Proibições de livros nos EUA mostram censura velada e refletem eleição de Trump

Folha de São Paulo
Proibições de livros nos EUA mostram censura velada e refletem eleição de Trump Ilustração de Adams Carvalho para a série 'Arte da Censura' - Adams Carvalho

O escritor Robert Jones Jr., autor de Os Profetas, ficou inicialmente extasiado ao saber que seu romance havia se tornado alvo de grupos conservadores nos Estados Unidos. "Isso me colocou ao lado de Toni Morrison e James Baldwin", celebrou. Entretanto, o entusiasmo rapidamente deu lugar à indignação: "É nojento e impensável que autores como Baldwin e Morrison sejam proibidos em certos lugares".

Nos últimos anos, censuras literárias dispararam nos EUA. Segundo a PEN America, que defende a liberdade de expressão, mais de 10 mil casos de banimento de livros ocorreram em bibliotecas públicas e escolares no último ano letivo, afetando 4.231 títulos. Entre as obras mais censuradas, destacam-se O Olho Mais Azul, de Toni Morrison, e O Quarto de Giovanni, de James Baldwin, além de clássicos como 1984, de George Orwell, e Os Miseráveis, de Victor Hugo.

A censura, contudo, não se limita a livros históricos ou de grandes autores. O próprio Os Profetas, que aborda o amor entre dois jovens escravizados no século XIX, foi alvo de críticas por tratar de raça, sexualidade e religião. No Tennessee, foi um dos 63 livros banidos em massa devido à presença de personagens LGBTQIA+.

A ascensão da censura organizada
O crescimento dos pedidos de censura coincide com um contexto político e cultural polarizado. Após a morte de George Floyd, em 2020, e os protestos do movimento Black Lives Matter, grupos conservadores intensificaram esforços para restringir conteúdos considerados “ameaçadores”. A Flórida, liderada pelo governador Ron DeSantis, tornou-se o epicentro dessas ações, com leis como a "Stop Woke Act" e a "Don’t Say Gay", que restringem discussões sobre racismo estrutural e sexualidade em escolas.

Essas legislações ambíguas incentivam a autocensura de educadores e escritores. Para evitar penalidades, muitos preferem evitar temas sensíveis. "Quando você não entende exatamente o que é proibido, a tendência é se autocensurar", afirma Katie Blankenship, advogada da PEN America.

Censura ou exclusão de acesso?
Embora os livros banidos ainda possam ser comprados, sua retirada de bibliotecas públicas e escolares prejudica especialmente jovens de baixa renda. "Estão tirando a acessibilidade dessas crianças", critica Lisette Fernandez, cofundadora do grupo Moms for Libros, que luta contra a censura.

Fernandez explica que o processo começa com um pedido formal de um pai ou mãe, seguido por uma análise de um comitê escolar. Após 2021, essas ações ganharam respaldo legislativo, tornando mais fácil banir obras que abordem diversidade, sexualidade ou história racial.

Resistência e o impacto nas minorias
A censura não é novidade nos EUA, mas agora é utilizada como ferramenta política para mobilizar apoiadores conservadores. "Livros estão sendo usados para criar divisões no eleitorado", critica Mitchell Kaplan, fundador da Feira do Livro de Miami.

Além de prejudicar autores financeiramente, o impacto mais profundo recai sobre os jovens leitores. "Se uma criança não se vê representada nos livros, o que isso faz com sua confiança e saúde mental?", questiona Fernandez.

Apesar dos desafios, escritores, educadores e organizações continuam a resistir, defendendo o direito ao acesso livre à literatura. Afinal, como mostram as batalhas históricas contra a censura, restringir livros é tentar silenciar vozes — mas essas vozes tendem a encontrar novos caminhos para serem ouvidas.




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