Emendas parlamentares batem recorde e já definem o destino de 1 a cada 5 reais que o governo investe

O GLOBO
Emendas parlamentares batem recorde e já definem o destino de 1 a cada 5 reais que o governo investe Reprodução

Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) encabeça junto ao Congresso Nacional e ao governo o debate sobre a transparência e critérios de distribuição de emendas parlamentares, uma outra discussão fica ofuscada: a dimensão desses valores. As verbas escolhidas por parlamentares no Orçamento irá superar a barreira de R$ 50 bilhões neste ano, um recorde.


Na segunda reportagem da série Estado (in)eficiente, especialistas afirmam que o crescimento dessas verbas prejudica a melhor alocação dos recursos públicos, pulveriza ações do poder público, favorece o clientelismo e ainda reduz a capacidade de planejamento do Estado.


O valor exato para as verbas que poderão ser escolhidas por parlamentares — seja individualmente ou de forma coletiva, com bancadas e comissões — ainda não foi definido porque a peça orçamentária sequer foi votada. Mas os números disponíveis revelam o espaço que os parlamentares brasileiros têm para decidir onde gastar.


Em 2025, cerca de 20% de todas as despesas discricionárias federais, ou seja, aquelas que o governo efetivamente decide como alocar, terão seu destino escolhido pelos parlamentares por meio de emendas.


Embora as despesas totais do governo federal superem R$ 2,3 trilhões em 2025, apenas uma fração disso pode ter seu destino efetivamente decidido. Isso ocorre porque mais de R$ 2 trilhões gastos pela União são para pagar rubricas como a Previdência Social, salários de servidores civis e militares, além de benefícios sociais como o Bolsa Família.


O que sobra disso, algo calculado em cerca de R$ 241 bilhões neste ano, é que pode ser destinado com alguma liberdade pelo governo. É nessa fatia do Orçamento que estão obras públicas, compras de equipamentos, concessão de bolsas universitárias, entre outras despesas chamadas de discricionárias — incluindo aí a manutenção básica da máquina pública, como o pagamento de contas de luz.


‘Gastos paroquiais’

Do montante “livre” de 2025, por volta de um quinto será destinado para emendas parlamentares. É um patamar que tem se mantido elevado desde 2020, volume criticado por especialistas.



— O que as emendas fazem? Elas reduzem a eficiência do gasto público. É um país já carente, você gasta muitos recursos com emendas, R$ 50 bilhões é quase 0,5% do PIB. É um dinheiro grosso — afirma o economista Samuel Pessôa. — As emendas, nesse montante, representam uma invasão do Legislativo numa atribuição do Executivo. São gastos paroquiais que não são determinados em função de um programa de governo maior. Isso não atende ao interesse coletivo.


Emendas parlamentares são uma parte do Orçamento a que deputados e senadores podem escolher a sua aplicação, como obras, serviços e compras de materiais. Geralmente, destinam esses recursos para suas bases eleitorais.


Há hoje três tipos de emenda: As individuais, divididas igualmente entre os membros do Congresso Nacional e a que todos os deputados e senadores têm direito; de bancada, cuja destinação do recurso é definida pelo conjunto de parlamentares de cada estado; e as de comissão, com o destino decidido pelos colegiados temáticos de Câmara e Senado.


As duas primeiras categorias são de execução obrigatória, ou seja, o governo é obrigado a pagar, desde que não haja algum tipo de empecilho técnico. O terceiro tipo não é obrigatório, mas o Executivo costuma desembolsar os recursos por conta de acordos políticos.


‘Fora de propósito’

O economista Marcos Mendes, especialista em Orçamento público, classifica o valor de R$ 50 bilhões em emendas parlamentares como “fora de propósito”.


Segundo ele, essa proporção de emendas sobre o investimento do Executivo não encontra paralelo em outros países com democracias bem desenvolvidas.


— Não existe essa coisa de o Parlamento definir despesas, em especial com tanto detalhamento quanto no Brasil, tantos milhões para o município X, tantos outros milhões para construir uma ponte em outro. Essa ideia do Legislativo, em especial de cada parlamentar individualmente, ter uma fatia própria no Orçamento, ter direito a um pedaço do Orçamento, é uma distorção criada no Brasil — explica o especialista.


Segundo o pesquisador associado do Insper, o sistema eleitoral brasileiro alimenta o apetite de deputados e senadores por mais verbas. Quanto mais emendas, mais instrumentos de poder o parlamentar terá para tentar se manter no cargo com uma eventual reeleição:


— Cada parlamentar vai tentar o máximo de dinheiro e o máximo de influência individualizada para ter mais votos que os seus colegas.


Nos últimos meses, o STF chegou a bloquear o pagamento de emendas exigindo mais transparência na aplicação dos recursos, especialmente das verbas de comissão. A chamada emenda Pix também foi afetada.


Ela é uma vertente da emenda individual pela qual um parlamentar poderia destinar um recurso diretamente para uma prefeitura ou estado sem exigir uma ação específica para aplicação do dinheiro. O STF exigiu, agora, um plano de trabalho antes de o dinheiro ser transferido.


Cléo Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e especialista em Orçamento público, ressalta que a destinação dos recursos de emendas parlamentares muitas vezes não respeita critérios objetivos, o que pode comprometer a efetividade dos gastos públicos.


— Essas emendas não entram na lógica do Plano Plurianual (PPA, lei que dá as diretrizes para aplicação dos recursos públicos num horizonte de quatro anos). E elas não entram nem em lógica populacional, por exemplo. A gente já viu várias distorções de municípios que têm população pequena e que recebem um recurso altíssimo, enquanto municípios com maior população, com maiores necessidades, não recebem nada de emenda — argumenta.


Fragilidade do Executivo

Os especialistas afirmam que o enfraquecimento do Executivo nos últimos anos permitiu um aumento expressivo no controle do Congresso sobre o Orçamento federal. Foi um processo que ganhou corpo especialmente em dois governos. Na gestão Dilma Rousseff, em 2015, as emendas individuais se tornaram impositivas. No governo Jair Bolsonaro, foi criado o chamado “Orçamento secreto”, que, embora extinto por decisão do STF, deixou como legado um patamar mais elevado de emendas.


O cientista político Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco, destaca que a fragilidade do Executivo também favorece práticas clientelistas — troca de bens e serviços por apoio político.


— O resultado é uma situação em que o presidente fraco, com baixa sustentação parlamentar sucumbe às pressões do Congresso, sem que este internalize as consequências macro, coletivas, desse estado de coisas — afirma.


Beatriz Rey, pesquisadora da Universidade de Lisboa, lembra que, até 2014, as emendas eram utilizadas como moeda de troca para a formação de apoio no Congresso. A partir do ano seguinte, as emendas passaram a ser impositivas e igualitárias — no caso das individuais —, reduzindo o poder de barganha do Executivo.


— O resultado foi tirar um pouco do ferramental do Executivo, porque as emendas, agora, são impositivas, elas têm que ser gastas, e elas são igualitárias, têm de ser gastas do mesmo jeito para todos os deputados — destaca.




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