O Brasil reafirmou, na declaração do G20, seu apoio à igualdade de gênero e à taxação de bilionários, mesmo diante das pressões da Argentina. De acordo com uma cópia do documento obtida pela Folha, a declaração do G20 deve ressaltar "nosso comprometimento total com igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas". A Folha teve acesso a duas versões do texto: na primeira, datada de 17 de novembro, havia uma observação [ARG:reserve], que indicava a oposição da Argentina. Na versão seguinte, a menção à Argentina foi removida.
Na linguagem diplomática, o uso de colchetes indica que um país ainda está em processo de consulta sobre o assunto, ou seja, não aceitou plenamente aquele item e se distancia dele. Um dos trechos que o governo de Javier Milei contestou condena todas as formas de discriminação contra mulheres e meninas e reafirma o "compromisso de acabar com a violência de gênero, incluindo a violência sexual, e de combater a misoginia online e offline". A Argentina também não quis apoiar, no texto do dia 17, o trecho que defendia "igualdade de gênero no trabalho".
Na semana passada, a Argentina foi o único país a votar contra uma resolução da ONU não vinculante que condenava a violência contra as mulheres, enquanto Irã, Coreia do Norte e Rússia se abstiveram.
No parágrafo referente à taxação dos chamados super-ricos, a declaração se compromete a engajar-se de maneira produtiva para garantir que indivíduos com patrimônio ultra elevado sejam tributados de forma efetiva. A menção à taxação aparece entre colchetes no texto do dia 17, referindo-se à Argentina [ARG:ultra-high-net-worth].
Outro tema que gerou objeções por parte de Buenos Aires, mas que foi incluído na versão final da declaração, foi o apoio à Agenda 2030 da ONU. O texto menciona que as Metas de Desenvolvimento Sustentável (SDG) da Agenda 2030 devem ser alcançadas em apenas seis anos, destacando que, até o momento, há "progresso mínimo".
"O G20 está bem equipado para abordar esses desafios por meio da necessária cooperação internacional e decisão política".
Em outubro, Milei enviou uma instrução afirmando que diplomatas que apoiassem qualquer declaração, resolução ou projeto que endossasse a Agenda 2030 da ONU ou seus objetivos seriam convidados a se retirar. Esse comunicado foi enviado após a demissão da chanceler Diana Mondino, que apoiou uma resolução da ONU contra o embargo de Cuba pelos Estados Unidos.
A delegação de Buenos Aires também se opôs a um trecho do documento que aborda a desinformação e o discurso de ódio no ambiente virtual. A redação menciona que a digitalização da informação e a rápida evolução de novas tecnologias, como a inteligência artificial, impactaram significativamente a velocidade e o alcance da desinformação e do discurso de ódio. Nesse parágrafo, a objeção argentina aos termos "desinformação" e "discurso de ódio" também estava entre colchetes no texto de domingo.
O ultraliberal Milei é aliado de Elon Musk, o bilionário proprietário da rede social X. O texto ao qual a reportagem teve acesso não menciona questões geopolíticas, como os conflitos na Ucrânia e em Israel contra o Hamas e o Hezbollah, indicando que esse ponto ainda está em negociação entre os membros do G20.
Como a Folha já destacou, o governo argentino, sob a orientação de Milei, adotou uma postura de oposição a trechos na declaração final sobre igualdade de gênero e empoderamento das mulheres. A delegação de Buenos Aires também levantou objeções a menções aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) e à Agenda 2030 da ONU — 17 metas estabelecidas em 2015 para promover a sustentabilidade, erradicar a pobreza e proteger o planeta até o final da década.
A taxação dos super-ricos, bandeira do ministro Fernando Haddad (Fazenda), também se tornou alvo da delegação de Milei. A estratégia argentina gerou preocupação no Itamaraty durante os dias de negociação no Rio, que buscou elaborar um documento que pudesse ser aceito por todos os membros do G20.