Trump considera aquecimento global 'uma das maiores fraudes de todos os tempos' e incentivará combustíveis fósseis em segundo mandato
Em tempos de fúria de tempestades, ondas de calor e secas, a vitória do republicano Donald Trump na corrida eleitoral americana indica um retrocesso para o combate das mudanças climáticas. No que diz respeito ao aquecimento global, por exemplo, Trump classifica como “uma das maiores fraudes de todos os tempos”.
Nem Kamala nem Trump deram protagonismo à pauta climática em suas campanhas, confirmando a percepção de que o tema suscita preocupação, mas não se reflete em votos. Nenhum dos dois candidatos tampouco apresentou um plano de governo específico. Mas sem os EUA, nenhuma ação global contra as mudanças climáticas será efetiva o suficiente. O país é o maior produtor de petróleo do mundo, o segundo maior emissor de CO² e a nação com maior responsabilidade histórica sobre as emissões globais.
Quando o assunto é mudança climática, o contraste entre Trump e Kamala não poderia ser mais evidente, frisa a cientista política Leah Stokes, da Universidade da Califórnia. Porém, salienta ela, são essas políticas, tão distintas, que vão ter papel determinante no futuro do clima e nas ameaças que o mundo enfrentará nos próximos anos.
‘Ar limpo’
O ano de 2024 deverá igualar ou superar 2023 como o mais quente da História, segundo a Nasa. A Agência de Oceanos e Atmosfera dos EUA (Noaa) listou 24 desastres climáticos este ano no país, com prejuízos superiores a US$ 1 bilhão (R$ 5,8 bilhões). E a ciência comprovou que a tendência é de agravamento do aquecimento, caso não haja corte de emissões.
No segundo mandato de Trump, são dadas por certas não apenas a continuidade do negacionismo de sua gestão anterior, mas também a expansão da produção de petróleo e gás e a redução da regulação de emissões e de outras salvaguardas ambientais.
Neste ano, a revista Scientific American, pela primeira vez em mais de um século de existência, declarou apoio a um candidato à Presidência. Escolheu Kamala por considerar Trump uma ameaça grave demais à ciência, ao clima e à saúde.
‘Perfure, querido’
Um relatório do centro de estudos de políticas energéticas e climáticas Energy Innovation estima que as novas leis associadas a uma maior regulação, já prometida, podem dobrar o ritmo de redução anual de emissões de CO² dos EUA na atual década em relação à década passada.
— Sou um ambientalista. Quero ar limpo, água limpa — declarou Donald Trump em um comício em Wisconsin.
Mas o “ambientalista” Trump não cansa de repetir seu bordão “perfure, querido, perfure”, para reforçar sua promessa de expandir a produção de petróleo e gás e remover regras federais que controlam poluição e emissões. No último fim de semana, o republicano afirmou que, durante sua gestão, os EUA tiveram “de longe, o ar mais limpo de qualquer país”.
— A água mais limpa. Isso é o que quero. Quero ar puro, água limpa e empregos.
Na verdade, nesse período a poluição do ar e da água aumentou, informou a EPA.
Trump, que diz que as mudanças climáticas globais não são um problema dos EUA, já afirmou que deve revogar boa parte da IRA. E não será surpresa se, como em seu primeiro mandato, retirar mais uma vez o país do Acordo de Paris, que prevê medidas para reduzir emissões e, assim, conter o aquecimento da Terra. Na verdade, com as promessas de incentivar a indústria dos combustíveis fósseis, Trump deve aumentar as emissões.
Quando deixou o acordo, o então presidente alegou que o pacto prejudicava a economia americana e que as regulamentações ambientais limitavam a competitividade das indústrias nacionais. Ele continua a pensar da mesma forma e a considerar o aquecimento global “uma grande farsa”.
Fora se autoproclamar ambientalista, Trump tem evitado a pauta ambiental. Durante seu primeiro mandato, o republicano revogou mais de 200 regulamentações ambientais e acabou com a proteção de áreas naturais. Também desmantelou a EPA. Já disse que fará o mesmo mais uma vez, em tudo que ele considera “entraves desnecessários” ao crescimento da economia americana.
O chamado Projeto 2025, promovido pela Heritage Foundation, está no âmago da estratégia que Trump adotaria num segundo mandato. Ele sugere, por exemplo, a reclassificação de milhares de cargos federais, com ênfase em posições técnicas e científicas. Tais mudanças permitiriam que esses cargos sejam preenchidos por alinhamento político e não mais por competência.
Brasil e pós-eleição
Uma vitória de Trump terá o efeito de uma enxurrada sobre as negociações, arrastando não apenas os EUA para longe, mas dando a outros países argumentos para fazerem o mesmo ou reduzirem suas ambições. Também deve renovar o fôlego do discurso negacionista mundo afora.
— Surpresa haverá se Trump não se retirar do Acordo de Paris. Ele vai pisar no acelerador da destruição das salvaguardas ambientais. E quando acontecerem desastres, colocará a culpa em Deus — destaca Astrini.
O especialista também teme que o republicano diminua o investimento em pesquisa climática, que beneficia direta e indiretamente outros países. Para o Brasil, isso teria um impacto especial, pois o monitoramento climático e de florestas é feito em boa parte por satélites americanos. Astrini vê outras consequências para o Brasil, país sede da COP30, em Belém:
— A possibilidade de avanços depende muito de como o mundo chegará à COP30. E o resultado da eleição americana é parte disso.