Um ano após lei entrar em vigor, diferença salarial entre homens e mulheres cai apenas 1 ponto
Um ano após entrar em vigor, a lei proposta pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva, em março do ano passado, e implementada em novembro de 2023, que visa a igualdade salarial entre gêneros nas empresas brasileiras, ainda apresenta resultados tímidos e está longe de atingir seu objetivo. Dados do pesquisador do Ibre/FGV, Daniel Duque, a pedido do GLOBO, mostram que, em 2024, as mulheres continuam recebendo, em média, 19% a menos que os homens em cargos e funções semelhantes. No ano passado, a diferença era de 20%.
A análise foi realizada com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do IBGE, comparando os dados do primeiro semestre de 2024 com os do ano anterior. Os resultados indicam que o rendimento médio das mulheres aumentou apenas 1 ponto percentual em relação ao dos homens. A disparidade salarial, em 2024, é de R$ 660, com os homens recebendo, em média, R$ 3.285, enquanto as mulheres ganham R$ 2.620. No setor formal, com carteira assinada, a desigualdade caiu levemente, de 18% para 17% na comparação anual. O aumento mais significativo no salário das mulheres foi observado entre as mais jovens.
De acordo com Duque, as mulheres mais jovens, que geralmente estão em seu primeiro emprego, tendem a encontrar mais facilidade em ingressar no mercado de trabalho com salários mais próximos dos dos homens. No entanto, ele aponta que para as empresas, é mais fácil contratar com paridade salarial do que ajustar os salários internos para alcançar a igualdade.
A lei de igualdade salarial, que exige que empresas com 100 ou mais empregados publiquem relatórios semestrais de transparência salarial e critérios remuneratórios, visa garantir salários iguais para homens e mulheres que ocupam as mesmas funções. Caso o governo identifique disparidades salariais, as empresas devem apresentar um plano de ação com metas e prazos para corrigir a desigualdade.
Duque acredita que, embora a lei tenha o potencial de reduzir a desigualdade salarial nos próximos anos, o setor informal — que representa cerca de 40% das ocupações no Brasil e não é abrangido pela norma — continuará sendo um grande obstáculo.
Para Janaína Feijó, pesquisadora de Economia Aplicada da FGV, ainda é cedo para perceber os efeitos da Lei de Igualdade Salarial, implementada no ano passado. Ela acredita que a redução da desigualdade salarial observada em 2024 pode ser mais atribuída a um ano positivo para o mercado de trabalho do que à norma em si. Com a economia em crescimento, gerando mais vagas de emprego, novas contratações têm ocorrido com salários mais próximos entre homens e mulheres. De acordo com a Pnad Contínua, o Brasil atingiu um recorde de 103 milhões de pessoas ocupadas, o maior contingente já registrado.
Feijó explica que mudanças substanciais não acontecem de um ano para o outro e sugere que a queda na desigualdade salarial seja mais um reflexo da criação de novas oportunidades para as mulheres em 2024, do que resultado direto da lei. No entanto, ela destaca que, mesmo com o aumento de mulheres no mercado de trabalho, muitas delas ocupam funções pouco valorizadas e com salários mais baixos, como vendedoras e prestadoras de serviços no comércio.
Após a implementação da Lei de Igualdade Salarial, o Ministério do Trabalho divulgou dois relatórios de transparência salarial, um em março e outro em setembro de 2024, com dados de 2022 e 2023. Esses relatórios apontaram uma piora na desigualdade salarial, com a diferença de ganhos entre homens e mulheres no mesmo cargo aumentando de 19,4% para 20,7%. As empresas só começaram a ser notificadas pelo governo para justificar as disparidades salariais a partir do segundo relatório, publicado há dois meses.
A Lei de Igualdade Salarial foi uma das promessas de campanha de Lula, apoiada pela então senadora Simone Tebet, hoje ministra do Planejamento. Para Tebet, o foco inicial da ação dos ministérios da Mulher e do Trabalho foi sensibilizar as empresas e trabalhadores sobre a questão. Ela afirma que, embora o aumento de vagas e contratações para mulheres seja positivo, a maioria dos novos empregos ainda está na área de cuidados, e a lei, por si só, não garante a igualdade salarial.
“A Lei de Igualdade Salarial visa fornecer um diagnóstico e garantir a transparência das empresas, o que é inovador, mas ela sozinha não pode garantir a igualdade salarial. Isso depende de políticas públicas mais estruturais e conjuntas”, disse a ministra.
Ana (nome fictício), que descobriu em 2022 que ganhava 30% a menos do que um colega com a mesma função e jornada de trabalho, mesmo com resultados superiores, conta que, após meses de insistência, conseguiu um aumento, mas ainda assim continuava ganhando menos. Mesmo após se tornar referência na empresa, com destaque por treinar outros colegas, ela teve que enfrentar a realidade de continuar recebendo menos do que um homem com o mesmo cargo. "Foi um processo desgastante e muito difícil", afirma Ana.
A CEO da Blue Tree Hotels, Chieko Aoki, destaca que a desigualdade salarial desmotiva os colaboradores e impacta negativamente a produtividade. Para ela, a igualdade salarial entre homens e mulheres deveria ser uma norma natural. "Mulheres com maior poder aquisitivo tendem a consumir mais para si, para suas famílias e para a educação, o que contribui para a economia", diz.
Ana Fontes, fundadora e presidente da Rede Mulher Empreendedora (RME), afirma que muitas mulheres se veem forçadas a empreender devido à falta de valorização no mercado de trabalho. Ela observa que, embora as mulheres ocupem cargos de gerência, elas ainda são minoria nas diretorias das empresas, o que leva a questões como desigualdade salarial e assédio. Em alguns casos, as mulheres se sentem desconfortáveis nesses ambientes e acabam pedindo demissão, além de enfrentarem a difícil realidade da sobrevivência profissional. "Estamos vivendo um bom momento de geração de empregos, mas a qualidade da empregabilidade ainda é uma questão a ser resolvida", conclui.