Política migratória de Trump aterroriza brasileiros legalizados nos EUA

BBC News
Política migratória de Trump aterroriza brasileiros legalizados nos EUA Reprodução

A caixa de mensagens do influenciador mineiro Junior Pena, que é bastante conhecido entre a comunidade de imigrantes brasileiros nos Estados Unidos, tem recebido muitos relatos de famílias que estão vivendo com medo no país na última semana.

Essas pessoas mudaram suas rotinas, começaram a evitar sair de casa e até estão considerando retornar ao Brasil o mais rápido possível, em razão das notícias sobre a repressão do presidente Donald Trump a imigrantes sem documentos. Pena, que possui mais de 1 milhão de seguidores no TikTok e reside nos EUA há 15 anos, compartilha essas preocupações.

As promessas de endurecimento nas políticas de deportação e os anúncios de operações para prender imigrantes sem documentos já estão gerando impacto em locais frequentados pela comunidade brasileira, como mercados e igrejas evangélicas, conforme relatos obtidos pela BBC News Brasil.

"Os cultos estão bem mais vazios, as pessoas estão com medo até de ir para a Igreja", diz Fernanda, estudante brasileira que uma das cidades americanas que mais concentram brasileiros.

Desde que assumiu a presidência em 20 de janeiro, Trump implementou diversas ordens executivas relacionadas à imigração, iniciando um amplo esforço de repressão a imigrantes indocumentados nos Estados Unidos.

Em mais de 21 ações, Trump buscou reformular aspectos do sistema de imigração americano, alterando a forma como os migrantes são processados e deportados.

Dentre as novas diretrizes, destaca-se a autorização para a detenção de imigrantes em locais como igrejas, escolas e clínicas. Além disso, agentes de órgãos como o Departamento Antidrogas e os Marshals, que são responsáveis pela busca de foragidos, receberam instruções para também realizar a detenção de imigrantes irregulares.

Em entrevistas com a mídia, representantes do governo dos Estados Unidos e a Casa Branca afirmaram que as operações têm como alvo imigrantes "criminosos" que colocam em risco "a segurança pública e a segurança nacional".

Entretanto, o que tem gerado preocupação na comunidade brasileira são os relatos de indivíduos que, embora não tenham cometido crimes nos EUA, foram presos de qualquer forma.

Na quinta-feira, por exemplo, o prefeito de Newark (Nova Jersey), Ras Baraka, que é democrata, declarou em um comunicado que agentes do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE) "invadiram um estabelecimento local... prendendo residentes sem documentos, assim como cidadãos, sem apresentar um mandado."

A CBS News, que é parceira da BBC nos EUA, noticiou o caso de uma mulher venezuelana que foi detida durante uma operação em Miami. Ela estava em processo de obtenção da cidadania, com uma audiência já agendada, conforme informou seu marido.

Nesta terça-feira (28/1), a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, afirmou em sua primeira coletiva de imprensa do novo governo que qualquer pessoa que tenha migrado de forma irregular para os EUA é considerada um "criminoso."

"Se eles violaram as leis da nossa nação, eles são criminosos", disse ela.

Leavitt mencionou que Trump deseja a remoção de todos os imigrantes ilegais, abrangendo desde estupradores e assassinos até aqueles que são migrantes sem documentos e sem antecedentes criminais.

Os brasileiros que foram entrevistados pela BBC News Brasil afirmaram repetidamente que o governo Trump realmente está focado em imigrantes "criminosos", ao contrário dos "trabalhadores", como foi mencionado durante a campanha do candidato republicano.

Entretanto, as mensagens que circulam pelo WhatsApp têm alertado sobre o chamado "dano colateral", um termo utilizado por autoridades americanas para se referir a imigrantes indocumentados, mas sem antecedentes criminais, que acabam sendo detidos junto aos alvos principais dos agentes atualmente, que são aqueles com registros de crimes.

"As pessoas estão bem assustadas e com muito medo. E a gente tenta cuidar, ver com quem está trabalhando, com quem está andando, porque se estiver próximo a alguém que tem problema, vai acabar sendo um dano colateral, né?!", diz Dinorah, moradora da Carolina do Norte que entrou no país com um visto de turismo e nunca mais partiu.

"Eu acredito que eles querem pegar bandidos para deportação. Mas se você estiver no lugar errado na hora errada, vai ser pego", completa Ricardo, brasileiro que é acompanhado por milhares de imigrantes nas redes sociais.

Um brasileiro comentou que a recomendação de advogados com quem falou é evitar frequentar locais com grande concentração de imigrantes e não se relacionar com pessoas cujo histórico ou antecedentes criminais não sejam conhecidos.

"Se você mora numa casa com muitos imigrantes, eles podem ir lá pegar uma pessoa e levar todo mundo que está dentro da residência", diz Ricardo.

Uma semana após a posse de Trump, Rafael*, um brasileiro sem documentos que vive na Flórida, teve reunião com a advogada responsável por sua defesa nos processos de migração na Justiça dos EUA.

"Ela nos disse que não é para ir a supermercado brasileiro, festa de imigrante, evitar qualquer aglomeração, né?!"
A rotina dele atualmente se resume ao deslocamento entre sua casa e os locais de trabalho, que variam.

Evangélico, ele diz que o "medo aumentou" desde a posse de Trump, mas que "seja feita a vontade de Deus".

Nas conversas com a comunidade brasileira, o influenciador Junior Pena também tem falado sobre "andar pisando em ovos".

Alerta que os brasileiros tentem não chamar a atenção, inclusive no trânsito: "Digo para dirigir no limite de velocidade, não furar o sinal vermelho", diz Pena, que além de influenciador, atua na construção civil e vive no país sem documentos.

Apesar de estar nessa condição há 15 anos, Pena afirma que vive uma vida "normal", conseguindo viajar de férias em voos domésticos, obter carteira de motorista e alugar imóveis.

Entretanto, agora, seus planos também sofreram alterações. "Eu tinha viagem marcada para visitar o Alasca, mas não vou mais. Não é o momento para a gente entrar no avião", conta.

A nova fase que os EUA estão atravessando tem impactado até mesmo aqueles que possuem a documentação regularizada.

Fernanda, estudante de teologia e vendedora de comida brasileira em Massachusetts, relata que reduziu a frequência com que vai à igreja.

"A gente nunca sabe o que pode acontecer", reflete a brasileira, que diz ter percebido o templo se esvaziar.

Um pastor brasileiro que atua em Orlando, e que pediu para falar com a BBC News Brasil de forma reservada para não se vincular ao assunto, mencionou que sua igreja "não recomenda nem estimula ninguém a vir aos Estados Unidos sem as devidas autorizações" e que até por isso não oferece auxílio jurídico aos fiéis em situação irregular no país.

"Lógico que causa pânicos nas pessoas, grande parte imigrante sem documento, que não são criminosos nem delinquentes", diz o pastor, que afirma: "Depende do lado que se vê: para o cidadão americano que se viu mais pobre e inseguro, [as deportações] podem parecer 'precaução'. Para os imigrantes indocumentados: tragédia, sem dúvida", afirma.

Terror

O influenciador Junior Pena afirma que a primeira semana de Trump tem sido marcada por "terror psicológico" para a comunidade de imigrantes brasileiros.

A tensão entre as pessoas cresceu após surgirem notícias sobre abusos contra brasileiros em um voo de deportação no último sábado (25/1).

Uma brasileira residente em Massachusetts enviou uma mensagem à BBC News Brasil relatando que está "por um triz de pegar meus filhos e ir embora".

"Ninguém quer passar por aquilo, ficar acorrentando, sofrer no calor, ainda mais com filhos pequenos", opina Pena.

"A gente tem ouvido falar que serão 100 dias de puro terror, que Trump vai mostrar a força que ele tem e fazer o que prometeu, que é a deportação", completa o influenciador.

Ricardo também menciona um prazo semelhante: "Após cerca de 100 dias, a vida começará a retomar uma certa normalidade".

Igor, de Utah, acredita que há um pânico excessivo em relação a essas mudanças na migração. "Ficam o tempo todo no grupo de zap dizendo que o ICE [Serviço de Imigração e Alfândega] está aqui, que o ICE está ali. Bobagem", diz ele.

Outros brasileiros entrevistados pela BBC News Brasil mencionam que os grupos de WhatsApp estão repletos de vídeos de supostas operações policiais destinadas a capturar imigrantes — algo que frequentemente não se confirma.

"Para mim, não mudou nada desde a chegada do Trump, está tudo igual. Aliás, acho até que estou trabalhando mais. E a gente é imigrante e escolheu viver aqui, tem que respeitar as decisões deles", diz o brasileiro Igor, que é ilegal e atualmente tenta regularizar seu status migratório.

As discussões intensas entre diferentes grupos de brasileiros dividem aqueles que sentem medo e aqueles que afirmam que "isso sempre ocorreu", referindo-se aos números de deportações durante o governo democrata de Barack Obama, que foram superiores aos do primeiro mandato de Trump, por exemplo.

"Mas se isso já acontece sem o presidente falar que vai fazer, imagina com um falando que vai", resume Ricardo.




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