Carrefour se retrata em carta, após boicote de produtores brasileiros
O Carrefour enfrentou um intenso boicote por parte de produtores brasileiros e, nesta terça-feira, publicou um comunicado de retratação. Isso ocorreu após o CEO do grupo, o francês Alexandre Bompard, declarar que deixaria de adquirir carnes provenientes de países do Mercosul.
“Nossa declaração de apoio ao mundo agrícola francês, feita na última quarta-feira, em relação ao acordo de livre comércio com o Mercosul gerou divergências no Brasil. É nossa responsabilidade nos acalmarmos”, diz o texto.
“Nunca opomos a agricultura francesa à agricultura brasileira, pois os nossos dois países de coração têm, em comum, o amor à terra, a sua cultura e a boa comida”, segue o texto.
Enquanto os agricultores franceses pressionam para que o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia não seja fechado, Bompard se comprometeu, na quarta-feira passada, a “não comercializar nenhuma carne” do bloco que inclui o Brasil. Ele também enviou uma carta ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro.
Nesta segunda-feira, o presidente da Câmara, Arthur Lira, anunciou que o parlamento tomaria medidas contra o protecionismo europeu e exigiu uma retratação do CEO francês.
“Nos incomoda muito o protecionismo europeu, principalmente da França contra o Brasil, que deverá ter por parte do Congresso Nacional, em sua pauta, a lei da reciprocidade econômica entre países. Não é possível que o CEO de um grupo importante como o Carrefour não se retrate de uma declaração de praticamente não contratar as proteínas animais advindas e oriundas da América do Sul”, disse Lira.
O boicote de fornecedores brasileiros de carne às unidades do Carrefour no Brasil causou um grande impacto no fornecimento do grupo, levando a divisão nacional da empresa a pressionar o lado francês por uma reversão na posição. A retratação, no entanto, foi acompanhada de um forte discurso nacionalista.
“Na França, o Carrefour é o principal parceiro da agricultura francesa. Compramos quase exclusivamente a nossa carne francesa e continuaremos a fazê-lo. A decisão do Carrefour França não pretende alterar as regras de um mercado já amplamente estruturado em torno das suas cadeias de abastecimento locais”, diz a rede.
“Do outro lado do Atlântico, compramos quase toda a nossa carne do Brasil e continuaremos a fazê-lo. São os mesmos valores de raiz e parceria que inspiram há 50 anos a nossa relação com o mundo agrícola brasileiro, cujo profissionalismo e apego à terra e à pecuária conhecemos e medimos todos os dias”, segue a carta.
Diante do estrago provocado pela postura do CEO francês da companhia, a carta aborda a crise como um problema de comunicação: “ Lamentamos que a nossa comunicação tenha sido entendida como um questionamento da nossa parceria com a agricultura brasileira e uma crítica a ela. Temos orgulho de ser o primeiro parceiro e promotor histórico da agricultura brasileira”.
O Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, também se uniu aos fornecedores nacionais na tentativa de bloquear as vendas ao Carrefour. Nesta segunda-feira, o ministro expressou estar “feliz” com a decisão dos frigoríficos brasileiros de suspender o fornecimento de produtos ao Carrefour no Brasil. Fávaro classificou as declarações do CEO francês do grupo como “absurdas”.
“O Ministério da Agricultura não aceitará tentativas vãs de manchar ou desmerecer a reconhecida qualidade e segurança dos produtos brasileiros e dos compromissos ambientais brasileiros”, disse o ministério de Fávaro.
O Carrefour tratou do tema em seu comunicado: “Conhecemos melhor do que ninguém os padrões que a carne brasileira atende, sua alta qualidade e seu sabor. Continuaremos a promover os setores agrícolas brasileiros como temos feito no Brasil há quase 50 anos. Através do nosso desenvolvimento, contribuímos para o desenvolvimento dos produtores agrícolas brasileiros, numa lógica que sempre foi a da parceria construtiva. O grupo Carrefour está empenhado em trabalhar, tanto na França como no Brasil, em favor de uma agricultura razoável e próspera, seguindo o rumo do seu propósito, a transição alimentar para todos.”
Veja a carta enviada ao ministro Carlos Fávaro:
“Ao Excelentíssimo Ministro da Agricultura e Pecuária do Brasil, Senhor Carlos Fávaro,
A declaração de apoio do Carrefour França aos produtores agrícolas franceses causou discordâncias no Brasil. Como Diretor-Presidente do Grupo Carrefour e amigo de longa data do país, venho, respeitosamente, esclarecê-la.
O Carrefour é um grupo descentralizado e enraizado em cada país onde está presente, francês na França e brasileiro no Brasil.
Na França, o Carrefour é o primeiro parceiro da agricultura francesa: compramos quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades na França, e assim seguiremos fazendo. A decisão do Carrefour França não teve como objetivo mudar as regras de um mercado amplamente estruturado em suas cadeias de abastecimento locais, que segue as preferências regionais de nossos clientes. Com essa decisão, quisemos assegurar aos agricultores franceses, que atravessam uma grave crise, a perenidade do nosso apoio e das nossas compras locais.
Do outro lado do Atlântico, no Brasil, compramos dos produtores brasileiros quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades, e seguiremos fazendo assim. São os mesmos valores de criar raízes e parceria que inspiram há 50 anos nossa relação com o setor agropecuário brasileiro, cujo profissionalismo, cuidado à terra e produtores conhecemos.
O Grupo Carrefour Brasil é profundamente brasileiro, com mais de 130.000 colaboradores, se desenvolveu e continua se desenvolvendo sob minha presidência em parceria com produtores e fornecedores do Brasil, valorizando o trabalho do setor produtivo e sempre em benefício de nossos clientes. Nos últimos anos, o Grupo Carrefour Brasil acelerou seu desenvolvimento, dobrando tanto o volume de seus investimentos no país quanto suas compras da agricultura brasileira.
Mais amplamente, o Brasil é o país em que o Carrefour mais investiu sob minha presidência, o que confirma nossa ambição e nosso comprometimento com o país. Assim seguiremos prestigiando a produção e os atores locais e fomentando a economia do Brasil.
Sabemos que a agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade, respeito as normas e sabor. Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpas.
O Carrefour está empenhado em trabalhar, na França e no Brasil, em prol de uma agricultura próspera, seguindo nosso propósito pela transição alimentar para todos. Asseguro, Senhor Ministro, nosso compromisso de longo prazo ao lado da agricultura e dos produtores brasileiros.
Aproveito a oportunidade para renovar os protestos de estima e consideração.
Atenciosamente,
Alexandre Bompard
Diretor-Presidente do Grupo Carrefour”