'Desafio não é isentar o Imposto de Renda até R$ 5 mil, mas compensar com quem não paga', diz Haddad
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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta sexta-feira que está em diálogo constante com o Congresso para aprovar a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, mas ressaltou que a negociação mais complexa vai envolver a compensação para que o benefício possa ser concedido.
De acordo com o Ministério da Fazenda, o projeto de isenção do IR já está pronto, mas a forma de compensação ainda não foi revelada.
— O desafio não vai ser isentar, vai ser compensar com quem não paga. E aí vamos ter que chegar no andar de cima, e pedir assim, você que não está pagando nada contra o trabalhador que está pagando 27% de imposto, vamos equilibrar esse jogo, você vai pagar um pouco para ele pagar menos — disse Haddad em entrevista ao canal ICL Notícias.
Ele disse ainda que espera uma queda na inflação em breve diante da redução do dólar frente ao real e do aumento da safra de alimentos:
— Quando o dólar está muito forte no mundo inteiro, ele causa inflação no mundo inteiro, porque parte do que a gente produz é exportado, então os preços internacionais acabam balizando isso. Mas com a queda do dólar que aconteceu nos últimos 60 dias, 30 dias, começou a cair o dólar para patamares mais aderentes aos fundamentos da economia brasileira e com safra que vai entrar a partir do final do mês, nós acreditamos que esses preços vão se estabilizar em um patamar mais adequado. Entendemos que vamos colher bons frutos no combate à inflação, inclusive no que diz respeito aos alimentos.
BPC
Na entrevista, o ministro também foi questionado sobre ajustes realizados pelo governo no ano passado em programas sociais, com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), para adequar as contas públicas. Segundo Haddad, as medidas foram tomadas para que garantir a sustentabilidade do programa.
— A boa gestão é a garantia da sustentabilidade do programa. Isso não tem nada a ver com corte, isso tem a ver com racionalidade e com responsabilidade de garantir que isso vai ter vida longa, que não vai acabar em um governo, vai virar uma política de estado, ninguém vai depois relar a mão para tirar um direito social garantido por lei — afirmou.
Haddad ainda disse que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalha para reorganizar as informações de cadastros de programas como o BPC e Bolsa Família, que segundo ele, foram desordenados pelo governo passado para "cumprir objetivos eleitorais".
— Ao longo de 2022, o desespero do governo anterior em se manter no poder a qualquer custo, inclusive plajendo assassinatos, golpe, tudo que está sendo exposto a opinião pública. Você acha que alguém que planeja um assassinato vai zelar pelo dinheiro público diante de uma perspectiva de uma derrota eleitoral? — completou.
Consignado privado
Haddad também afirmou que o governo deve lançar uma política para oferecer a opção de crédito consignado privado para trabalhadores com carteira assinada.
— Nós podemos ter nos próximos dias uma coisa inédita no Brasil que é o consignado privado.
O novo consignado será criado por medida provisória (MP) a ser editada antes do carnaval. A expectativa é que o novo sistema comece a operar em meados de março. O novo modelo irá integrar base de dados do eSocial e permitir que os trabalhadores tomem empréstimo em qualquer banco.
— O que nós estamos fazendo, o consignado vai no ser e-social. Não importa onde a pessoa esteja empregada, você vai fazer o desconto do empréstimo dela a um juros muito menor, a menos da metade do que se paga hoje — disse Haddad.
Selic
Segundo o ministro, será necessário aprovar um Orçamento equilubrado para que o país consiga reduzir a inflação e a taxa básica de juros, a Selic.
— Nós fizemos o ajuste no ano passado, o orçamento pode ser aprovado com equilíbrio nas contas que é o que garante a sustentabilidade da economia brasileira no médio e longo prazo, crescimento com inflação baixa, voltar a crescer, como estamos crescendo, mas com a inflação controlado — afirmou.
Para Haddad, a nova oferta de crédito consignado privado a ser lançada pelo governo tem capacidade de aumentar o consumo e investimento da população, mesmo com uma taxa básico de juros alta.
— Vamos oferecer para os trabalhadores uma coisa inédita, que pode alavancar o PIB, mas mais do que isso, estou falando de uma questão estrutural. Não estou falando da Selic que momentaneamente está alta para combater o surto que ninguém deseja de um descontrole inflacionário. Ok, faz parte do jogo usar a taxa de juro para combater a inflação.
Dez anos de desarranjo
Durante a entrevista desta sexta, Haddad reiterou diversas vezes que a equipe econômica faz um trabalho de reestruturação das contas públicas. Segundo o ministro, os governos anteriores promoveram uma condução do Orçamento que levou à deterioração das contas públicas do Brasil nos últimos dez anos.
— Veja só, tivemos dois ministros da Fazenda que eram declaradamente de direita, a favor do estado mínimo, verifique os déficits públicos que eles produziram, são déficits recordes na história do Brasil, e nem por isso eles sofriam pressão para fazer ajuste público (...) Nós tivemos dez anos de um problema estrutural que o governo Lula está tentando resolver, é nossa obsessão resolver isso — disse o ministro.
2026
O ministro da Fazenda também foi questionado sobre o cenário eleitoral de 2026, caso o presidente Lula não venha a ser candidato no próximo ano. Haddad afirmou que Lula deve chegar em uma condição favorável para se eleger em 2026, e negou que ele mesmo possa ser o candidato do governo.
— Eu já disse que não tenho nenhuma pretensão em 2026, não devo concorrer a nenhum cargo. Já declarei isso, falei com o presidente Lula sobre esse assunto, falei que não vou ser candidato em 2026, Fui em 2022 e entendo que São Paulo foi muito importante para a vitória do presidente Lula.
Plano Safra
O Tesouro Nacional anunciou nesta quinta-feira a suspensão dos financiamento do Plano Safra 2024/2025, em função do orçamento não ter sido aprovado e pela subida dos juros, que encareceram o custo da equalização do programa. O Ministério da Fazenda já declarou em nota nesta sexta que Haddad encaminhará ofício ao Tribunal de Contas da União (TCU) para ter "respaldo técnico e legal" para a imediata retomada das linhas de crédito.
— O problema de hoje é que o orçamento não foi aprovado ainda. Inclusive mandei para uma das lideranças da FPA um comunicado dizendo que estamos oficiando o TCU hoje sobre esse problema da não aprovação do Orçamento, não queremos que as linhas de crédito tenham alguma descontinuidade — explicou Haddad na entrevisa desta sexta.
Viagem
Haddad voltou ao Brasil na madrugada desta quinta, após fazer giro pelo Oriente Médio, e representar o Brasil na Conferência do Fundo Monetário Internacional (FMI) em sua primeira viagem internacional de 2025.
Na Conferência do FMI em Al-Ula, na Arábia Saudita, Haddad disse que a inflação no Brasil está em torno de 4% a 5%. Segundo ele, este patamar é "relativamente" dentro da normalidade para o que a economia brasileira registrou após a implementação do Plano Real.
— O Brasil tem feito um trabalho, tentando encontrar um caminho de equilíbrio e sustentabilidade mesmo em fase de um ajuste importante. O Brasil deixou uma inflação de dois dígitos há três anos. Hoje temos uma inflação em torno de 4% a 5%, que é uma inflação relativamente normal para o Brasil desde o Plano Real há 26 anos — disse em discurso nesta segunda-feira.
Aposta em medidas econômicas
Na maior crise de popularidade dos seus três mandatos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aumentará a aposta em medidas econômicas que, na avaliação do governo, podem ajudar a reverter o cenário e melhorar o ambiente para 2026, ano eleitoral.
O entorno do titular do Palácio do Planalto avalia que o lançamento do Gás para Todos, a aprovação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês e a mudança no crédito consignado privado rendam frutos políticos nos próximos meses. Além disso, o Executivo já anunciou a gratuidade completa de medicamentos no programa Farmácia Popular e conseguiu destravar o pagamento do Pé-de-Meia, que dá bolsas a estudantes do ensino médio.
Só o impacto fiscal da desoneração do IR é estimado pela equipe econômica em R$ 35 bilhões. Nesse caso, porém, o governo pretende apresentar uma forma de compensação, que deve ser baseada no aumento da tributação dos mais ricos, o que enfrenta resistência no Congresso. Se aprovada este ano, contudo, a ampliação da faixa de isenção só começa a valer em 2026.