Brasileiros recorrem a apps para evitar batidas da polícia migratória
Cidadãos brasileiros e imigrantes de diversas nações estão voltando a usar aplicativos que eram populares durante o primeiro mandato de Donald Trump para evitar a abordagem de agentes de imigração, especialmente após as notícias sobre operações repentinas do ICE (Serviço de Imigração dos Estados Unidos) em locais conhecidos por abrigar estrangeiros em todo o território americano.
O Padlet é uma das ferramentas utilizadas por imigrantes para registrar a presença de agentes do ICE e também para evitá-los. A plataforma permite que os usuários compartilhem, em tempo real, informações sobre a localização desses agentes em um mapa, semelhante ao funcionamento do Waze, que no Brasil também é utilizado para notificar sobre operações policiais.
Entretanto, o Padlet não é a única forma de defesa dos imigrantes nos EUA. Em diversas regiões, há cartazes com números úteis para quem conheça alguém que tenha sido preso em uma batida policial. Associações estão, ainda, planejando desenvolver seus próprios serviços de alerta.
As iniciativas do ICE têm sido utilizadas pelo governo Trump como uma forma de demonstrar que suas políticas estão funcionando. Diariamente, os perfis da Casa Branca nas redes sociais compartilham dados fornecidos pelo órgão americano, incluindo o número de detenções realizadas.
Até agora, ocorreram pelo menos duas grandes operações em cidades como Chicago e Nova York. Kristi Noem, secretária do Departamento de Segurança Interna dos EUA, que supervisiona o ICE, esteve presente em uma dessas ações.
O ICE informou ter apreendido mais de 7.000 indivíduos no total, sendo que a maior parte deles não possui antecedentes criminais. Contudo, o órgão divulga retratos de pessoas que têm registros policiais, detalhando os crimes pelos quais foram condenadas.
Em 2023, foram detenidos 3.356 brasileiros pelo ICE. Desse montante, 319 haviam sido condenados por delitos, 393 enfrentavam acusações criminais, enquanto 2.644, uma porcentagem significativa, foram arrestados por infringir leis de imigração.
O Itamaraty estima que, no ano anterior, havia cerca de 2 milhões de brasileiros nos EUA, sem esclarecer a situação legal desses cidadãos. Dados do ICE mostram que 38 mil brasileiros já tiveram suas ordens de deportação autorizadas pelo governo de Trump.
O advogado Felipe Alexandre, especialista em imigração, acredita que é improvável que os EUA consigam impedir o acesso a serviços e aplicativos que rastreiam a atuação do ICE, uma vez que isso envolve questões de liberdade de expressão.
"É uma liberdade de rede social. As pessoas estão apenas dizendo que tem a presença do ICE, não tem uma informação sensível", diz ele, acrescentando que a comunidade brasileira tem usado bastante a plataforma, por exemplo em lugares como Flórida, Massachusetts e Nova Jersey.
No distrito de Wheaton, em Maryland, próximo à capital federal, a comunidade latina é tão presente que é possível transitar por áreas inteiras sem precisar falar inglês. Nas proximidades da estação de metrô, encontram-se anúncios de dentistas em espanhol e pelo menos três lojas brasileiras. Os relatos da região são diversos. Roberta Rocha, de 43 anos, é proprietária de um tradicional mercado brasileiro no local. Ela, que reside e trabalha na área há 25 anos, percebeu uma queda no número de clientes desde a posse de Trump. "Eu senti que caiu muito o movimento. Os relatos são de que o ICE entra nas lojas procurando as pessoas, então elas têm evitado se expor", afirma.
Rosenildo Silva, um baiano de 53 anos, afirma não perceber alterações em sua rotina nem na de seus companheiros. Ele, que possui uma barbearia em Maryland e reside lá há 17 anos, acredita que Trump está focado na deportação de indivíduos que cometeram crimes, além das questões migratórias. Silva acrescenta que indocumentados que pagam seus impostos em dia não são alvo da nova administração. "Acho que se abusar da hospitalidade, o país tem o direito de mandar a pessoa embora."
Maryland é um estado que abriga uma quantidade significativa de imigrantes e possui políticas destinadas a recebê-los. Em 2022, dados indicavam que, entre seus aproximadamente 6 milhões de habitantes, 16,6% tinham nascido fora dos Estados Unidos. A situação é ainda mais evidente entre os trabalhadores, onde 22% eram imigrantes.