Governo é avisado da irritação do Congresso com decisão de Dino sobre emendas e tenta contornar impacto no pacote de Haddad
O Palácio do Planalto foi avisado do incômodo do Congresso com a decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), liberando as emendas parlamentares com a imposição de regras mais rígidas do que as aprovadas por deputados e senadores e tenta contornar possíveis impactos na tramitação do pacote de contenção de gastos anunciado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).
Já há oito votos no plenário virtual para manter a decisão de Dino — a sessão termina no fim da noite de hoje. Líderes da base do governo definiram o clima como “péssimo” e há um temor de que esse sentimento prejudique a tramitação do pacote, que inclui uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e projetos de lei.
No grupo de WhatsApp do União Brasil, diversos parlamentares iniciaram o dia reclamando da ação dos ministros da Corte.
Além disso, a decisão do STF provocou mais irritação entre os congressistas do “baixo clero”, que acreditam terem ficado de fora de um acordo feito entre a cúpula do Congresso e o Executivo.
Outras frentes de possível reação contra o Supremo, como o avanço do “pacote-STF”, são descartadas por falta de tempo hábil com a proximidade do fim do ano
Na semana passada, os ministros das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e da Fazenda, Fernando Haddad, se reuniram com líderes do Congresso para tratar sobre a PEC dos gastos e pedir celeridade com sua aprovação. Quando estiveram no Senado, líderes pediram em troca a mesma celeridade do governo em relação à execução das emendas parlamentares após a suposta liberação do STF —até a semana passada, o sentimento era o de que a Corte não colocaria mais empecilhos para isso.
—Houve um acordo, o presidente fez, assinou o acordo, refletindo a conversa entre os Poderes.Na hora em que chegou lá (Supremo), ele (Dino) consertou e botou mais uma mudança, que também não estava. Estamos nesse meio de caminho. Vai resolver, todo mundo tem juízo. Cada um fez o que lhe é de direito, mas o acordo obriga todo mundo a sentar e chegar lá— afirmou o senador Jaques Wagner (PT-BA).
De acordo com o despacho da Corte, as emendas de comissão e os restos a pagar das antigas emendas de relator (que compunham o orçamento secreto) só podem ser executadas caso o solicitante seja identificado nominalmente no Portal da Transparência.
Além disso, o trâmite deve constar em outro site, o Transferegov.
O texto aprovado no Congresso não exige identificação nominal dos autores das emendas de comissão e de bancada, determinando apenas registro em ata da indicação do grupo. No caso das emendas de comissão, a lei só permite indicação por líderes partidários, mas o ministro considerou que eles não têm um “monopólio” e estabeleceu que qualquer parlamentar pode fazer isso.
Para as transferências especiais, chamadas de “emendas Pix”, Dino condicionou o pagamento à apresentação prévia de um plano de trabalho, contendo objeto e prazos para a obra que será contemplada pelos recursos. Esse detalhamento, segundo a decisão, terá de ser aprovado pelo governo federal. No caso das emendas desse tipo que já foram enviadas, foi estabelecido um prazo de 60 dias para apresentação das novas informações.
O projeto aprovado pelo Congresso já impunha mais condições para a destinação dessa modalidade.
Antes, os recursos eram enviados diretamente para as contas de prefeituras e governos estaduais, que podem gastá-los como bem entender, sem vinculá-los a alguma obra. A proposta aprovada prevê que o autor da emenda deverá informar o objeto e o valor da transferência quando da indicação do ente beneficiado, com destinação preferencial para obras inacabadas — depois, Dino adicionou novas condicionantes.
O ministro do STF também fez críticas aos argumentos apresentados pelo Congresso. Segundo ele, caso a alegação de que não é possível identificar a tramitação completa de parte das emendas já pagas seja confirmada, “bilhões de reais” do Orçamento tiveram “origem e destino incertos e não sabidos”.
Crescimento das emendas
O ministro também restringiu o reajuste ao estabelecer um teto para o crescimento do valor das emendas.
Foram definidas três balizas:
- as despesas discricionárias do Executivo,
- o limite de crescimento do arcabouço fiscal
- ou a variação da receita corrente líquida (RCL).
A verba para os parlamentares não poderá crescer mais do que esses três índices — o limite será calculado a cada ano, a partir de qual dos índices for menor.
Para Dino, o limite precisa ocorrer porque “quaisquer regras, restrições ou impedimentos às programações orçamentárias discricionárias do Poder Executivo são aplicáveis ao conjunto das emendas parlamentares”.
Essa regra, no entanto, é temporária e vale apenas até o STF analisar uma ação de inconstitucionalidade apresentada pelo PSOL, que pede para as emendas não serem mais impositivas (ou seja, de execução obrigatória).
O magistrado criticou o aumento do valor das emendas e disse que “nenhuma despesa no Brasil teve similar trajetória em desfavor da responsabilidade fiscal”.