A experiência de Portugal com a política de drogas
Portugal, nos últimos 20 anos, se tornou um exemplo internacional de como uma política de drogas voltada para a saúde pública pode ter resultados positivos tanto para os usuários quanto para a sociedade em geral. O país enfrentou uma crise de drogas nos anos 1980 e 90, com altas taxas de consumo, infecções por HIV entre usuários de substâncias injetáveis e um aumento no número de mortes relacionadas ao uso de drogas. Em resposta, o país adotou uma política inovadora em 2001, descriminalizando o uso e a posse de todas as drogas para consumo pessoal e focando em uma abordagem de tratamento e reabilitação.
Essa reforma, idealizada e executada sob a liderança do médico e especialista em saúde pública João Goulão, transformou Portugal em um dos primeiros países do mundo a adotar a descriminalização das drogas em vez da punição criminal. Goulão, que ainda hoje é uma das figuras centrais na gestão dessa política, acredita que a dependência química é um problema de saúde, e não uma questão criminal, e que os usuários devem ser ajudados, e não punidos. Seu trabalho e sua visão foram fundamentais para o desenvolvimento e implementação desse modelo.
A política de drogas de Portugal apresentou resultados muito positivos, reconhecidos internacionalmente. Entre eles:
1. Redução nas taxas de mortalidade. Desde a implementação da descriminalização, as mortes relacionadas ao consumo de drogas em Portugal caíram significativamente. Hoje, o país apresenta uma das menores mortalidades por overdose na União Europeia;
2. Diminuição nas taxas de infecção por HIV e hepatites virais. Antes da descriminalização, Portugal registrava altas taxas de infecção por HIV e outras doenças transmissíveis entre usuários de drogas injetáveis. Com a política, essas taxas caíram drasticamente, em grande parte devido aos programas de redução de danos, como a distribuição de seringas e tratamento de substituição com metadona;
3. Redução no consumo de drogas. Apesar das críticas iniciais que previam um aumento do consumo de drogas após a descriminalização, os dados mostram que ele diminuiu, especialmente entre os jovens;
4. Desafogo do sistema judiciário e penitenciário. Ao tratar o consumo como uma questão de saúde, Portugal reduziu drasticamente a quantidade de casos de posse de drogas no sistema judiciário, liberando recursos para lidar com crimes mais graves.
Goulão defende que a abordagem de descriminalização não resolve todos os problemas, mas é um primeiro passo fundamental. Ele sustenta que o sucesso da política de drogas de Portugal não está apenas na descriminalização em si, mas em todo o sistema de suporte, que inclui tratamento, reabilitação e programas de redução de danos. Para ele, é fundamental considerar o usuário de drogas como uma pessoa com necessidades de saúde e apoio social, promovendo uma política que enfrente as causas do uso problemático em vez de apenas seus sintomas.
O sucesso mostra que políticas de drogas mais humanas, focadas em saúde pública e no tratamento, podem trazer benefícios sociais e de saúde significativos. O modelo português prova que o combate ao consumo problemático de drogas pode ser feito de maneira mais eficaz quando se adota uma abordagem baseada em evidências científicas e centrada no ser humano.
Nesta semana, tivemos uma importante reunião técnica sobre a política de drogas no Brasil no Supremo Tribunal Federal, promovida pelos Ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, que contou com a presença de diversas autoridades. Com a revisão de Goulão, divulgamos um documento norteador da política de drogas, construídos por um grupo acadêmico liderado pela Universidade de São Paulo, para servir de base para realizar a reforma que o Brasil precisa fazer na área.