60% das empresas brasileiras estão sofrendo com apagão de mão obra


60% das empresas brasileiras estão sofrendo com apagão de mão obra Reprodução

Ao analisar os dados mais recentes sobre o emprego no Brasil, pode-se concluir que o país parece ter superado de maneira robusta os efeitos da pandemia de covid-19 e, ainda por cima, encontrado uma possível trajetória de crescimento sustentável. De dezembro de 2019 até o final de 2024, o número de trabalhadores aumentou em 9%, atingindo 104 milhões. No ponto mais crítico da crise, em meados de 2020, apenas 83 milhões estavam empregados. A queda no número de desocupados é ainda mais notável: uma redução de 43%, passando de 12 milhões em 2019 para 6,8 milhões em dezembro passado. Durante o pico da pandemia, mais de 15 milhões de pessoas enfrentaram o desemprego. A taxa de desocupação, que chegou a 15%, agora é de 6,2% — o valor mais baixo desde 2012.


A princípio, isso parece ser motivo de celebração, um cenário elogiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que creditam essa situação ao crescimento econômico observado nos dois anos de governo petista. No entanto, a realidade é mais intricada. Muitas empresas relatam que estão enfrentando um desafio que já compromete suas operações e investimentos: está se tornando difícil encontrar trabalhadores. O principal fator para isso não é o baixo índice de desemprego, como muitos poderiam pensar, mas sim uma desregulação mais severa no mercado de trabalho. “A escassez é generalizada”, diz Anaely Machado, economista do Observatório Nacional da Indústria. “A falta de pessoal vai desde as funções mais simples até as mais qualificadas.” 

No que tange às ocupações básicas, o primeiro aspecto a ser considerado é que não falta pessoas no Brasil — ou não deveria faltar. Com 213 milhões de habitantes, há 177 milhões que ultrapassaram a idade mínima de 14 anos, que é o limite legal para o trabalho. Esse total abrange aposentados e outros grupos que não estão no mercado de trabalho. Contudo, entre esses, é notável o número de indivíduos que optam por se sustentarem apenas com os recursos recebidos de programas sociais. O Bolsa Família, principal símbolo do assistencialismo, foi criado em 2004, durante o primeiro mandato de Lula, e oferecia em média 200 reais mensais por família até outubro de 2021, quando foi reformulado pelo presidente Jair Bolsonaro. Com a meta de superar o petista e garantir sua reeleição em outubro do ano seguinte, o ex-capitão do Exército renomeou o programa para Auxílio Brasil e aumentou o valor da bolsa para 600 reais mensais. Como resultado, o número de lares atendidos saltou de 14 milhões para mais de 20 milhões atualmente.



A estratégia não trouxe os votos esperados, mas gerou um problema para os empresários, ao desencorajar uma parte dos mais pobres na busca por emprego. O número de pessoas em idade ativa aumentou 4,6% entre 2019 e 2024. No entanto, a força de trabalho, composta por aqueles que estão empregados ou ativamente procurando emprego, teve um crescimento menor: 3%, totalizando atualmente 111 milhões. Isso indica que apenas 63% das pessoas capazes estavam, de fato, inseridas no mercado de trabalho no final de 2024. 

“Os dados mostram uma correlação entre a expansão do Bolsa Família e a redução na oferta de mão de obra”, afirma Daniel Duque, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV). “As distorções afetam mais o setor de serviços, em que os salários são mais baixos e a qualificação é menor.”

Uma pesquisa recente realizada pela FGV revelou que 19% das empresas enfrentam dificuldades para encontrar profissionais para funções básicas. A construção civil, que é um dos principais setores empregadores de pessoas com baixa escolaridade, exemplifica bem essa escassez: 82% das construtoras e incorporadoras têm dificuldades para contratar ou manter seus funcionários. No varejo, que também tradicionalmente acolhe pessoas com menos formação ou experiência, 77% das empresas relatam problemas semelhantes. Os setores industrial e de serviços apresentam índices parecidos em todo o país. A Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso do Sul (Fiems) estima que suas associadas tenham cerca de 25 000 vagas em aberto — algumas delas há mais de um ano — devido à falta de candidatos. “Várias fábricas congelaram os planos de aumentar a produção por falta de pessoal”, diz Sérgio Longen, presidente da Fiems. Dono da Semalo, uma fabricante de alimentos, Longen sente na sua empresa o desafio de ter 100 vagas que não consegue preencher.

A situação reacendeu a discussão acerca da importância de desenvolver uma estratégia de transição dos programas assistenciais, permitindo que os beneficiários consigam, em algum momento, se tornar independentes e reingressar no mercado de trabalho. Uma das propostas mais apoiadas por especialistas é vincular os benefícios à participação em cursos de capacitação. Essa abordagem também ajudaria a aliviar a pressão sobre as empresas, que atualmente preenchem essa lacuna com iniciativas próprias. De acordo com a FGV, 45% das empresas estão direcionando investimentos para capacitação interna a fim de preencher as vagas em aberto. Com isso, elas assumem um papel que não deveria ser seu. “O governo deve ser o grande provedor de qualificação de mão de obra, não as empresas”, diz Fábio Bentes, especialista econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC).

A escassez de profissionais qualificados é uma questão recorrente no Brasil, que se torna mais evidente em períodos de crescimento econômico. Segundo um levantamento realizado pela FGV, 65% das empresas relataram dificuldades em encontrar mão de obra especializada. As mudanças que as empresas estão enfrentando, impulsionadas pelos avanços tecnológicos e novas tendências de consumo, agravam essa situação. Um exemplo disso é o setor de varejo: com o aumento das compras online durante a pandemia, houve uma diminuição na demanda por vendedores em lojas físicas, enquanto a necessidade por especialistas em tecnologia e logística disparou.  “A migração para o varejo digital foi muito mais rápida que a formação de mão de obra necessária”, afirma Bentes, da CNC.  

As transformações culturais também têm um grande impacto. A preferência pelo trabalho remoto ou híbrido, a flexibilidade de horários e a busca por qualidade de vida são características cada vez mais apreciadas por quem está em busca de emprego, especialmente entre os mais jovens.  “Os jovens não aceitam mais os velhos modelos de trabalho”, diz Bruno Imaizumi, economista da consultoria LCA 4intelligence.  


Um outro fator importante é o anseio por se tornar empreendedor. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Ideia, 30% dos jovens almejam ter seu próprio negócio. Muitos já começaram a concretizar esses planos. Conforme os dados do IBGE, os empreendedores na faixa etária de 18 a 29 anos representavam 16,5% das 30 milhões de empresas em funcionamento no Brasil no último trimestre de 2023. 

arte mão de obra


O cenário em que o crescimento das empresas encontra obstáculos em diversas questões deve ser abordado com soluções inovadoras e com a busca por alternativas para a grande dependência de programas sociais. Embora a redução na taxa de desemprego seja um motivo para celebração, é necessário agora realizar um trabalho interno para solucionar os problemas estruturais que resultaram na atual escassez de mão de obra — e isso exige esforço.




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