'As cidades têm muito mais capacidade de lidar com as mudanças climáticas do que os governos centrais', diz Paes
O compromisso coincidiu com o dia em que o prefeito Eduardo Paes completou 55 anos. Então, não houve muito tempo para comemorar, mas ainda assim o dia foi festivo. O aniversariante foi o anfitrião do Urban 20, fórum do G20 que reúne mais de 60 prefeitos de todo o mundo na Zona Portuária. Até domingo, quando acaba o evento, Paes terá participado de mais de 20 reuniões com representantes de prefeituras, fundos internacionais e entidades interessadas em discutir as mudanças climáticas. A agenda inclui ainda jantares de recepção no Copacabana Palace, no Roxy Dinner Show e na Gávea Pequena. Além do U20, o prefeito vai estar em encontros da Cúpula de Líderes do G20.
O que representa promover o U20, o encontro de prefeitos, às vésperas do G20?
— A absoluta maioria das pessoas no mundo vive em cidades. Por isso, o U20 tem uma importância política muito grande. O G20 é uma organização que busca tratar dos principais problemas do mundo e, na verdade, é nas cidades que as decisões são tomadas. Mal comparando, há mais tomadas de decisões no G20 do que na Organização das Nações Unidas (ONU). Teremos a COP 30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) em 2025, em Belém, que é importante. Mas, se o Acordo de Paris fosse feito num ambiente de G20, seria mais efetivo do que em uma COP.
Uma das demandas que os prefeitos vão levar ao G20 é a criação de um fundo internacional para financiar projetos para conter os efeitos das mudanças climáticas. Como isso funcionaria?
— No mundo, os prefeitos enfrentam as mesmas realidades: o principal desafio é ter autorização para captar empréstimos. Isso porque os governos centrais têm que dar garantias (em caso de inadimplência, cabe à União quitar a dívida). Não se consegue um empréstimo sem o governo federal avaliar uma série de parâmetros sobre a economia das cidades. Ao perceberem que isso pode ser feito por meio de garantias internacionais, os governos municipais viram que esse processo será mais fácil.
De onde viriam esses recursos para as cidades?
— Tem muito dinheiro no mundo para financiar projetos. Isso inclui bancos de desenvolvimento, o banco dos Brics, a Cooperação Andina de Fomento. Hoje mesmo tive uma reunião com a representante do Amazon Industrial Innovation Fund, fundo de US$ 10 bilhões criado pelo Grupo Amazon, para apoiar projetos que reduzam os impactos das mudanças do clima. Temos projetos que podem interessar a eles. Um deles é a ampliação do Parque Jornalista Susana Naspolini, em Realengo, e a implantação de um novo parque na Taquara, na região de Jacarepaguá.
E como a demanda pelo fundo será encaminhada ao G20?
— Em 2023, criamos uma comissão formada por mim, pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e o economista americano Jeffrey Sachs para tratar disso. Essa discussão durou cerca de um ano e meio. A gente viu ali que a composição já era uma oportunidade política. O presidente Lula se dá muito bem com a Hidalgo, e o Jeffrey Saches, comigo. A estratégia é usar a força do Lula no ano em que ele preside o G20 para mostrar as demandas das cidades mais importantes de todo o mundo.
As cidades teriam mesmo mais força que países para adotar medidas de enfrentamento às mudanças climáticas?
— Essa é uma tese que defendo desde a época em que presidi o C40, entidade que reúne os prefeitos das maiores metrópoles, entre 2013 e 2016. Na época do Acordo de Paris (celebrado em 2016, quando 195 países estabeleceram metas até 2030 para reduzir a emissão de gases de efeito estufa), qual era o gancho que a gente usava? As cidades têm muito mais capacidade de lidar com as mudanças climáticas que os governos centrais. Oito anos depois, esse protagonismo das cidades só aumentou porque o cumprimento das metas do Acordo de Paris está se revelando mais difícil por causa de instabilidades políticas nos governos centrais. Nesse período, só para citar um exemplo, os Estados Unidos aderiram ao Acordo de Paris, mas saíram na primeira gestão de Donald Trump. Depois, retornaram com o presidente Joe Biden. Agora devem romper de novo, com a volta de Trump.
Mas também há alternância de poder nas cidades, com linhas políticas diferentes.
— Nas cidades, independentemente se o gestor é de direita ou de esquerda, são os prefeitos que têm que lidar com as consequências dessas mudanças. Isso vale, independentemente do prefeito ter tido apoio de um presidente que reconhece o problema ou alguém que nega as mudanças climáticas ou defende que a terra é plana. Eu, por exemplo, tive apoio do presidente Lula e conheço as dificuldades. O Ricardo Nunes, prefeito de São Paulo, reeleito supostamente com o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro, também tem seus problemas.
Quais projetos o Rio tem interesse em candidatar para receber dinheiro desse fundo, caso seja viabilizado?
— Uma das nossas ideias é promover já no ano que vem a nova licitação dos ônibus da cidade, cuja concessão vence em 2028. A proposta é introduzirmos veículos elétricos, menos poluentes. Isso se tornou possível com o aumento da oferta de veículos no mercado. Antes, só havia a BYD (o prefeito entende que antes poderia haver conflitos éticos porque ele foi executivo da montadora chinesa). Um fundo desses poderia não financiar diretamente o poder público, mas o investidor privado que assumirá a concessão em uma PPP, por exemplo. Temos ainda o projeto de VLTização dos corredores de BRTs (cuja modelagem de conversão da operação está em fase final de desenvolvimento pelo BNDES).
Além dessas propostas que outras medidas poderiam ser adotadas em poucos anos?
— Quando desativamos o Aterro Sanitário de Jardim Gramacho, em 2012, com a abertura do Centro de Tratamento de Resíduos de Seropédica, já houve uma queda radical das emissões de gases de efeito estufa pela cidade. Mas temos medidas que podem ser implantadas nesse campo. Como a ampliação da coleta seletiva na cidade e a conversão dos veículos (para elétricos) usados pelo poder público, como os da Comlurb. Nós já temos financiamentos do PAC para realizarmos três anos de obras de contenção de enchentes no Jardim Maravilha, em Guaratiba, e melhorias de drenagem na bacia do Rio Acari.
O senhor comentou ontem nas redes sociais que rezava para não chover nos próximos dias. Como se trata de eventos para discutir mudanças climáticas, pediu socorro ao Cacique Cobra Coral, entidade que diz controlar o tempo?
— Teve gente da organização preocupada com isso (risos). Há tempos que não falo com o Osmar Santos, porta-voz da fundação. A gente torce por tempo bom para que o Rio apareça bem como protagonista. Isso será simbolizado com uma foto ao fim do evento com os chefes de Estado com o Pão de Açúcar ao fundo. Até o Ricardo Stuckert (fotógrafo oficial da Presidência da República) ajudou a convencer as delegações.