Prefeitos prometem lidar com chuvas, mas ignoram outras consequências climáticas; especialistas veem 'erro de percepção'
Uma análise nos planos de governo dos prefeitos que recém-iniciaram mandatos nas 26 capitais aponta que as gestões devem dar mais prioridade, durante os próximos quatro anos, aos efeitos das chuvas do que ao enfrentamento de outras consequências das mudanças climáticas — uma postura que especialistas ouvidos pelo GLOBO avaliam como "um erro de percepção de risco".
As propostas, elaboradas ainda em campanha, indicam que o empenho direcionado à prevenção das enchentes tende a ser superior ao controle de queimadas e ondas de calor, por exemplo. O problema dos temporais é mencionado nominalmente — chuva ou chuvas — em 17 dos 26 planos de governo, além de ser tratado de maneira transversal, ao serem citadas as ocorrências de enchentes, em outros quatro. Já o planejamento de obras ligadas ao tema consta nas propostas de 21 prefeitos, sendo a drenagem a opção escolhida pelos gestores das capitais mais afetadas por esse fenômeno no ano passado.
Em Porto Alegre, por exemplo, Sebastião Melo (MDB) foi reeleito com a promessa de dar continuidade ao Plano de Reconstrução da capital, após a tragédia das enchentes, em maio de 2024. Entre os pontos propostos estão a destinação de R$ 510 milhões para a reconstrução de sistemas de drenagem hídrica, que apresentou falhas no passado, além de melhoras para o sistema de monitoramento meteorológico.
Já em São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que enfrentou os efeitos de uma tempestade em sua campanha de segundo turno, citou soluções voltadas para a drenagem. No plano de governo, elaborado para o registro de sua candidatura, não são citados o aporte financeiro que seria destinado ou a realização de projetos específicos para o combate das enchentes, para além da construção de parques e corredores verdes.
Para a diretora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Regina Alvalá, investimentos em obras de infraestrutura para conter as enchentes são importantes, mas não são suficientes para o combate do problema.
— Existe muito mais que pode ser feito ao pensarmos sobre ações que não envolvem obras públicas, mas que envolvem também a mobilização da sociedade civil. A população precisa se sentir participante e fazer a sua própria salvaguarda — afirma ela, ao citar medidas como limpeza dos bueiros e evitar jogar lixo em locais inadequados, que podem ser estimuladas pelas prefeituras.
Por outro lado, soluções para o combate de queimadas são discutidas em somente três dos 26 planos de governos analisados. O tema é mencionado especificamente por apenas prefeitos reeleitos, todos da região Norte — Eduardo Siqueira Campos (Podemos), de Palmas (TO); David Almeida (Avante), de Manaus (AM); e Tião Bocalom (PL), de Rio Branco (AC).
Entre as propostas, estão a cooperação em comitês estaduais para o combate de incêndios e o estímulo à educação ambiental.
Contudo, o assunto não é mencionado, por exemplo, pelos eleitos nas capitais de estados como Mato Grosso, Pará e Roraima, que reúnem aproximadamente metade da área total queimada em todo o país no ano passado.
Um terceiro tema ligado às mudanças climáticas, mas também pouco mencionado, é a ocorrência de ondas de calor, citadas como um problema a ser combatido por apenas cinco dos 26 prefeitos.
São eles: Adriane Lopes (PP), em Campo Grande (MS); Bruno Reis (União), em Salvador (BA); Eduardo Pimentel (PSD), em Curitiba (PR); Eduardo Siqueira Campos, em Palmas; e Sebastião Melo, em Porto Alegre.
Além disso, mesmo quando o assunto aparece, ele é um dos tópicos listados, sem maiores detalhamentos, em planos e diretórios que abrangem resiliência climática e que incluem também, por exemplo, o enfrentamento de ciclones tropicais e a seca.
O metereologista Humberto Barbosa, do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite (Lapis), avalia que a diferença no tratamento desse assunto em relação à temática das chuvas pode ser explicada por "percepções erradas em relação ao risco":
— Ao contrário das enchentes, em que existe uma cultura mais imediatista e emergencial de contenção das águas, as ondas de calor não vistas assim.
Como as secas, nós só percebemos a presença delas depois que elas passaram, também por uma cultura de que "vivemos em um país tropical, onde o clima é sempre quente".
A mesma percepção é compartilhada pelo pesquisador Paulo Artaxo, professor da USP e integrante do Painel de Mudanças Climáticas (IPCC), que destaca que "pouquíssimas prefeituras têm sistemas de Defesa Civil adequados para lidar com a gravidade de problemas que vão além das chuvas":
— Quando ocorrem as enchentes, os estragos são muito mais visíveis. Já quando as pessoas ficam internadas no hospital, com problemas cardíacos, com problemas respiratórios por conta das ondas de calor, isso é muito mais difícil de visualizar.
Menções ao termo 'chuva' ou 'chuvas'
Adriane Lopes (PP) - Campo Grande
Arthur Henrique (MDB) - Boa Vista
Bruno Reis (União) - Salvador
Dr. Furlan (MDB) - Macapá
David Almeida (Avante) - Manaus
Emília Correa (PL) - Aracaju
Evandro Leitão (PT) - Fortaleza
Fuad Noman (PSD) - Belo Horizonte
Igor Normando (MDB) - Belém
João Campos (PSB) - Recife
Léo Moraes (Podemos) - Porto Velho
Lorenzo Pazzolini (Republicanos) - Vitória
Paulinho Freire (MDB) - Natal
Ricardo Nunes (MDB) - São Paulo
Sandro Mabel (União) - Goiânia
Topázio Neto (PSD) - Florianópolis
Tião Bocalom (PL) - Boa Vista
Menções ao termo 'enchente' ou 'enchentes' (sem incluir os que também mencionaram 'chuva' ou 'chuvas')
Abílio Brunini (PL) - Cuiabá
Eduardo Paes (PSD) - Rio de Janeiro
Eduardo Pimentel (PSD) - Curitiba
Sebastião Melo (MDB) - Porto Alegre
Menções a 'queimadas', 'fogo' ou 'incêndios'
Eduardo Siqueira Campos (Podemos) - Palmas
David Almeida (Avante) - Manaus
Tião Bocalom (PL) - Rio Branco
Menções a 'ondas de calor'
Adriane Lopes (PP) - Campo Grande
Bruno Reis (União) - Salvador
Eduardo Pimentel (PSD) - Curitiba
Eduardo Siqueira Campos (Podemos) - Palmas
Sebastião Melo (MDB) - Porto Alegre