Haddad planeja congelamento de despesas para recuperar credibilidade fiscal do governo
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Após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) descartar novas medidas fiscais, o anúncio de um significativo congelamento de despesas no início do Orçamento deste ano tornou-se a principal estratégia do governo para tentar recuperar a confiança dos investidores na viabilidade das contas públicas. Mesmo antes da votação do Orçamento de 2025, a equipe econômica já está debatendo a estratégia e tem recebido recomendações para iniciar o ano com um controle mais rigoroso, visando atingir o centro da meta de déficit zero — contrariamente ao que aconteceu no ano anterior.
Integrantes da JEO (Junta de Execução Orçamentária), que inclui os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil), Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e Esther Dweck (Gestão e Inovação), estão preocupados em enviar sinais que ajudem a reduzir o valor do dólar, de acordo com fontes consultadas pela Folha.
Especialistas em finanças públicas destacam que o grande desafio para Haddad será conseguir apoio político para implementar um congelamento de despesas que transmita uma mensagem forte, uma vez que o pacote de medidas de contenção de gastos foi considerado inadequado.
Nesse contexto, a abertura de espaço adicional para despesas, conforme estipulado pela lei do arcabouço fiscal, tornou-se uma peça chave na gestão orçamentária. A aceleração da inflação no final de 2024 permitirá ao governo um aumento extra de R$ 12,44 bilhões no limite de gastos, que poderá ser utilizado ao longo de 2025.
O desafio está na utilização do espaço orçamentário extra, que depende de receitas suficientes para atingir a meta fiscal de déficit zero. Caso o governo decida realizar um contingenciamento de despesas no início do ano para cumprir essa meta, alegando falta de receitas, não será possível criar esse crédito orçamentário.
A liberação do crédito poderá ocorrer posteriormente, variando conforme a avaliação do resultado primário das contas do governo, de acordo com um participante das reuniões do grupo de ministros. Em 2024, durante um ano de eleições municipais, o governo decidiu não se fixar estritamente na meta fiscal e optou por cortar despesas no segundo semestre. Agora, a abordagem precisará ser alterada para apoiar o trabalho do Banco Central na contenção da inflação e evitar um ciclo prolongado de aumento de juros, conforme reconhece um dos ministros de Lula.
Haddad já indicou em suas declarações recentes que ajustará a gestão do orçamento com base na desaceleração do crescimento econômico. Além da necessidade de incluir despesas que foram excluídas do orçamento, há incertezas quanto ao risco de arrecadação abaixo do esperado em um cenário de desaceleração econômica impulsionada pela alta dos juros. Algumas receitas que contribuíram para melhorar o caixa em 2024 podem não se repetir neste ano. Além disso, Haddad ainda não obteve sucesso na aprovação no Congresso de um projeto que visava arrecadar R$ 21 bilhões a mais neste ano, através do aumento da tributação sobre as empresas, e as medidas para compensar a desoneração da folha de salários estão abaixo das expectativas.
"O que o ministro Haddad tinha para fazer de medidas, ele tentou. Agora no segundo tempo do jogo [do mandato presidencial] é muito mais complicado você conseguir aprovar coisas relevantes", diz Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena.
Para ele, a gestão tradicional do orçamento, incluindo o contingenciamento e o bloqueio de despesas, ganhará maior relevância neste ano como uma ferramenta para que Haddad consiga apresentar um resultado fiscal aceitável. Em um relatório recente sobre política fiscal, Salto e sua equipe estimam a necessidade de um contingenciamento de R$ 35 bilhões.
Um corte dessa magnitude faria com que as despesas discricionárias (custeio e investimentos) atingissem um valor nominal semelhante ao registrado em 2023 e 2024, superando os níveis observados entre 2020 e 2022, durante o governo Bolsonaro. A avaliação é de que uma contenção dessa proporção não prejudicaria o funcionamento da máquina pública.
Além disso, Salto destaca que um corte de R$ 35 bilhões estaria em conformidade com a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), que estipula que o congelamento deve respeitar a regra de crescimento real de 0,6% das despesas, o piso do arcabouço fiscal. Para atender a LDO, o corte máximo permitido seria de R$ 41,7 bilhões.
Enquanto a peça legislativa não é aprovada, o governo está executando o orçamento com base na chamada regra do duodécimo (1/12 avos) mensal para custear a máquina pública. No entanto, há a possibilidade de um aperto maior nas despesas, elevando esse valor para 1/18 avos. Técnicos da área econômica afirmam que, na prática, alguns ministérios já estão operando com 1/24 avos, o que representa um corte ainda mais rigoroso.
A JEO, por sua vez, está analisando a situação e considerando a edição de um novo decreto para assegurar uma execução das despesas ainda menor no início do ano.
Para Bráulio Borges, economista-sênior da LCA Intelligence e pesquisador-associado do FGV/Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), o contingenciamento será fundamental para a reconstrução da credibilidade fiscal. "Não há dúvida que ela está no chão, abalada", diz.
De acordo com ele, o contingenciamento e o bloqueio são os principais eventos fiscais que podem influenciar as expectativas no início deste ano. Na sua análise, uma estimativa inicial seria a necessidade de R$ 30 bilhões em contingenciamento, considerando apenas a receita. Ele enfatiza que a regulamentação das medidas do pacote será crucial para ajustar o necessário para o equilíbrio fiscal neste ano.
O novo arcabouço fiscal estabelece que o governo deve seguir duas regras: um limite de gastos e uma meta de resultado primário, que é a diferença entre receitas e despesas, excluindo o serviço da dívida pública. Ao longo do ano, conforme as projeções para a atividade econômica, inflação ou as necessidades dos ministérios em relação às despesas obrigatórias mudam, o governo pode precisar fazer ajustes para garantir o cumprimento dessas duas regras.
Se houver um aumento nas despesas obrigatórias, o governo deve bloquear as despesas discricionárias para assegurar que haja espaço suficiente no orçamento para cumprir todas as obrigações. Por outro lado, se as estimativas indicarem uma perda de arrecadação, o contingenciamento é o instrumento apropriado. Na prática, no entanto, ambos resultam no congelamento de recursos destinados aos ministérios.
O governo opera dentro de um limite de despesas, que é dividido entre gastos obrigatórios (como benefícios previdenciários, salários do funcionalismo e pisos de Saúde e Educação) e discricionários (investimentos e custeio de atividades administrativas). Quando a projeção de uma despesa obrigatória aumenta, é necessário realizar um bloqueio nas despesas discricionárias para garantir que todas as obrigações possam ser cumpridas.
O governo define uma meta fiscal que indica se há um compromisso de arrecadar mais do que gastar (superávit) ou se as despesas excederão as receitas (déficit). Neste ano, a meta estipulada é de equilíbrio entre receitas e despesas. Como as despesas não podem ultrapassar o limite, o principal risco para o cumprimento da meta vem das flutuações na arrecadação. Se as projeções indicarem uma receita inferior, o governo pode compensar essa diferença com outras medidas fundamentadas ou aplicar um contingenciamento sobre as despesas.
Por fim, embora não seja o cenário atual, é possível que, em uma situação hipotética de queda na arrecadação e aumento das despesas obrigatórias, o governo precise aplicar tanto o bloqueio quanto o contingenciamento. Nesse caso, o impacto sobre as despesas discricionárias seria a soma dos dois valores.