Investigação da PF revela rede de 35 militares em plano para matar Lula, Alckmin e Moraes

Estadão
 Investigação da PF revela rede de 35 militares em plano para matar Lula, Alckmin e Moraes Reprodução

A Operação Contragolpe, realizada pela Polícia Federal na terça-feira, 19, resultou na prisão de militares envolvidos no planejamento da morte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de seu vice, Geraldo Alckmin, e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. A operação também revelou uma ampla rede no alto escalão das Forças Armadas, incluindo oficiais graduados que trocavam informações sobre o golpe e eram considerados para "pacificar" o país após uma possível ruptura. Os investigadores descobriram mensagens, reuniões, documentos e áudios que mencionavam pelo menos 35 militares, entre eles dez generais e 16 coronéis do Exército, além de um almirante, durante a mais recente fase da investigação sobre a trama antidemocrática supostamente gestada durante o governo Jair Bolsonaro.


Em uma nota divulgada no dia da operação, o Exército afirmou que não comenta processos em andamento conduzidos por outros órgãos, mantendo uma relação de respeito com as demais instituições da República. As defesas dos detidos na operação ainda não se pronunciaram, e o espaço continua disponível.


O foco principal da operação foi o general Mário Fernandes, ex-secretário-executivo do governo Bolsonaro. A partir de seu celular, a Polícia Federal encontrou conversas nas quais ele e outros militares expressavam descontentamento com o Alto Comando do Exército, afirmando que deveria "acabar" e comentando: "Quatro linhas da Constituição é o cacete". Os diálogos revelam a insatisfação de alguns militares com a cúpula do Exército por não apoiar o plano de manter o governo Jair Bolsonaro após sua derrota nas eleições.


“Kid Preto, cinco não querem, três querem muito e os outros, zona de conforto. É isso. Infelizmente. E a lição que a gente deu para a esquerda é que o alto comando ele tem que acabar. Se cria um general de cinco estrelas ou se promove, se mexe na promoção dos generais e só se promove nos próximos oito anos só um general quatro estrelas. Como é nos outros exércitos. Aí acaba essa palhaçada de unanimidade, acaba essa porra. Foi essa aula que a gente deu para eles, infelizmente”, escreveu um colega de Mário.


Durante a investigação, a Polícia Federal encontrou documentos essenciais com Fernandes, incluindo o plano denominado "punhal verde amarelo", que previa o envenenamento de Lula e o assassinato de Moraes por meio de explosivos. Também foi descoberta uma minuta de um gabinete de crise que "pacificaria" o país após a ruptura, liderado por aliados próximos de Bolsonaro, como os generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto.


Além disso, com o major Rafael de Oliveira, outro alvo da operação, foram encontrados arquivos e mensagens relacionadas à operação "Copa 2022", que planejava a prisão e execução de Moraes. Embora essa operação tenha sido iniciada, foi abortada na última hora. Com o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, a PF descobriu uma planilha detalhando o golpe, com mais de 200 linhas que descreviam o passo a passo para a ruptura democrática.


Os nomes dos militares envolvidos, direta ou indiretamente, na trama golpista estão organizados na representação da PF em três categorias principais: aqueles que discutiam abertamente sobre o golpe, expressando insatisfação com a demora; os listados como membros do hipotético Gabinete Institucional de Gestão da Crise que seria formado após a ruptura; e os integrantes do Núcleo de Oficiais de Alta Patente com influência.



As mensagens trocadas por Mário Fernandes com seus colegas de farda receberam grande destaque na representação da Operação Contragolpe devido aos detalhes revelados nos diálogos. Uma das conversas ocorreu com o coronel Roberto Criscuoli, que, após o segundo turno, escreveu:


 “Mario, eu tava até conversando agora com o pessoal aqui, cara. Se nós não tomarmos a rédea agora, depois eu acho que vai ser pior. Na realidade vai ser guerra civil agora ou guerra civil depois. Só que a guerra civil agora tem uma justificativa, o povo tá na rua, nós temos aquele apoio maciço. Daqui a pouco nós vamos entrar numa guerra civil, porque daqui a alguns meses esse cara vai destruir o Exército, vai destruir tudo”. Ao Estadão, o coronel negou que tenha participado de planos para assassinar autoridades.


“Então eu acho que essa decisão tem que ser tomada urgente, cara. E o presidente não pode pagar pra ver também, cara. Ele vai destruir o nosso País, cara. Democrata é o cacete. Não tem que ser mais democrata mais agora. Ah, não vou sair das quatro linhas. Acabou o jogo, pô. Não tem mais quatro linhas. O povo na rua tá pedindo, pelo amor de Deus. Vai dar uma guerra civil? Vai dar. Eu tenho certeza que vai dar. Porque os vermelhos vão vir feroz. Mas nós estamos esperando o quê? Dando tempo pra eles se organizarem melhor? Pra guerra ser pior? Irmão, vamos agora. Fala com o 01 aí, cara”, seguiu.




Outro interlocutor frequente do general, identificado pelo tenente-coronel Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator) como um dos mais radicais do governo, é Reginaldo Vieira de Abreu. Foi com ele que Mário expressou suas reclamações sobre o Alto Comando do Exército. Em resposta, Vieira de Abreu afirmou: ”O senhor me desculpe a expressão, mas quatro linhas é o caralho. Quatro linhas da Constituição é o cacete. Nós estamos em guerra, eles estão vencendo, está quase acabando e eles não deram um tiro por incompetência nossa. Incompetência nossa, é isso”.


Reginaldo Vieira de Abreu também solicitou uma reunião com Bolsonaro “só com a rataria” e sem a presença de pessoas “acima da linha ética”. Ele não foi localizado para comentar.


Os diálogos revelam ainda o acesso que Mário tinha a pessoas próximas de Bolsonaro, como o Capitão Sergio Rocha Cordeiro, assessor da Presidência da República, e o coronel Marcelo Câmara, também um aliado de longa data do ex-presidente, ambos já alvos de operações anteriores da PF. Em uma das mensagens, Mário enviou supostas evidências que poderiam impactar decisões estratégicas e mencionou ter conversado com o ministro da Justiça, Anderson Torres, expressando a preocupação de muitos em “jogar a toalha”, ou seja, desistir dos planos golpistas. A PF informou que, aparentemente, essa mensagem não recebeu resposta.


Com Câmara, a quem Mário se referia como Caveira, o general discutiu a coleta de informações para atacar as eleições e a urna eletrônica.  ”Força, Caveira! Ouça esses dois áudios aí. Ah, porra, será que isso já chegou para vocês? Ah, para o presidente? Porra, aquela proposta dele só falar no dia 16 que é... tem amparo legal. Ouça esses dois áudios aí.”, declarou, no início de dezembro.


Cid também era um interlocutor de Mário. No dia em que foi realizada a reunião, com Bolsonaro e os chefes das Forças Armadas, para a apresentação da minuta do golpe que circulava entre bolsonaristas, o militar enviou o seguinte áudio ao hoje delator: “Força, Cid. Cid, acho que você está tendo uma reunião importante aí agora no Alvorada. Pô, mostra esse vídeo pro comandante, cara. Se possível, transmite durante a reunião, porra. Isso é história. E a história é marcada por momentos como esse que nós estamos vivendo agora. Força.”

Trechos da Operação Contragolpe


Em outro áudio, o general relatou a Cid ter conversado pessoalmente com Bolsonaro: “Durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo. Mas, porra, aí na hora eu disse, pô presidente, mas o quanto antes, a gente já perdeu tantas oportunidades”. Cid respondeu que conversaria com o então presidente.


Bolsonaro tem sempre negado qualquer intenção golpista. Sobre a operação desta semana, o ex-presidente não se manifestou até o momento após ser procurado por meio de sua assessoria.


Gabinete Institucional de Gestão da Crise

Vasculhando o celular de Mário Fernandes, a PF encontrou uma minuta de criação de um “Gabinete Institucional de Gestão da Crise” que teoricamente seria ativado em 16 de dezembro de 2022, um dia depois da ação contra o ministro Alexandre de Moraes – que acabou abortada. Segundo o documento, o grupo teria a função de “estabelecer diretrizes estratégicas, de segurança e administrativas para o enfrentamento da crise institucional” – no caso, um golpe de Estado.


A criação do grupo seria fundamentada em um decreto presidencial, e a missão do gabinete consistiria em acompanhar as ações estabelecidas nesse decreto “para analisar assuntos com potencial de risco, visando prevenir e mitigar riscos, além de articular o gerenciamento da crise”. O grupo proporcionaria a Bolsonaro “maior consciência situacional das ações em andamento para apoiar o processo de tomada de decisão”.


A estrutura organizacional proposta para o gabinete chamou a atenção dos investigadores, pois incluía vários nomes de aliados próximos de Bolsonaro, como o general Heleno como chefe do gabinete e o general Braga Netto como coordenador geral. Mário Fernandes seria parte da assessoria estratégica, junto com um coronel.


Além disso, o gabinete contaria com uma assessoria de Comunicação Social, composta por dois coronéis da Polícia Militar do DF, dois coronéis do Exército e dois tenentes-coronéis, incluindo uma mulher. Também estava prevista uma Assessoria de Operações Psicológicas (sem militares designados), uma Assessoria Jurídica e uma Assessoria de Inteligência, que seria formada por três coronéis.


Haveria ainda assessorias parlamentar, com três coronéis; de relações institucionais, com o ex-assessor de Bolsonaro Filipe Martins; de administração; de TI, com um general; e de Segurança de Instalações, com outro general.


A Polícia Federal suspeita que o documento tenha sido impresso no Palácio do Planalto, assim como o ‘Plano Punhal Verde Amarelo’. Os investigadores descobriram que um documento com o mesmo nome foi impresso no Planalto em seis cópias, totalizando 30 páginas. A PF acredita que essas impressões foram entregues em alguma reunião e ressalta que Mário Fernandes visitou Bolsonaro no Alvorada no dia seguinte.


A Polícia Federal identificou uma intensa troca de mensagens entre os militares sob suspeita, incluindo aqueles envolvidos na ação chamada ‘Copa 2022’, que foi lançada em 15 de dezembro de 2022 com o objetivo de prender e executar o ministro Alexandre de Moraes, mas que acabou sendo abortada. Os diálogos foram encontrados no celular do major Rafael de Oliveira, que foi preso na terça-feira, 19, e apontado como um dos principais responsáveis pela ‘Copa 2022’.


Em uma das conversas, ocorrida em setembro de 2023, Oliveira comentou com um coronel que um ‘kid preto’ era alvo da Operação Lesa Pátria, suspeito de ser um dos idealizadores dos atos golpistas de 8 de janeiro. Eles afirmaram que “o mal não recua” e questionaram se haveria “algum contraponto do bem”. “Estamos no alvo”, escreveu Oliveira, o que, segundo a PF, revela a preocupação do major em relação ao avanço das investigações.


Trechos da Operação Contragolpe


Além disso, Rafael compartilhou com outros dois coronéis e o capitão Lucas Garellus uma entrevista em que o ministro Alexandre de Moraes revelou, no início do ano, a descoberta de um plano de prisão e assassinato contra ele. Lucas foi alvo de buscas na Operação Contragolpe, suspeito de ter auxiliado em ações de monitoramento de Moraes. A defesa dele também não foi localizada.


Algumas mensagens foram registradas no grupo de WhatsApp de bolsonaristas chamado ‘Dosssss!!!’. Nele, o major Rodrigo Bezerra Azevedo — que também participou da ação ‘Copa 2022’, segundo a PF — expressou, nos últimos dias de 2022, sua frustração pelo fato de as Forças Armadas não terem aderido ao plano golpista. No dia 30 de dezembro, quando Bolsonaro partiu para os Estados Unidos, ele escreveu: “Rapaziada esse grupo aqui pra mim perdeu a finalidade... deixo aqui um abraço pra FE de verdade que fizeram o que podiam pra honrar o próprio nome e as Forças Especiais...qq coisa estou no privado!!Força!!”


Núcleo de Oficiais de Alta Patente

De acordo com a Polícia Federal, Mário Fernandes — principal alvo da Operação Contragolpe — seria um dos integrantes do Núcleo de Oficiais de Alta Patente, identificado nas investigações sobre a suposta tentativa de golpe gestada durante o governo Jair Bolsonaro. A maioria dos militares mencionados como membros desse grupo foi alvo da Operação Tempus Veritatis, realizada em fevereiro.


Os investigadores afirmam que os integrantes do núcleo, “utilizando-se da alta patente militar que possuíam, agiram para influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação, por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas para a consumação do Golpe de Estado”.


Além de Mário, a PF menciona o almirante Almir Garnier Santos, que foi comandante da Marinha entre abril de 2021 e dezembro de 2022. Segundo o delator Mauro Cid, ele teria colocado suas tropas à disposição de Bolsonaro para iniciar um golpe de Estado após as eleições. Também é citado Laércio Vergilio, coronel da reserva, que trocou mensagens sobre o golpe com Ailton Gonçalves Moraes Barros, um capitão expulso do Exército e preso na investigação sobre fraudes no cartão de vacinação do ex-presidente.


Além desses, são mencionados os generais: Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, que enviou um relatório ao Tribunal Superior Eleitoral levantando suspeitas sobre o pleito, sem apresentar provas; Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e vice na chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022, que recebeu em sua casa uma reunião onde foi aprovado o plano de ação de ‘kids pretos’ contra Moraes (parte de um plano maior para assassinar Lula e Alckmin); e o general Estevam Theóphilo, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército (Coter), que teria concordado com a ideia de um golpe em conversa com o ex-presidente e seria responsável por recrutar os ‘kids pretos’ na ação contra Moraes.


Todos os mencionados em investigações anteriores da PF sempre negaram a prática de crimes.




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