Pretos e pardos ainda são minoria entre bolsistas de produtividade do CNPq no Brasil
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O ictiólogo Naércio Menezes, de 87 anos, sempre teve o sonho de trabalhar com animais em coleções científicas. Natural de Sergipe, mudou-se para Campos do Jordão, interior de São Paulo, aos oito anos. Depois de se formar em história natural, tornou-se estagiário no Museu de Zoologia da USP, na zona sul de São Paulo.
Após um período de pós-graduação no exterior, foi contratado como professor no Instituto de Biociências da USP, onde permaneceu até se aposentar. Depois, retornou ao museu como professor sênior para continuar seu trabalho na área que sempre amou.
Atualmente, Menezes é bolsista de produtividade (PQ) sênior do CNPq, o mais alto nível de bolsa concedido a pesquisadores de destaque. Ele também é o único bolsista sênior pardo do museu.
Os bolsistas PQ são avaliados com base em critérios como o volume de publicações científicas nos últimos anos. Existem cinco categorias, e os PQ sênior são aqueles que mantêm o nível 1A por pelo menos 15 anos.
Entre 2013 e 2023, a distribuição racial dos bolsistas praticamente não mudou. Em 2013, 72% dos contemplados eram brancos, percentual que caiu ligeiramente para 70% em 2023. Os pardos passaram de 8% para 10% e os pretos, de 1% para 2%. Além disso, uma parcela significativa dos bolsistas opta por não declarar sua cor (17% em 2013 e 16% em 2023).
Luiz Augusto Campos, coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa) da UERJ, destaca que esses números estão muito distantes da realidade brasileira. Ele explica que, embora a maioria dos acadêmicos aptos a concorrer à bolsa seja branca, a proporção de brancos entre os beneficiados é ainda maior, o que revela uma distorção.
Campos, que é bolsista PQ nível 2, relata que está nessa categoria há nove anos sem conseguir avançar. Ele acredita que o sistema de bolsas precisa ser reformulado para reduzir desigualdades. Segundo ele, o CNPq ainda resiste a promover mudanças, pois a avaliação se baseia fortemente na meritocracia. No entanto, defende que a inclusão e a diversidade trariam ganhos significativos para a ciência.
Olival Freire Junior, diretor-científico do CNPq, afirma que não existem editais específicos para promover diversidade de gênero e cor na concessão de bolsas PQ. O critério principal continua sendo o mérito acadêmico. No entanto, o órgão vem adotando algumas medidas, como a extensão de dois anos no período de avaliação para bolsistas mães.
Um estudo publicado em outubro de 2024 pelo professor Marcelo Perlin, da UFRGS, na revista Journal of Informetrics, analisou o impacto das bolsas PQ na produtividade acadêmica. Usando dados da Plataforma Lattes, Perlin e outros pesquisadores identificaram que o principal fator para obter uma bolsa é o número de publicações e orientações.
O estudo também mostrou que os bolsistas aumentam sua produção científica após receberem a bolsa, beneficiando sua produtividade. No entanto, esse sistema favorece quem já está em posições mais consolidadas, excluindo jovens pesquisadores ou aqueles de áreas com menor volume de publicação.
Além disso, há uma concentração geográfica das bolsas nas regiões Sudeste e Sul. Perlin destaca que pesquisadores que não estão nos grandes centros têm mais dificuldade em produzir e, por consequência, em obter bolsas PQ.
A Lei de Cotas de 2012 aumentou a presença de estudantes negros nas universidades federais de 42%, em 2011, para 51%, em 2019. No entanto, a adoção de cotas na pós-graduação é opcional para cada programa, o que limita seu impacto na inclusão de pesquisadores negros na academia.
Perlin enfatiza que a ciência é um processo criativo que se beneficia da diversidade. Segundo ele, incluir grupos historicamente marginalizados não só torna o sistema acadêmico mais justo, mas também fortalece a produção científica no Brasil.