Descubra o shopping chinês que lucra bilhões com corredores vazios
Situado no extremo sul da China, o Shopping Yaowang X27 Park opera 24 horas por dia, sete dias por semana. Com sete andares e centenas de lojas, o centro comercial apresenta uma vasta gama de produtos em vitrines impecáveis, com vendedores sempre prontos para atender. No entanto, em um típico domingo à tarde, poucos clientes circulam pelos corredores decorados, conferindo ao local uma atmosfera quase “fantasmagórica”.
Apesar dessa aparente calmaria, as vendas estão longe de estagnar. Somente no primeiro semestre de 2024, o shopping registrou mais de 4,6 bilhões de yuans (aproximadamente R$ 3,6 bilhões) em vendas. O segredo? As transmissões ao vivo de vendas — o famoso live commerce que tem impulsionado o consumo digital na China.
Inaugurado em 22 de dezembro de 2023, em Hangzhou, o projeto recebeu um investimento inicial de R$ 920 milhões, que abrangeu a construção do imóvel, a preparação e decoração das lojas físicas, além de incentivos fiscais do governo chinês por uma década.
Com menos de um ano de operação, o empreendimento já atingiu o “break even”, termo do mercado que indica que os ganhos igualaram os investimentos iniciais. A meta agora é superar R$ 8 bilhões em vendas até o final do ano, o que representaria um aumento de 122% em relação às vendas do primeiro semestre.
Shopping Fantasma
A executiva do X27 Park, Wang Lei, explica que o empreendimento foi criado para atender à crescente demanda das marcas que operam principalmente no live commerce. Uma pesquisa realizada pela administração do shopping revelou que as vendas online podem aumentar até três vezes quando as transmissões acontecem em uma loja física, em vez de um estúdio. “Apenas 1% das nossas vendas ocorre presencialmente aqui”, afirma Lei.
Embora o foco principal do negócio seja o comércio online, isso não significa que o shopping careça das tradicionais decorações. Os corredores do local são adornados com obras de arte, instalações e até áreas com sofás, proporcionando um ambiente acolhedor para os visitantes. A proposta é transformar a visita em uma experiência que remete ao shopping tradicional, mesmo com o fluxo quase nulo de compradores.
Com cerca de 300 lojas, o shopping abriga produtos de aproximadamente 30 mil marcas em seus seis mil metros quadrados de área construída. É o lar de nomes internacionais como Zara e Massimo Dutti, além de centenas de marcas locais. Até mesmo um supermercado “fake” exibe os produtos disponíveis para compra online.
Como exemplo do potencial de vendas realizadas em lojas, neste ano, o influenciador chinês Xin Youzhi, conhecido como Xinba, o “rei das lives”, faturou mais de R$ 160 milhões em produtos de beleza durante uma transmissão de 12 horas. “Nenhum evento presencial poderia alcançar esse resultado de vendas”, afirma Lei.
Em datas especiais, quando são organizadas transmissões ao vivo com a participação de grandes influenciadores e celebridades, a média de vendas pode atingir até 100 milhões de yuans (cerca de R$ 82 milhões).
Embora o shopping ofereça uma variedade de produtos, desde alimentos embalados até eletrônicos, a representante do empreendimento destaca que os itens de maquiagem são os mais vendidos durante as transmissões. Isso se deve ao perfil do público consumidor, predominantemente formado por mulheres entre 20 e 45 anos.
Foco nos influenciadores
Um dos diferenciais do shopping é ser um ambiente que reúne os influenciadores e vendedores mais relevantes do comércio chinês em um único espaço. “Cada loja neste shopping é uma sala de transmissão ao vivo para as estrelas e influenciadores das marcas”, diz a representante do X27.
Além de ser o local para lojas físicas, o shopping também oferece suporte técnico aos seus inquilinos, disponibilizando espaços para transmissões, aluguel de equipamentos e até um “carrinho de live” desenvolvido pela empresa para facilitar as transmissões. “Criamos esse modelo que pode ser operado por apenas duas pessoas: uma dirige o carrinho pela loja e a outra apresenta os produtos”, explica.
Outro aspecto importante é o serviço que conecta marcas a influenciadores de vendas. O shopping facilita parcerias entre influenciadores especializados em live commerce e celebridades da TV e do cinema chinês. Com uma rede de 70 celebridades e 150 influenciadores, o empreendimento atua como uma ponte estratégica, aproximando marcas e vendedores famosos.
De acordo com Ulysses Reis, especialista em varejo da FGV, parte do sucesso do modelo de live commerce na China está relacionado ao fator humano de influência, que envolve uma pessoa real apresentando, testando e explicando os produtos.
Atualmente, quem visita o shopping fisicamente geralmente o faz apenas para ver os produtos, mas a compra é realizada de forma virtual, como menciona Evelyn Marques, vendedora online.
Esse fenômeno de influência também é observado no Brasil. Segundo dados do IAB Brasil, divulgados pelo Estadão, 8 em cada 10 consumidores brasileiros compram por influência de criadores de conteúdo nas redes sociais, sendo que o formato mais apreciado para análises é o de resenhas em vídeo sobre produtos e serviços. “O live commerce aproxima o público do produto por meio da interação com o vendedor, que pode explicar melhor sobre o item, tirar dúvidas e se conectar com o consumidor”, afirma Reis.
Evelyn Marques, que mora na China há nove anos, se especializou nas vendas por transmissões online. Ela conta que seu público é brasileiro e consome produtos variados, como itens de moda e eletrônicos, apresentados em seus vídeos.
As transmissões podem durar de duas a oito horas seguidas em plataformas como a rede social de vídeos curtos Kwai. “Atualmente, quem visita o shopping fisicamente o faz apenas para ver os produtos; a compra, na verdade, é realizada de forma virtual”, afirma a live seller.
Dados da consultoria Statista sobre o mercado chinês indicam que o setor de live commerce movimentou 4,9 trilhões de yuans (equivalente a R$ 4 trilhões) em 2023. Para se ter uma noção da importância dessa área para o varejo doméstico, em 2017, o modelo gerou cerca de 20 bilhões de yuans (aproximadamente R$ 16,48 bilhões). Durante a pandemia, em 2020, com o lockdown e o aumento da digitalização dos negócios, o setor experimentou um crescimento impressionante de 6.500%, alcançando o primeiro trilhão em transações.
Como funcionam?
Em vez dos tradicionais vendedores nas lojas, os chamados live sellers operam a partir de um carrinho equipado com luzes, câmeras e araras para roupas e acessórios. As transmissões podem durar de duas a várias horas ininterruptas, incluindo demonstrações de produtos, provas de diferentes cores e tamanhos, além de interações com o público.
Durante as lives, os apresentadores costumam seguir um formato de “review” das peças, comentando sobre possíveis combinações com outros itens, usos, preços e mais. Assim como na China, o público brasileiro também tem se engajado nesse tipo de conteúdo nas redes sociais.
O modelo de live commerce tem ganhado popularidade e se apresenta como uma aposta no mercado brasileiro, especialmente impulsionado por grandes players do varejo asiático de moda e redes sociais. Conforme reportado pelo Estadão, além do Kwai, que lançou recentemente o Kwai Shop, a primeira plataforma de e-commerce dentro de uma rede social, o TikTok planeja lançar sua própria ferramenta no próximo ano. Marketplaces asiáticos como AliExpress, Shein e Shopee também veem o live commerce como uma estratégia de crescimento nas vendas no Brasil.
Publicidade
Na visão de Luiz Marinho, sócio-diretor da Gouvêa Malls, o sucesso desse modelo reforça a importância das operações físicas, mesmo para marcas “virtuais”, uma vez que a presença “figital” transmite mais segurança ao consumidor. “As pessoas tendem a confiar mais em uma marca que está presente tanto no ambiente digital quanto no varejo físico.”
Marinho acredita que modelos como do X27 Park apontam para uma transformação no modelo de negócio dos shopping centers. Ele lembra que no passado o papel de um empreendimento era locar espaços e gerar tráfego de clientes, mas com as mudanças pós-pandemia e avanço do varejo virtual, o shopping precisa conectar clientes e marcas, o que pode impulsionar o faturamento desses empreendimentos no País. “O shopping no futuro vai ser uma plataforma que conecta quem quer comprar com quem quer vender”, diz.