funcionários se sintam à vontade para conversar com seus gestores. É essencial reduzir o estigma relacionado a questões de saúde mental.
- Acesso a cuidados de saúde mental:
Apenas proporcionar um ambiente de trabalho saudável não é suficiente. As empresas também devem buscar aumentar o acesso a cuidados de saúde mental, oferecendo apoio de psicólogos.