PF encontra 'conta de propina' com assessor de desembargador que havia sido afastado por suspeitas de vendas de sentenças

Folha de S. Paulo
PF encontra 'conta de propina' com assessor de desembargador que havia sido afastado por suspeitas de vendas de sentenças O desembargador Sebastião de Moraes Filho. Foto: TJMT/Reprodução

Durante as investigações da Operação Sisamnes, a Polícia Federal descobriu conversas entre um lobista de sentenças e um assessor de um desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que indicam possíveis pagamentos de propinas. Em uma das mensagens, o advogado Rodrigo Vechiato da Silveira, assessor do desembargador Sebastião de Moraes Filho — que foi afastado sob suspeita de comercializar decisões judiciais — faz um cálculo: “60 chefe – 20 menino – 42 imposto. Sobra 127 pra gente”. Os investigadores acreditam que essa mensagem se refere a um esquema de corrupção.


Moraes Filho é um dos alvos da Operação Sisamnes, que foi iniciada no dia 26, visando o lobista de sentenças Andreson Gonçalves, que foi preso por ordem do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF).


Quando foi afastado de suas funções em agosto, Moraes Filho reagiu de forma contundente, afirmando que “nunca teve sua ficha funcional maculada em quase 40 anos de carreira”. O Estadão está tentando entrar em contato com Rodrigo Vechiato e mantém o espaço aberto para sua manifestação.


Andreson é considerado o líder de um “verdadeiro e ousado comércio” de sentenças, que teria se infiltrado em gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ).


Rodrigo Vechiato também foi um dos alvos da operação: sua residência foi revistada por policiais federais. Atualmente, ele está sob monitoramento eletrônico com tornozeleira, teve seu passaporte confiscado, está proibido de entrar em prédios do Judiciário e teve bens bloqueados no valor de até R$ 500 mil.


O diálogo que chamou a atenção da Polícia Federal e motivou a abertura da Operação Sisamnes ocorreu entre Vechiato e o advogado Roberto Zampieri. Considerado um “lobista dos tribunais”, Zampieri foi assassinado a tiros em dezembro do ano passado, em frente ao seu escritório em Cuiabá.


A Polícia Civil de Mato Grosso suspeita que a atuação do advogado em um processo que questionava a "amizade íntima" entre Zampieri e o desembargador Moraes Filho possa ter sido o motivo da execução.


A partir do celular de Zampieri, os investigadores encontraram mensagens que preocupam os Tribunais de Justiça de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, além do Superior Tribunal de Justiça. Zampieri trabalhava em parceria com Andreson, a quem se referia como "rapaz de Brasília". As mensagens indicam que ambos tentavam influenciar assessores de ministros do STJ em busca de decisões favoráveis na Corte superior.


As conversas entre Zampieri e Vechiato foram incorporadas a uma das linhas de investigação da Operação Sisamnes. De acordo com os investigadores, os diálogos entre os dois, ocorridos entre dezembro de 2021 e fevereiro de 2023, têm como foco o pagamento de vantagens econômicas indevidas, apresentando vários indícios de supostos pagamentos de propinas que também beneficiariam o desembargador Sebastião.


Entre as conversas resgatadas pela PF, o ministro Cristiano Zanin da Operação Sisamnes, deu destaque para alguns:


Roberto Zampieri: Você tem ideia do valor que vai vir p [sic] mim? Não entendi, p [sic] vai ser 40 mil? Isso? Rodrigo (Vechiato), deixa eu ver outra situação, com o chefe está resolvido. Mas esse valor não manda não. Deixa quieto.


Rodrigo Vechiato: 60 chefe – 20 menino – 42 imposto. Sobra 127 pra gente.


Roberto Zampieri: Essa vou fazer p [sic] você pela amizade não precisa pagar nada não.


Rodrigo Vechiato: Não Não... se você quiser me dar uma participação do seu aceito kkkk, mas é justo passar. Vou te passar 100 sexta. 60 (aprox. 10 mil dólares) + 40. Acabaram de cumprir lá.


Roberto Zampieri: Boa tarde. Cumprir a decisão do TJ, isso?.


Rodrigo Vechiato: Isso.


Rodrigo Vechiato: Boa tarde Dr... Feliz Natal e um Próspero Ano Novo, que venha um ciclo de muito trabalho e realizações nesse 2022. Sexta superei os limites de transferência, mas deu tudo certo. Conte comigo e não esqueça aqui desse seu novo colega de profissão, temos grande empreitada juntos ainda acontecendo e que virão.


Rodrigo Vechiato: Bom dia Dr. Vê [sic] se consegue resolver pra mim essa questão do nosso amigo hoje, não aguento mais ele me pedindo.


Roberto Zampieri: Boa tarde. Tudo bem? Passe p [sic] os dados da sua conta, por favor.


Rodrigo Vechiato: Boa tarde.


Roberto Zampieri: Vou passar o valor do Rapaz/Rafa.


Rodrigo: uhn.. ah tá [sic]. Não esquece de mim Dr. Se não der, só me avisa que já falo la tb [sic], pq o rapaz fica me perguntando.


Roberto Zampieri: Bom dia. Obrigado. Vou te passar um agravo da Monte Alegre que vai ser distribuído hoje. A Juíza da Barra está descumprindo a decisão do Des. E se não liberar o Alvará p [sic] levantar os valores depositados, ainda mais agora nesse momento do plantio, s [sic] empresa não planta e QUEBRA. Eu conversei cedo com o Des. eu fui na casa dele. Ele disse que pode falar com o Rafael, disse que vai deferir. Outra coisa, aquele saldo sei [sic] vai hoje.


Roberto Zampieri: Bom dia. Tudo bem? Passe p [sic] mim os dados da conta p [sic] eu passar aqueles 50 mil do rapaz.


Roberto Zampieri: Boa tarde Rodrigo, tudo bem? Eu estive com o Des hoje, e ele me disse que iria pedir p retirar de pauta esse recurso acima. Pedi p [sic] ele ver se reavalia a decisão dele. Você teria como confirmar com o rapaz se foi solicitado isso mesmo? Obrigado.


Rodrigo: Pediu e vai sair.


A Polícia Federal relata que, de acordo com os diálogos, Zampieri contatou Vechiato em março de 2021 para intermediar o julgamento de um processo que estava sob a responsabilidade do desembargador Moraes Filho.


Os investigadores observam que as mensagens sugerem um possível acerto prévio entre o lobista dos tribunais e o desembargador, mas, por alguma razão, apesar da suposta combinação, o recurso de Zampieri não foi aceito.


Nas conversas, Rodrigo Vechiato orienta Zampieri a preparar um novo recurso e se oferece para “organizar” a decisão. Em seguida, Zampieri menciona a Vechiato sobre os “honorários” relacionados ao caso.


Segundo a PF, o termo é utilizado para se referir a “contratos com clientes que buscam interferências judiciais” junto aos desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso.


Dias depois, Zampieri voltou a se comunicar com Vechiato, informando que já havia elaborado o novo recurso. Ele também mencionou que havia “conversado com o chefe” — como se referia ao desembargador — que “disse que iria reconsiderar a decisão”.


Rodrigo Vechiato: Bom dia. Conseguiu fazer o agravo interno?


Roberto Zampieri: Sim, daqui a pouco te passo aí. Ontem eu conversei com o chefe, ele disse que vai reconsiderar, mas quero que você pilote isso p mim com o Rafinha. Pode ser?.


O "Rafinha" mencionado nesse diálogo seria, segundo a Polícia Federal, Rafael Macedo Martins, outro assessor do desembargador, responsável pela elaboração de minutas de votos.


Ainda conforme os investigadores, Zampieri e Vechiato se referiam a Rafinha como "amigo", "rapaz" ou "menino". A PF acredita que os diálogos entre o lobista e Vechiato sugerem que propinas também poderiam ter sido pagas a Rafinha.




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