Republicanos atacam universidades nos EUA, Flórida reduz oferta de cursos de ciências sociais e disciplinas obrigatórias são retiradas das grades

Folha de S. Paulo
Republicanos atacam universidades nos EUA, Flórida reduz oferta de cursos de ciências sociais e disciplinas obrigatórias são retiradas das grades Reprodução

Há muitos anos, o professor Jean Muteba Rahier, da Florida International University, decidiu dar um toque especial ao nome de seu curso introdutório sobre antropologia da religião, chamando-o de Mito, Ritual e Misticismo. No entanto, agora Rahier acredita que esse título pode ter sido ousado demais para o contexto do ensino superior na Flórida. Sua aula foi identificada por curadores da universidade como contendo "conteúdo não comprovado, especulativo ou exploratório", levando à sua remoção de um conjunto obrigatório de disciplinas que os alunos precisam escolher para se graduar.


O corte de aulas obrigatórias em todo o estado, frequentemente baseado em nomes e descrições de cursos, tem como objetivo atender a uma lei estadual aprovada no ano passado que limita a "política identitária" no currículo. Essa legislação também proíbe disciplinas obrigatórias que "distorçam eventos históricos significativos" ou que apresentem teorias que afirmem que "racismo sistêmico, machismo, opressão e privilégio são inerentes às instituições dos Estados Unidos".


A Flórida se tornou um campo de testes para diversas políticas conservadoras que buscam restringir ou eliminar o que os republicanos chamam de doutrinação woke nas escolas e universidades do estado. Críticos, incluindo professores e alunos, argumentam que isso viola a autonomia acadêmica e pode diminuir a exposição dos estudantes a cursos considerados essenciais para uma educação completa. Em vez de regular o que um professor pode ou não dizer — uma abordagem legalmente questionável — a nova estratégia foca na remoção de cursos inteiros.


O monitoramento do estado sobre os currículos nas universidades públicas pode servir como um modelo para os esforços republicanos em outros estados, especialmente com a expectativa do retorno ao poder do presidente eleito Donald Trump, que prometeu "recuperar nossas instituições educacionais da esquerda radical".


Em diversas localidades, legisladores têm direcionado sua atenção para os currículos universitários. O Senado de Wyoming aprovou este ano um projeto de lei, que foi rejeitado pela Câmara, visando cortar verbas para programas de estudos de gênero na Universidade de Wyoming. Na Texas A&M University, o conselho diretor instruiu o presidente a eliminar programas considerados "de baixa produção", incluindo um curso sobre sexualidades LGBTQIA+. Na Universidade do Norte do Texas, administradores removeram termos como "raça" e "gênero" de alguns títulos de cursos, uma ação que alguns professores acreditam ter sido uma resposta a uma lei estadual que proíbe escritórios de diversidade, equidade e inclusão nos campi.


Na Florida International University, 22 cursos foram identificados para remoção, com foco predominante em ciências sociais, incluindo Introdução à Ásia Oriental, Comunicação Intercultural/Interracial e Trabalho e Globalização. Mais de duas dúzias de outros cursos também atualizaram suas descrições para atender às exigências da nova lei. Esforços semelhantes — embora o número exato de cursos afetados ainda não esteja claro — têm ocorrido nas universidades públicas do estado.


Ray Rodrigues, chanceler do Sistema Universitário Estadual da Flórida, afirmou que o processo é dinâmico e não será concluído até que o conselho encarregado de supervisionar as 12 instituições se reúna em janeiro.


"Quando o estado começa a regular o que podemos ensinar no nível universitário", disse Katie Rainwater, cuja aula, Sociologia de Gênero, está marcada para remoção do currículo obrigatório, "então temos que questionar se a universidade pode cumprir sua função social, que é ser um lugar de livre investigação".


Em uma entrevista, Rodrigues, que é aliado do governador Ron DeSantis, desconsiderou as preocupações sobre liberdade acadêmica e autonomia levantadas por membros do corpo docente, afirmando que o esforço não determina o que um professor deve ensinar em sala de aula.


"Somos um mercado de ideias", disse ele. "É isso que uma universidade é. Mas o gerente que administra o mercado determina onde dentro do mercado as ideias serão abrigadas."


Rodrigues disse que queria tornar a educação geral "ampla e fundamental" e mais padronizada em todo o estado, e que fazer isso tornaria a transferência de créditos para estudantes vindos das faculdades comunitárias do estado mais tranquila.


Mas Rodrigues também disse que a Flórida estava tentando abordar uma preocupação do público de que o ensino superior era "mais sobre doutrinação do que educação", citando uma pesquisa Gallup que descobriu que a confiança dos americanos no ensino superior despencou nos últimos anos.


Os professores afirmaram que não foram consultados nas decisões, alegando que o processo tradicional para mudanças curriculares foi desrespeitado, embora os funcionários da universidade neguem essa acusação.


Os cursos ainda poderão ser oferecidos como eletivas, mas os professores temem que a matrícula caia drasticamente, o que poderia afetar financeiramente os departamentos que os oferecem.


"Eles estão sufocando a matrícula de graduação em nossos cursos", disse Rainwater. "A preocupação é que eles então possam retirar programas inteiros e justificá-lo dizendo que os cursos não estão lotando."


Alguns dos esforços conservadores enfrentaram problemas legais. Na Flórida, um juiz federal declarou inconstitucionais partes da lei "Stop WOKE" do estado, que proibia escolas de ensinar coisas que pudessem fazer os alunos se sentirem desconfortáveis sobre um evento histórico por causa de sua raça.


Tania Cepero López, líder sindical do corpo docente, não se encaixa no estereótipo de uma professora universitária de esquerda. Instrutora de inglês na Florida International University, ela já votou em republicanos e é casada com um conservador.


Ela afirmou que não alterou nada em suas aulas, mas conhece muitos colegas que modificaram descrições de cursos e planos de aula para evitar atrair atenção indesejada. Nos últimos anos, assistiu com horror à mesma interferência governamental na educação nos Estados Unidos que presenciou em Cuba, seu país natal.


"Essas decisões estão vindo do estado, de pessoas que não estão ensinando, que não estão nas salas de aula, que não sabem quem são nossos alunos", disse ela. "É assim que a doutrinação acontece. É assim que a censura acontece."






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