A mídia americana em crise: Trump se prepara para novos ataques

Folha de S. Paulo
A mídia americana em crise: Trump se prepara para novos ataques Reprodução

Após a vitória de Donald Trump, a mídia americana enfrenta uma diminuição da influência da imprensa profissional no processo eleitoral, além da perspectiva de um governo trumpista que pode ser bastante hostil ao jornalismo. Em uma coluna da jornalista Charlotte Klein, da revista New York, um executivo de TV expressou o sentimento predominante entre os profissionais da mídia.


Ele, que preferiu não se identificar, afirmou que se metade da população acredita que Trump é qualificado para ser presidente, isso indica que esses indivíduos não estão consumindo os veículos de mídia tradicionais, que, segundo ele, perderam completamente esse público. O executivo destacou que uma vitória de Trump significaria a morte da mídia tradicional em sua forma atual, levantando a questão de como ela se reconfigurará a partir desse momento. A coluna de Klein, publicada em 30 de outubro, ganhou nova repercussão após o resultado das eleições. No dia seguinte ao pleito, Dave Weigel, colunista político do site Semafor, comentou que "a influência da mídia mainstream diminui a cada quatro anos". "Nos canais de TV a cabo, amigáveis a [Kamala] Harris, há ex-republicanos transmitindo seu horror em relação ao que Trump foi e o que fez; nas redes sociais e podcasts abraçados pelos republicanos, tudo isso era chororô desconectado do que os eleitores realmente se importam".


Uma pesquisa da Universidade Northeastern revela a diminuição da influência da mídia. Entre os eleitores de Kamala, 35% citam amigos, família e redes sociais como suas principais fontes de informação para decidir o voto, enquanto 32% mencionam a imprensa. Entre os eleitores de Trump, 42% afirmam obter informações eleitorais de amigos e redes sociais, com apenas 23% recorrendo à mídia tradicional.


Na campanha deste ano, ambos os candidatos, especialmente Trump, buscaram contornar a mídia tradicional, investindo em podcasts e influenciadores digitais que não adotam uma abordagem jornalística — ou seja, não fazem perguntas incisivas nem contestam informações. Uma pesquisa da Edison Research mostrou que 59% dos americanos entre 12 e 34 anos ouvem podcasts, um aumento de 4 pontos percentuais em relação a 2023.


Além disso, Trump ignorou uma entrevista no tradicional programa 60 Minutes, da CBS, depois que a emissora anunciou que haveria checagem de fatos. Ele também recusou participar de um segundo debate com Kamala, após um desempenho ruim no primeiro. No entanto, o republicano conversou por quase três horas com Joe Rogan, um dos podcasters mais populares do país, que atraiu uma audiência de 46 milhões de ouvintes. Posteriormente, Rogan declarou seu apoio a Trump.


Não se pode ignorar o papel do bilionário Elon Musk e sua plataforma X (anteriormente Twitter) na manipulação do ciclo de notícias. Musk, que conta com quase 204 milhões de seguidores, fez mais de 1.500 postagens atacando Kamala e promovendo Trump, além de realizar um bate-papo ao vivo com o republicano na plataforma. Reportagens indicam que Musk já pressionou funcionários para alterar o algoritmo e dar mais visibilidade às suas publicações.


A migração dos eleitores para redes sociais e plataformas de streaming em busca de informações eleitorais ocorre simultaneamente à queda da confiança na imprensa tradicional. Segundo uma pesquisa do Gallup, apenas 31% dos americanos "confiam muito" ou "confiam razoavelmente" na mídia para relatar as notícias de forma "completa, exata e justa". No ano passado, esse número era de 32%. Em 2019, 41% confiavam na mídia, e em 1976, quando a confiança atingiu seu pico, o índice era de 72%.


Os veículos de comunicação já se preparam para os ataques de Trump contra a imprensa crítica e investigativa, como ocorreu durante seu primeiro mandato. Naquela época, ele tentou bloquear a compra da Time Warner pela AT&T em retaliação à cobertura negativa da CNN; usou o Departamento de Justiça para vigiar jornalistas e vetou determinados repórteres de entrevistas coletivas na Casa Branca.


Nesta campanha, Trump já afirmou mais de dez vezes que pretende revogar as licenças de algumas emissoras de TV e negou ou revogou credenciais de vários veículos que iriam cobrir a noite de sua vitória, alegando que eles realizavam uma cobertura injusta. Ele também anunciou sua intenção de pressionar por mudanças nas leis de calúnia e difamação, visando aumentar as chances de sucesso em ações judiciais contra a imprensa e punir repórteres investigativos que obtêm vazamentos.


"Desta vez, vai ser muito pior, porque Trump não tem nenhuma amarra", disse Oliver Darcy, da newsletter de mídia Status, referindo-se ao fato de Trump ter agora a Suprema Corte, o Senado e, talvez, a Câmara alinhados a ele.


Diversas entidades de proteção a jornalistas se manifestaram. "Durante a campanha e em seu mandato anterior, o presidente eleito Donald Trump frequentemente usou linguagem violenta e ameaças contra a mídia. Sua eleição para um segundo mandato marca um momento perigoso para o jornalismo americano e a liberdade de imprensa global", disse o Repórteres sem Fronteiras.

De acordo com a entidade, entre 1º de setembro e 24 de outubro, Trump atacou, insultou ou ameaçou a imprensa 108 vezes em discursos e declarações, sem contar suas postagens nas redes sociais.


Durante seu primeiro mandato, muitos veículos de comunicação destacaram sua independência diante das tentativas de intimidação de Trump e mantiveram um rigor investigativo. No entanto, nesta ocasião, alguns proprietários de veículos parecem estar mais cautelosos. O Washington Post decidiu não apoiar nenhum candidato e arquivou um editorial rascunhado que endossava Kamala. Jeff Bezos, dono do jornal, afirmou que a decisão foi tomada com base em princípios, visando evitar a percepção de que a imprensa é enviesada. O Los Angeles Times e o grupo Gannett (responsável pelo USA Today) também optaram por não apoiar nenhum candidato na eleição presidencial.


Por outro lado, há quem esteja adotando uma postura diferente. Em um e-mail enviado a assinantes, a editora-chefe da revista Vanity Fair, Radhika Jones, afirmou que  "Dada a preocupação de muitos de que os veículos de mídia possam se sentir tentados a moderar sua cobertura para apaziguar o novo governo, quero garantir aos nossos leitores que nós não temos nenhuma intenção de mudar a abordagem de nossa missão na Vanity Fair. Nós acreditamos em liberdade, democracia e decência."


Em mensagem para funcionários, o presidente da Condé Nast, Roger Lynch, escreveu: "Agora, mais do que nunca, seremos firmes em nossa missão de manter os princípios de jornalismo independente".


A revista New Yorker, em vídeo com seu editor-chefe, David Remnick, disse que "o papel da imprensa sempre foi o de pressionar o poder". Muitos veículos se preparam para um "Trump bump", um gás na audiência ligado ao republicano, ainda que desta vez seja menor. No primeiro mandato dele, cresceu o interesse de leitores e espectadores em noticiários, e os veículos ganharam milhares de assinantes.


Como disse na época Leslie Moonves, então presidente da CBS: "Pode não ser bom para a América, mas é muito bom para a CBS." Isto é, desde que Trump não pressione o Comitê Federal de Comunicações a cassar as licenças das redes afiliadas à CBS, como ameaçou fazer.






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