Bets chegam às igrejas evangélicas e preocupam pastores
“A prática de jogos de azar não é uma novidade”, afirma a Igreja Universal em um texto publicado recentemente. Na Bíblia, há menção até mesmo de sorteios realizados por soldados romanos para decidir quem ficaria com a túnica de Cristo após sua crucificação. Mas, para a Universal — uma das maiores denominações evangélicas do Brasil — a abordagem desse tema agora é estratégica. Embora igrejas, em geral, condenem jogos de azar, pastores observam que muitos fiéis são atraídos por apostas como o popular jogo do "tigrinho".
Uma pesquisa do PoderData, realizada entre 12 e 14 de outubro com 2.500 pessoas em 181 municípios, aponta que 29% dos evangélicos já fizeram apostas virtuais, superando a média geral de 24% e os 22% entre católicos. Além disso, 21% dos evangélicos relataram endividamento por conta dessas apostas, em comparação com 16% na média total e 12% entre os católicos.
Casos de apostas em igrejas evangélicas têm se tornado cada vez mais comuns. O apóstolo Estevam Hernandes, da Renascer em Cristo, cita o exemplo de um jovem que, em meio a um jantar com a namorada, apostou o valor que tinha para pagar a conta e acabou perdendo tudo. Outra fiel, Tania Martins Vieira, vendedora de ar-condicionado, conta que perdeu cerca de meio milhão de reais e chegou a colocar seu apartamento em leilão. Hoje, Tania, que se recupera com apoio do Hospital das Clínicas e da igreja, atribui à fé sua força para vencer o vício.
Pastores como Filipe Scarcella, da Igreja Batista Soul Livre, destacam que a Teologia da Prosperidade contribui para que muitos evangélicos vejam nas apostas uma promessa de riqueza rápida, confundindo sorte com bênçãos divinas. “Essa esperança de prosperidade é o que impulsiona o crescimento das apostas entre os fiéis”, afirma.
A questão também tem sido abordada em programas de igrejas. O bispo Renato Cardoso, da Igreja Universal, discutiu o assunto no programa “Inteligência e Fé”, atribuindo o vício aos “espíritos de Mamom e do vício”. Para ele, o desejo de riqueza se torna negativo quando se transforma em cobiça que afasta a pessoa de Deus. Da mesma forma, o pastor Silas Malafaia alerta sobre os impactos destrutivos do vício, que, segundo ele, pode levar à ruína familiar e financeira.
Buscando apoio, muitos evangélicos têm se unido em grupos de recuperação como o CR (Celebrando a Recuperação), um programa terapêutico de orientação cristã inspirado nos 12 Passos de Alcoólicos Anônimos. Em São Paulo, encontros organizados pela Igreja Batista de Água Branca reúnem semanalmente cerca de 350 pessoas em busca de auxílio. Roseni Welmerink, diretora do projeto no Brasil, observa que, frequentemente, os participantes só percebem a conexão entre suas dificuldades financeiras e emocionais e o vício em apostas depois de ingressarem no grupo.
Samanta, uma publicitária de 27 anos, compartilha sua experiência com o grupo de apoio, onde encontrou forças para resistir ao impulso de apostar. “Se tivesse ficado só nas orações, ainda estaria presa ao vício”, reflete. Hoje, ela brinca: “Quer apostar que eu não volto para aquela vida?”