Estrangeiros relatam algemas e maus-tratos em repatriação do Brasil
Migrantes de diferentes nacionalidades relataram ter sido algemados ao embarcar em voos de retorno a seus países de origem, além de enfrentarem condições degradantes no aeroporto de Guarulhos (SP). As denúncias constam em 11 relatórios da Defensoria Pública da União (DPU), produzidos entre agosto e dezembro, e revelam um cenário de violações de direitos humanos.
A Defensoria tem monitorado esses casos desde que uma mudança na normativa do Ministério da Justiça passou a impedir que estrangeiros em trânsito aéreo pelo Brasil solicitem refúgio. A medida gerou um aumento no número de repatriações, mas até o momento não há um protocolo oficial para lidar com essa situação, segundo especialistas na área de migração.
Relatos de abusos e insegurança
Os documentos apontam que migrantes de países como Vietnã, Nepal, Índia, Quênia, Paquistão, Camarões e Bangladesh denunciaram práticas abusivas. Alguns relataram que foram enganados por agentes brasileiros, levados sob o pretexto de realizarem procedimentos de refúgio e, inesperadamente, embarcados para fora do país.
"Vários solicitantes de refúgio foram repatriados sem aviso prévio. Alguns foram levados para a aeronave de madrugada e algemados. Outros foram retirados da área de embarque com a justificativa de participarem de entrevistas, mas acabaram sendo enviados de volta sem consentimento", descreve um dos relatórios.
A insegurança entre os migrantes tem se intensificado. Segundo os relatos, muitos têm medo de dormir, receosos de serem deportados repentinamente.
Condições precárias no aeroporto
Os estrangeiros inadmitidos aguardam a repatriação em um espaço do aeroporto de Guarulhos sem infraestrutura adequada. O local possui apenas um banheiro masculino e um feminino, sem chuveiros. Alguns migrantes, incluindo menores de idade, chegam a permanecer por períodos prolongados — um deles teria ficado 85 dias nessa situação.
Além disso, há denúncias de falta de alimentação suficiente, fornecimento limitado de água (apenas uma garrafa por dia) e condições insalubres para descanso, obrigando os estrangeiros a dormirem no chão. Migrantes com sintomas gripais, como tosse e febre, também não receberam atendimento médico adequado.
Governo e companhias aéreas evitam responsabilidades
O Ministério da Justiça declarou que a responsabilidade pela repatriação, incluindo despesas com custódia e cuidados, cabe às companhias aéreas, conforme estabelece a Convenção de Chicago. Já a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) afirmou que o uso de escolta para repatriados é uma decisão da Polícia Federal (PF), sem esclarecer quem arca com os custos.
A PF, por sua vez, negou que o uso de algemas seja uma prática obrigatória, afirmando que ocorre apenas em casos excepcionais, quando há avaliação de risco. No entanto, os relatos apontam um cenário diferente, com denúncias frequentes de coerção e uso de força.
Críticas à falta de protocolo e violações de direitos
O defensor público João Chaves alertou que, cinco meses após a mudança na normativa, a ausência de um protocolo claro para as repatriações tem agravado os problemas. "As companhias aéreas dizem que seguem ordens da PF, enquanto a PF afirma que a responsabilidade é das companhias. No fim, os migrantes são os prejudicados", destacou.
A advogada especialista em direito migratório Ellen Dias também criticou a incoerência do governo brasileiro, que recentemente condenou a deportação de brasileiros pelos EUA, mas mantém práticas similares com estrangeiros. "Há muitos excessos no Brasil que não estão sendo revistos pelas autoridades. Migrantes, especialmente africanos, têm sido algemados sem justificativa. Isso configura uma violação grave dos direitos humanos", afirmou.