Delator do PCC assassinado em aeroporto havia denunciado corrupção dentro 2 delegacias da Polícia Civil
Policiais de dois departamentos da Polícia Civil e de duas delegacias em São Paulo estão envolvidos na proposta de delação do empresário Antônio Vinícius Lopes Gritzbach. Ele revelou como investigações foram supostamente manipuladas por policiais para proteger membros do Primeiro Comando da Capital (PCC) de acusações criminais, mediante o pagamento de propinas em dinheiro e até mesmo pela transferência de propriedades.
O secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, anunciou nesta segunda-feira, dia 11, que afastará os policiais civis mencionados na delação, sem especificar quantos nem quem são esses agentes. A Corregedoria da corporação abriu três inquéritos para investigar as informações fornecidas por Gritzbach.
O Anexo 6 da delação do empresário contém as denúncias de corrupção policial feitas por ele, que foi assassinado a tiros de fuzil no Aeroporto Internacional de Guarulhos, na Grande São Paulo. Em maio, surgiram informações de que ele havia firmado um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Estadual (MPE) e estava disposto a fornecer provas e denunciar a ação de policiais corruptos.
A delação de Gritzbach, homologada em abril e registrada na 1.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital, possui seis anexos. Para cada um, o empresário prestou depoimentos gravados, além de fornecer gravações, mensagens e documentos aos promotores do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo (Gaeco).
O jornal Estadão teve acesso à íntegra da proposta de delação, assinada por três advogados e entregue aos promotores do Gaeco. No anexo referente às denúncias de corrupção policial, Gritzbach acusa agentes da Polícia Civil ligados ao Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), e aos Distritos Policiais 24 (Ermelino Matarazzo) e 30 (Tatuapé) de crimes como corrupção passiva, associação criminosa e concussão.
As denúncias de Gritzbach têm como principal alvo a equipe que investigava assassinatos relacionados à guerra interna do PCC pelo controle do tráfico internacional de drogas. Segundo ele, uma das propinas pagas chegou a R$ 70 milhões.
No Anexo 6, há um áudio de 4 minutos e 59 segundos de uma conversa gravada por Gritzbach, apresentada aos promotores do Gaeco, ao qual o Estadão também teve acesso. Na gravação, um investigador não identificado do Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos (Denarc) conversa com o advogado Ahmed Hassan, conhecido como Mude, acusado de estar ligado à cúpula da facção. Mude teria concordado em aumentar de R$ 300 mil para R$ 3 milhões a recompensa pela morte do empresário. A gravação foi feita por Gritzbach sem que os envolvidos soubessem.
Na proposta de delação, Gritzbach também menciona números de inquéritos em que as investigações teriam sido influenciadas pela corrupção policial. Um desses inquéritos, nº 1500098-86.2022.8.26.0050, instaurado no 30º DP e posteriormente transferido para o 24º DP devido à mudança da equipe responsável, refere-se à investigação sobre Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta. Ele foi executado a tiros em 27 de dezembro de 2021, ao lado de seu segurança, Antonio Corona Neto, o Sem Sangue. Gritzbach foi acusado de ser o mandante do duplo homicídio. Em 2 de janeiro de 2022, o 30º DP instaurou o inquérito para investigar a lavagem de dinheiro do PCC.
O traficante de drogas Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta ou Magrelo, assassinado em 27 de dezembro de 2021 Foto: Reprodução
Gritzbach trabalhou na Porte Engenharia, onde chegou a ser gerente comercial. Com a facção se envolvendo no tráfico internacional, os participantes começaram a buscar maneiras de investir e lavar o dinheiro obtido com o tráfico de cocaína. A compra de imóveis no Tatuapé foi uma das estratégias utilizadas pelos criminosos, seguida pelo investimento em bitcoins.
Em agosto, a Porte Engenharia informou ao Estadão que não tinha conhecimento do documento da delação e afirmou que cumpre a lei. Na última sexta-feira, a empresa acrescentou que Gritzbach atuou como corretor entre 2014 e 2018 e se colocou à disposição para colaborar com as investigações.
Gritzbach estava envolvido tanto na venda de apartamentos quanto, segundo a polícia, em negócios relacionados a criptomoedas, que teriam gerado um prejuízo de R$ 100 milhões para Cara Preta, levando este a ameaçar o empresário.
Quando a delegacia do Tatuapé iniciou seu inquérito sobre lavagem de dinheiro, a investigação do assassinato de Cara Preta, ocorrido na mesma área, também foi assumida pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
De acordo com Gritzbach, a corrupção se manifestava no direcionamento das investigações. Ele afirmou que aqueles que pagavam aos policiais — seja em dinheiro vivo ou através da transferência de propriedades — conseguiam se livrar das acusações. Essa negociata beneficiava ambos os lados: os policiais tinham o álibi de ter aberto um inquérito e supostamente investigado, enquanto os criminosos recebiam um atestado oficial de que nada contra eles havia sido encontrado.
Gritzbach decidiu adotar a estratégia de oferecer o máximo de detalhes possível na delação sobre a vida dos investigados, visando expor o que havia sido “esquecido” ou ocultado pelos policiais nos inquéritos.
Um dos casos que ele relata é que, no dia seguinte ao assassinato de Cara Preta, um homem conhecido como Celso Pilha foi ao apartamento do traficante e retirou várias caixas de lá. “Segundo o delegado, o apartamento foi ‘limpo’, e eles voltaram para remover a motocicleta”, contou Gritzbach. No entanto, essa “limpeza” não foi mencionada no inquérito.
De acordo com o delator, tanto a moto quanto o carro utilizados por Celso Pilha pertenciam à mesma pessoa: Robinson Granger, conhecido como Molly, suspeito de lavar dinheiro para o PCC e alvo de buscas pela delegacia do Tatuapé. Gritzbach afirmou que Granger e Cara Preta “tinham uma relação de confiança”.
“A investigação levada a cabo pela autoridade policial do 30.º DP aponta que Robinson, além de ter relação próxima com Anselmo, também seria traficante internacional de drogas – a exemplo da própria vítima”, afirma a proposta de delação de Gritzbach.
“No relatório de investigação há trecho de suma relevância e que, assim sendo, também merece destaque. Neste trecho, a equipe de investigação do 30º DP salienta que desde o início das investigações afirmou-se que o Robinson, vulgo ‘Molly’, seria uma espécie de padrinho da vítima Anselmo, e que as descobertas advindas das investigações do DHPP (que corriam de forma paralela) corroboravam com a tese de que Robinson estaria envolvido com a morte das vítimas Anselmo e Antonio.”
Em 2 de maio de 2022, Celso Pilha compareceu ao 24.º DP e afirmou que havia ido ao imóvel de Anselmo a pedido de Gritzbach, um relato que a defesa do empresário considerou “completamente inverídico”. Além disso, a defesa ressaltou que as declarações de Celso Pilha devem ser vistas com cautela, uma vez que ele mesmo mencionou no início de seu depoimento que havia ido à delegacia “a pedido de seu amigo Robinson Granger”. Isso sugere uma tentativa de desviar a atenção de Robinson, segundo a defesa. A reportagem não conseguiu contatar a defesa de Granger, que alegou inocência ao ser interrogado pelas autoridades.
Segundo Gritzbach, apesar das relações de Cara Preta com outros investigados, confirmadas também pelo depoimento de um funcionário do prédio, a polícia não implicou outros acusados no assassinato do traficante devido a pagamentos milionários feitos a policiais.
A acusação acabou recaindo sobre Gritzbach, que não teria realizado os “acertos” com os policiais. Embora admitisse ter lavado dinheiro para o crime organizado, ele sempre negou ser o mandante das mortes de Cara Preta e Sem Sangue, além de rejeitar qualquer envolvimento em desfalques relacionados a criptomoedas, afirmando ser vítima de uma “conspiração”.
No inquérito aberto pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) para investigar os homicídios de Cara Preta e Sem Sangue, também foram ouvidos Rafael Maeda Pires, conhecido como Japonês do PCC — encontrado morto em 4 de maio de 2023 em uma garagem no Tatuapé — e o empresário de jogadores de futebol Danilo Lima de Oliveira, conhecido como Tripa.
Trecho do documento do PCC sobre o acordo de delação premiada de Gritzbach com o Gaeco Foto: Reprodução
O Japonês era suspeito de liderar o tribunal do crime do PCC e de ter assassinado, junto com um ex-sargento da PM, o traficante Wagner Ferreira da Silva, conhecido como Cabelo Duro. Gritzbach afirmava que todos os suspeitos haviam pagado propina aos policiais para se livrar das acusações. Em janeiro, o empresário declarou ao Estadão que um deles teria entregado R$ 5 milhões em propinas a policiais civis.
O inquérito sobre a morte do Japonês levou o DHPP a deflagrar, em 16 de agosto deste ano, uma operação em conjunto com a Corregedoria da Polícia Civil para investigar suspeitos envolvidos no caso. Foram cumpridos 13 mandados de busca.
Há suspeitas de que Maeda tenha sido forçado a se suicidar e de que policiais civis tenham obstruído as investigações, ocultando provas. Antes de ser encontrado morto, ele enviou uma mensagem à esposa: “Cuida bem da nenê. Eu te amo”. Na mesma operação, os corregedores apreenderam duas barras de ouro, duas pistolas, um fuzil, documentos e celulares.
A obstrução das investigações sobre a morte do Japonês é outro caso mencionado por Gritzbach, que alega corrupção policial. Oito dias antes de sua morte, no Aeroporto de Guarulhos, o delator havia prestado um novo depoimento aos corregedores da polícia. O secretário afirmou que policiais civis devem ser afastados.
“Se não foram afastados (os policiais civis citados por Gritzbach), tenho certeza de que serão. É o mais prudente a ser feito, sem dúvida nenhuma”, afirmou o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, na tarde desta segunda-feira, em coletiva de imprensa sobre a força-tarefa criada para investigar a execução no aeroporto.
Os quatro PMs que estavam realizando a escolta para Gritzbach também foram afastados e estão sendo investigados. De acordo com o regimento interno, os policiais militares da ativa não podem realizar atividades externas à corporação.
“Não temos problema nenhum em apurar e depurar desvios de conduta, seja na Polícia Militar ou na Polícia Civil. Ele (Gritzbach) fala de fatos de 2021 e 2022, antes de nossa chegada aqui (a gestão Tarcísio de Freitas começou em janeiro de 2023)”, completou o secretário.
Já o delegado-geral da Polícia Civil, Artur Dian, prometeu apurar o que o empresário denunciou. “Vamos verificar o que ele disse nos três inquéritos que foram abertos na Corregedoria em razão das declarações para saber as circunstâncias e acusações. Ainda não temos esse levantamento.”