Movimento contra diversidade repercute no Brasil

O GLOBO
Movimento contra diversidade repercute no Brasil Reprodução

No último sábado (8), a executiva Daniela da Silva Sapin anunciou no LinkedIn sua demissão voluntária da Meta. Ela, que ocupava o cargo de head de políticas públicas para o WhatsApp no Brasil há um ano, afirma na publicação que dedicou toda a sua vida de trabalho a lutar por uma internet aberta, por mais transparência e, especialmente nos últimos anos, por um setor de tecnologia mais responsivo ao interesse público.


“Os anúncios recentes na Meta, na minha opinião pessoal, desequilibraram a balança entre a minha capacidade de atuar em prol desses objetivos por dentro vs. por fora da companhia. Uma corporação se alinhar política e economicamente a um governo poderoso recém-eleito não é novidade para ninguém. Porém, a velocidade e a intensidade dessa virada retórica da Meta, e a adesão a uma base ideológica tão distinta dos valores que orientavam meu o trabalho até então [pensando nas medidas de integridade e segurança implementadas no WhatsApp nos últimos anos], isso simplesmente não é algo que eu possa compreender, muito menos apoiar”, pontuou em seu post na rede social.


“Aos agora antigos colegas, sei que esse anúncio vem num momento peculiar, já que em breve haverá mais mudanças e mais partidas na empresa. Deixo aqui meu desejo de força e resiliência”, declarou em outro trecho. Procurada pelo Valor, a executiva disse que suas impressões se encerram na postagem. Já a Meta não retornou o pedido de entrevista.


Essa reação, embora seja pontual, pode ser um indicador de que os anúncios de empresas como Meta, McDonald’s, Walmart, Disney e Accenture, que decidiram frear seus esforços em iniciativas voltadas à diversidade, equidade e inclusão (DE&I) em suas matrizes, podem ressoar em outros mercados e desagradar a profissionais que seguem na contramão do movimento chamado de “anti-woke”, incentivado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.


A consultoria Accenture anunciou, na quinta-feira passada (6), o encerramento de suas metas de diversidade e inclusão. Julie Sweet, CEO da companhia, enviou um comunicado aos funcionários detalhando a nova estratégia corporativa da empresa, que inclui três principais diretrizes: a extinção das metas globais de diversidade definidas em 2017 e atualizadas em 2020, o encerramento dos programas de desenvolvimento de carreira para pessoas de grupos demográficos específicos e uma pausa na participação em pesquisas externas de benchmarking de diversidade.


“Faremos as atualizações mencionadas acima e continuaremos a atualizar a nossa estratégia de talentos, avaliando as nossas políticas e práticas para garantir que elas apoiam a nossa estratégia empresarial, são eficazes, inclusivas, atendem às necessidades de todos os nossos colaboradores, cumprem as leis aplicáveis em nível global e abordam o cenário em constante evolução”, afirma no comunicado. A CEO diz ainda que a corporação continuará com os seus processos de igualdade salarial em todo o mundo.


O recuo nessas ações pode afastar pessoas qualificadas que buscam empresas diversas e inovadoras”

— Adriana Prates

O e-mail de Sweet criou um clima de preocupação entre os funcionários no Brasil, especialmente os que fazem parte desses grupos demográficos específicos, como pessoas negras e LGBTQIA+. “A primeira reação das pessoas foi de decepção, porque sempre se sentiram seguras e acolhidas na Accenture. O comunicado virou o assunto nas rodas de conversa e muitos acharam que era o fim de todas as políticas de diversidade. A sensação é que a onda conservadora dos EUA pode chegar ao Brasil”, afirmou um gerente, que preferiu não se identificar.


Diante da repercussão do comunicado, a CEO promoveu uma conversa ao vivo, por vídeo, com funcionários de todo o mundo na última segunda-feira, quando fez um rápido pronunciamento inicial e respondeu a perguntas. De acordo com o gerente, o discurso foi de que o fim das metas de diversidade não significa que a empresa não preza pelo tema e nem que descontinuará sua política de apoio a esses grupos específicos. “Nas entrelinhas, Sweet sinalizou a pressão não só do governo americano, mas também dos acionistas, por causa de possíveis impactos para o negócio caso nada fosse feito. Ela estava visivelmente desconfortável”, disse. Até agora, não houve nenhuma comunicação da liderança no Brasil.


Há uma semana, o Google confirmou que irá abandonar suas metas de contratação de pessoas oriundas de grupos sub-representados e que está avaliando seus programas de DE&I. Além disso, a empresa retirou de seu calendário padrão e agenda on-line datas comemorativas como o mês da Cultura LGBT, da História Negra e dos Povos Indígenas, além do Dia da Memória do Holocausto, da Herança Judaica e da Herança Hispânica.


Procurado pelo Valor no Brasil, o Google afirmou que a empresa está comprometida em “criar um local de trabalho onde todos os nossos funcionários possam ter sucesso e oportunidades iguais”. O comunicado menciona o fato de que a empresa é fornecedora do governo dos EUA: “Como fornecedor em nível federal, nossos times também estão avaliando as mudanças exigidas após decisões judiciais recentes e ordens executivas sobre este tópico [programas de diversidade]”.


Empresas que não investem em diversidade podem ser vistas como desatualizadas ou insensíveis”

— André Freire

Nas conversas entre funcionários no Brasil, não há clareza se as novas diretrizes adotadas pela empresa nos EUA serão estendidas para outras operações no mundo ou quando isso ocorrerá. “O movimento ainda é de observação, não há muita visibilidade do que vai acontecer nos próximos meses”, disse uma gerente, que preferiu não se identificar.


No Brasil, a Uber deixou de ser signatária do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, que, desde 2013, reúne empresas engajadas na promoção de direitos e de políticas de inclusão da comunidade no país. O fórum não revelou o motivo da decisão da empresa de deixar a iniciativa, composta por mais de 160 signatárias, como as multinacionais Coca-Cola, Dow, Google e Microsoft, além de grandes empresas brasileiras, entre elas Vale, Natura, Gerdau e Petrobras. “Nós recebemos com muita tristeza [essa notícia], porque a Uber sempre teve uma atuação muito importante dentro do fórum”, disse ao Valor o secretário executivo do fórum, Reinaldo Bulgarelli. “Cabe à empresa explicar por que saiu.”


Questionada sobre a saída do movimento, a Uber afirmou que a decisão é parte de um processo contínuo, de validação de orçamento e impacto das iniciativas da empresa localmente, “que não estará concluído antes do prazo de resposta estabelecido pelo Fórum”. A empresa também comentou que segue comprometida com a pauta de diversidade, equidade e inclusão, além de estar engajada com outras iniciativas e parceiros.


No ano passado, a IBM já tinha deixado o mesmo fórum. Procurada pela reportagem, a empresa não quis comentar o assunto.


A revisão de orçamento também levou a Qualicorp, administradora de planos de saúde, a desmobilizar sua gerência voltada às iniciativas de DE&I, informou uma fonte com conhecimento do assunto ao Valor. O desmonte da área teria ocorrido durante um processo de reestruturação da companhia, no qual a empresa reformulou políticas e promoveu demissões - não somente dessa área - para reduzir custos.


Procurada, a empresa disse à reportagem que nenhuma ação interna foi finalizada, e que o programa de DE&I continua sendo um pilar essencial do “DNA e da cultura da empresa”. A companhia comentou que segue com o mesmo objetivo de estimular a diversidade e a inclusão, “com um quadro de colaboradores representado majoritariamente por mulheres, inclusive em sua liderança (60%)”. A organização informou ainda que segue realizando anualmente um censo de diversidade e inclusão para “planejar ações mais assertivas em prol de uma cultura de respeito para todas as pessoas”.


Na visão de Tatiana Iwai, coordenadora do Centro de Estudos em Negócios do Insper e professora de comportamento de liderança, esse momento pode ser definidor para identificar os executivos que “realmente acreditam no que dizem”. “Quando a pauta está em tração, é muito fácil entrar na onda e dizer ‘eu apoio’. Mas, quando a pauta passa a ser questionada, as lideranças e executivos enfrentam um desafio”, analisa.


“Aqueles que defendem uma liderança ética, que querem criar equipes e uma força de trabalho justa e inclusiva, terão agora a chance de se posicionar. São esses executivos que, neste momento, consolidam sua reputação. É agora que se prova se aquilo que se fala é realmente praticado”, afirma.


A especialista pontua, por outro lado, que sempre houve certa resistência às iniciativas de DE&I dentro das organizações. “Quando existe uma polarização externa como a que está havendo agora, essa resistência interna que sempre esteve latente acaba ganhando mais força”, nota. “O que a gente pode imaginar de forma objetiva é que todo o esforço de representatividade vai ficar mais lento para muitas organizações porque isso deixa de ser uma pauta tão urgente”.


Tatiana Iwai recorda que, mesmo quando a pauta de DE&I tinha total atenção e muito dinheiro investido, os avanços em termos de representatividade não estavam acontecendo na velocidade esperada. “Por isso, na medida em que todos esses programas estão sob holofotes e sofrendo questionamentos, pode haver um esforço importante para que os programas que se mantêm consigam associar os investimentos a resultados concretos de performance e negócios. Talvez essa conexão, que antes não estava tão clara, precise ser reforçada agora”, pondera.


Para Adriana Prates, CEO da Dasein, consultoria de recrutamento executivo, as iniciativas de diversidade têm se mostrado um diferencial competitivo na atração e retenção de talentos, especialmente entre as novas gerações, que valorizam ambientes inclusivos e alinhados a propósitos sociais. “O recuo nessas ações pode afastar profissionais qualificados que buscam empresas com culturas mais diversas e inovadoras”, acredita.


“Por outro lado, fatores como desenvolvimento profissional, liderança inspiradora e oportunidades de crescimento ainda pesam significativamente na decisão dos talentos de permanecerem ou ingressarem em uma organização”, pondera. “O impacto dependerá, portanto, do equilíbrio entre esses elementos e da forma como a empresa comunica seus valores e compromissos.”


André Freire, sócio-diretor da consultoria Exec, acredita que pode haver uma maior rotatividade de talentos nas companhias que recuarem em suas ações de DE&I. “Os profissionais de grupos que representam as minorias podem se sentir menos valorizados ou excluídos”, alerta. “Empresas que não investem em diversidade podem ser vistas como desatualizadas ou insensíveis”.


Iwai, por sua vez, observa que, até agora, as organizações estavam abraçando os programas de DE&I com o discurso de que criar um ambiente de trabalho mais justo era uma intenção genuína. No entanto, à medida que as empresas abandonam suas ações, é esperado que a força de trabalho comece a se questionar sobre a autenticidade dessas iniciativas.” No futuro, quando essas iniciativas forem retomadas, podemos imaginar que elas serão encaradas com maior desconfiança, e o esforço para colocá-las em movimento novamente será maior”, diz.


O sócio-diretor da Exec também observa que, ao encerrarem as metas de DE&I, as organizações podem ser prejudicadas no quesito inovação, já que, na sua visão, equipes diversas tendem a ser mais criativas. No entanto, ele afirma que a diminuição nas iniciativas de diversidade não deve ser tão expressiva. “Chama a atenção quando há grandes empresas fazendo uma publicidade um pouco mais ampla sobre a diminuição dessas ações. Mas eu acho que o movimento de diversidade ainda está crescendo, porque tem muita empresa entrando nisso agora”, analisa.


“Temos que pensar no seguinte: até que ponto essa redução está disseminada? Estamos vendo esse movimento inicial, mas qual é a velocidade e a magnitude desse retrocesso?”, questiona Iwai. “O que precisamos entender, e que exige cautela na análise, é se há realmente uma interrupção total. Nem todas as organizações estão fazendo uma suspensão total. Algumas simplesmente estão desligando ou interrompendo certas iniciativas, enquanto outras continuam”.




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