Apesar de ter energia limpa, Brasil sofre para reduzir fontes fósseis
O Brasil se apresentou na COP29 como um modelo de migração para uma matriz elétrica limpa, mas dados da Agência Internacional de Energia (IEA) revelam que, na prática, o país tem feito uma troca entre diferentes fontes limpas, sem redução significativa no uso de combustíveis fósseis, como carvão, gás natural e petróleo.
Em 2023, a participação das fontes poluentes, responsáveis por emissões de carbono, foi de 8,7%, uma leve queda em relação aos 10,8% registrados em 2004. Durante o mesmo período, a participação das hidrelétricas caiu de 82% para 60%. Isso significa que, apesar do discurso e das ações governamentais para melhorar os indicadores ambientais ao longo das últimas duas décadas, o que se observa é uma "dança de cadeiras" entre as fontes limpas, com destaque para o crescimento das usinas solares e eólicas, que saíram de praticamente zero para 20,6% da matriz.
Especialistas em energia argumentam que essa troca entre fontes limpas não tem impacto significativo na redução das emissões de gases poluentes. Para que isso ocorra de forma efetiva, seria mais relevante substituir termelétricas movidas a óleo diesel por usinas que operam com fontes renováveis, independentemente do tipo de fonte. As termelétricas, que são acionadas quando há risco de escassez de energia, operaram intensivamente durante a crise hídrica de 2021, um dos piores períodos de seca da história do país.
Outro desafio apontado por técnicos do Ministério de Minas e Energia são as distorções no sistema elétrico causadas pelo crescimento das usinas solares e eólicas. Ambas as fontes são intermitentes, ou seja, geram energia apenas quando há sol ou vento, o que pode levar a falhas de equilíbrio entre oferta e demanda, causando sobrecargas. Um exemplo disso ocorreu em agosto de 2023, quando um apagão em vários estados foi atribuído ao desempenho inesperado de parques solares e eólicos.
Enquanto isso, a Agência Internacional de Energia observa que alguns países europeus estão reduzindo significativamente a participação das termelétricas em suas matrizes energéticas, embora elas ainda mantenham um papel maior que no Brasil. No Reino Unido, por exemplo, as termelétricas movidas a combustíveis fósseis caíram de 74% para 36%, enquanto solar e eólica aumentaram sua participação de 0,5% para 33,5%. Na Alemanha, as termelétricas reduziram de 61% para 44,6%, e as fontes intermitentes subiram de 4,2% para 38,8%. Na França, as térmicas caíram ligeiramente, de 9,5% para 7,6%, e as fontes renováveis saltaram de 0,1% para 14,2%, enquanto a geração nuclear predominava, com 64% da matriz.
Nos Estados Unidos, a participação das fontes fósseis caiu de 70% para 59%, e a contribuição das fontes solares e eólicas aumentou de 0,3% em 2004 para 14,4% em 2023. Já as hidrelétricas mantiveram sua participação de 7,1% para 5,9%.
A dificuldade em reduzir o uso de combustíveis fósseis também está ligada ao poder das grandes empresas estatais, como a Petrobras, que ainda tem um papel central na economia brasileira, respondendo por 13,5% do PIB. A situação é semelhante em países como a Arábia Saudita, maior exportador de petróleo do mundo, que, apesar de se envolver em negociações climáticas, trabalha para impedir compromissos mais rígidos com a transição energética.
Assim, embora o Brasil apoie políticas de transição energética, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defende a continuidade da exploração de petróleo pela Petrobras, um reflexo da dificuldade de avançar rapidamente para uma matriz energética totalmente limpa, em meio ao gigantismo das empresas do setor de petróleo e gás.