Acusações de interferência do governo de Goiás no caso Escobar
Advogados, políticos e ativistas de direitos humanos de Goiás fizeram um apelo à presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Charlene da Silva Borges, para que intervenha junto à Procuradoria-Geral da República a fim de que se inicie uma investigação federal sobre o assassinato de Fábio Escobar, ex-coordenador de campanha do governador Ronaldo Caiado. Segundo o veículo ICL Notícias, o advogado da família e o pai de Fábio acreditam que uma investigação federal é essencial para que o caso seja totalmente esclarecido e que os responsáveis sejam adequadamente punidos, similar ao que ocorreu no caso do assassinato da vereadora Marielle Franco no Rio de Janeiro.
Fábio Escobar Cavalcante foi atraído para uma armadilha e assassinado em Anápolis no dia 23 de junho de 2021. Jorge Luiz Ramos Caiado, primo do governador Ronaldo Caiado, é considerado um dos mandantes do crime. Além do deputado estadual Mauro Rubem (PT-GO) e do vereador de Goiânia, Fabricio Rosa (PT), a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia também se uniu ao advogado da família para solicitar a federalização do caso, acreditando que apenas a transferência da responsabilidade do processo da esfera estadual para a federal pode garantir o progresso da investigação e a responsabilização dos culpados.
José Escobar Cavalcante, pai de Fábio, revelou ao ICL Notícias que seu filho tinha um acordo para assumir a liderança do partido União Brasil em Anápolis e se candidatar a deputado estadual. Contudo, esse arranjo não se concretizou, e as dívidas relacionadas à campanha permanecem não pagas. Fábio começou a usar as redes sociais para expor um esquema de caixa dois na campanha, mas acabou sendo ameaçado e, com medo, interrompeu suas postagens. Dois anos depois, foi assassinado a tiros por policiais militares. Três dos envolvidos estão detidos, enquanto o quarto, que teria coordenado a ação, foi morto em uma troca de tiros durante a abordagem policial.
Embora a Polícia Civil tenha investigado o caso e o Ministério Público tenha apresentado uma denúncia, a ação penal segue na 1ª Vara Criminal de Anápolis. A ABJD expressa a preocupação de que o Judiciário goiano esteja enfrentando pressões que limitam sua capacidade de atuação. Valerio Luiz de Oliveira Filho, advogado da família Escobar, defendeu a necessidade da federalização do caso: “Nossa preocupação é com a influência do Poder Executivo estadual sobre os outros poderes. Há pouco tempo, um desembargador de Goiás manifestou opinião crítica à PM durante a discussão de um voto e imediatamente o governador do estado fez um vídeo e postou na rede social pública atacando o desembargador e ele foi afastado imediatamente. Nunca tinha visto isso acontecer”, disse.
Adriano Linhas retornou ao cargo por ordens do Conselho Nacional de Justiça, mas foi alertado sobre o risco à sua família. Ele também era o juiz responsável pelo inquérito do assassinato de Fábio Escobar e se declarou suspeito para ser afastado do caso.
Escobar contatou Caiado pelo WhatsApp
O relatório da denúncia do Ministério Público sobre a situação de Escobar inclui impressões das mensagens que Fábio enviou a Ronaldo Caiado, manifestando desespero e medo. Nelas, ele solicita ao governador que interceda junto ao primo Jorge Caiado para preservar sua vida. Fábio também enviou uma foto dos filhos junto com o pedido de ajuda e manteve vigilância no celular enquanto trocava mensagens com sua esposa. Ele percebeu que Caiado começou a responder, mas interrompeu e não deu continuidade. Contudo, ficou evidente que o governador havia lido a mensagem.
Mensagens de Fábio Escobar dirigidas a Ronaldo Caiado: Reprodução
O coronel Benito Franco Santos, que na época era o comandante da ROTAM (Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas da PM), declarou em um depoimento gravado que Jorge Caiado e Carlos César Savastano Toledo, que na época era o diretor da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Goiás, o procuraram no dia 22 de fevereiro de 2019 com um dossiê sobre Fábio Escobar. Eles relataram que nenhuma das propostas de dinheiro ou cargos no governo tinha sido suficientemente eficaz para silenciar o ex-colega de partido. Quando o coronel indagou sobre quais medidas os dois esperavam que ele tomasse, Toledo teria respondido que a única solução seria “só matando”. O coronel confirmou que se negou a planejar e executar o assassinato. Assim, os dois buscaram ajuda do coronel Newton Nery de Castilho, que estava à frente da governadoria da Casa Militar, localizada dentro do palácio do governo. Castilho aconselhou que quitassem a dívida com Fábio Escobar e afirmou que não se considerava jagunço de ninguém.
“O Sr. Jorge Caiado, que levou o Toledo ao gabinete com essa demanda, em algum momento, antes do fim da conversa, foi proposto por ele o aniquilamento do Fábio Escobar. Eu de pronto alertei que não era jagunço de desacordo comercial de ninguém e que esse evento rememora eventos anteriores de Gregórios Fortunatos de Getúlio Vargas. Só tem desgaste, não leva a lugar nenhum e eu era solucionador de problemas do governo e não criador de problemas”, disse o coronel Castilho em depoimento.
Ele mencionou ao Ministério Público que tentou discutir o problema com o governador Caiado. Apesar de ter mencionado a situação de forma superficial, em seu depoimento, afirmou que não percebeu um interesse do governador em continuar a conversa, o que o levou a permanecer em silêncio. “Dentre outras pautas que tratei naquele mês de janeiro, tratei dessa pauta. Ele deu a entender que não sabia de nada e não deu ressonância”, disse o coronel à Justiça.
Castilho declarou que Jorge Caiado tem grande influência nas forças de segurança de Goiás e que, inclusive, estaria envolvido nas nomeações para todos os cargos de liderança da Secretaria de Segurança Pública do estado. “Jorge Caiado foi a figura principal, a mola propulsora de todas as indicações no âmbito da Segurança Pública”, disse. Devido aos depoimentos dos dois coronéis, o Ministério Público adicionou o nome de Jorge Caiado à relação de réus do caso. No dia 31 de janeiro, o coronel Castilho foi obrigado a se aposentar e a ir para a reserva antes do término do tempo de serviço. Em novembro do ano passado, a Assembleia Legislativa de Goiás aprovou uma lei proposta pelo governador Caiado que altera o plano de carreira dos policiais militares, resultando na aposentadoria de oficiais mais antigos, como o coronel Castilho. A associação nacional que representa os policiais moveu uma ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.
Após a divulgação do depoimento do coronel Castilho, sua esposa, que também é coronel da PM, foi exonerada do cargo de comandante de gestão e finanças da corporação. Castilho foi remanejado para a função de ajudância geral, um cargo que, segundo explicou em seu depoimento, deveria ser ocupado por um tenente-coronel. Neste ano, Castilho foi obrigado a se aposentar.
O outro lado
De acordo com informações, o ICL Notícias teria solicitado declarações sobre o assunto e a Secretaria de Comunicação do estado de Goiás encaminhou o texto a seguir:
“- A alegação de uma suposta pressão do governo é completamente inaceitável. Ela desrespeita o Judiciário e não condiz com a verdade.
– É imprescindível para o Poder Executivo Estadual não emitir opinião e muito menos interferir no andamento de qualquer processo de investigação policial, garantindo a autonomia e a independência do trabalho da Polícia Civil, do Ministério Público e do Poder Judiciário.
– Ressalta-se que foi o trabalho de investigação realizado pela Polícia Civil do Estado de Goiás que resultou nas prisões dos agentes de segurança e no prosseguimento da denúncia pelo Ministério Público.
– Cabe às partes implicadas apresentarem suas considerações dentro do devido processo legal”.
O veículo disse também ter contatado o governador Ronaldo Caiado, que se apenas deu a seguinte resposta: “o assunto está em julgamento no TJ de Goiás”.
O pai ainda clama por justiça
Em Goiás, três policiais militares que são considerados responsáveis pelo homicídio de Fábio Escobar encontram-se detidos preventivamente. O quarto policial, apontado como o coordenador da ação, foi abatido em um confronto com a Polícia Civil durante uma operação. Seu José, pai de Fábio Escobar, continua aguardando por justiça.
“Eu confesso que depois da morte do meu filho, perdi muito a fé em Deus. Esse roteiro… quem desenhou ele não é tão genial assim”, disse José Escobar ao ICL Notícias, em Anápolis, estado de Goiás. Seu José não se conforma com a inversão da ordem natural das coisas. “Primeiro os pais morrem, depois os filhos”, diz.
A ex-esposa dele entrou em profunda depressão após o assassinato do filho Fábio, e veio a falecer um ano depois. Mais de três anos após a emboscada que ceifou a vida do filho, Seu José acredita que, assim como no caso da vereadora Marielle Franco, apenas transferindo o processo de Goiás será possível chegar a uma conclusão sobre o caso. Os filhos de Fábio tinham 3 e 5 anos na época do assassinato.