Falas polêmicas de Lula desagradam mulheres e derrubam aprovação

Historicamente aliadas de Lula, as mulheres têm demonstrado crescente insatisfação com o governo e com a postura do presidente. As críticas se concentram tanto em declarações machistas feitas em seus discursos improvisados quanto no impacto da alta dos preços dos alimentos. A queda na avaliação positiva do governo entre as mulheres, revelada por pesquisas recentes da Genial/Quaest e Datafolha, é confirmada pela análise da consultoria Gobuzz, que aponta que esse grupo, que representa 52% do eleitorado, foi afetado por falas polêmicas de Lula. Entre essas, a que ele disse ser um "amante da democracia" e comparou a mulher à "amante", e outra, feita ao comentar o aumento dos casos de agressão doméstica, em que afirmou que "depois de jogo de futebol, aumenta a violência contra a mulher", referindo-se ao comportamento de torcedores corintianos.
A Gobuzz coletou 80.809 comentários nas redes sociais da Meta e no X que mencionaram o nome de Lula. Dentro dessa amostra, a consultoria selecionou as menções que se destacaram, especialmente aquelas que se referiam a frases do presidente direcionadas às mulheres.
De acordo com o levantamento da Quaest, divulgado no mês passado, o índice de aprovação do governo caiu cinco pontos percentuais entre o público em geral (de 52% para 47%) e diminuiu ainda mais entre as mulheres, passando de 54% para 49% desde dezembro.
A pesquisa Datafolha também registrou uma queda na avaliação do governo, com a aprovação geral caindo 11 pontos em dois meses, de 35% para 24%. Entre as mulheres, o índice de aprovação caiu 14 pontos, passando de 38% para 24%.
“Não vai resolver de um dia para o outro”
A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, próxima de Lula e indicada para assumir a articulação política do governo, afirmou que a resolução dessa questão será prioridade. Ela disse que, embora não se resolva rapidamente, é possível confiar no governo, citando a redução do desemprego e o aumento real do salário e da renda das famílias como conquistas. Gleisi também destacou o empenho de Lula no reconhecimento e promoção do espaço político feminino, lembrando que a eleição da primeira mulher presidente do Brasil e a primeira mulher à frente do PT estão diretamente associadas a ele, algo importante em um país de tradição patriarcal e machista.
A deputada Benedita da Silva (PT), coordenadora-geral dos Direitos da Mulher da Secretaria da Mulher da Câmara, atribuiu a queda na aprovação do governo à disseminação de fake news pela oposição, o que, segundo ela, compromete a compreensão da população sobre as ações e conquistas do governo.
Entrevistadas pelo GLOBO, eleitoras consideraram as falas do presidente ofensivas. Elas também expressaram insatisfação com a demissão de ministros do governo, como foi o caso de Nísia Trindade, que perdeu a pasta da Saúde na semana passada após dias de exposição pública.
A fisioterapeuta Tayná Moraes, de 26 anos, moradora do Rio, afirmou que não votaria mais em um presidente que faz piadas sobre violência doméstica, considerando esse tipo de comentário como um péssimo exemplo para a sociedade. Ela, que é eleitora de Lula e beneficiada pelo Prouni, programa criado no primeiro mandato do petista, se disse decepcionada.
Já a publicitária Patrícia Reis, de 40 anos, do Rio Grande do Norte, criticou a forma como Lula, que se elegeu prometendo dar mais espaço para as mulheres, retirou o protagonismo de uma mulher cientista, Nísia, para colocar um homem branco no cargo. Ela lamentou a decisão, destacando que a promessa de Lula sobre o protagonismo feminino no governo não foi cumprida.
A cientista política Juliana Fratini, da PUC-SP, que analisou as declarações de Lula em parceria com a Gobuzz, acredita que a queda na aprovação entre as mulheres está diretamente ligada às suas falas. Ela apontou que, ao adotar essa postura, Lula reflete uma cultura machista enraizada no país, o que gerou frustração entre as eleitoras que esperavam mais sensibilidade para as questões femininas.
“Quem manda são os mesmos”
A universitária Isadora Camargo, de 23 anos, de Santa Catarina, reconheceu avanços em relação ao governo Bolsonaro, mas afirmou que isso ainda é insuficiente. Para ela, não há políticas públicas eficazes voltadas para os interesses das mulheres e a impressão é que "quem manda ainda são os mesmos de antes".
A bibliotecária carioca Fádia Pacheco, de 51 anos, apoiadora de Lula durante seus três mandatos, acredita que as falas do presidente são resultado de um “deslizamento geracional”, sugerindo que Lula ainda estaria acostumado a um período em que piadas como essas eram aceitas e vistas como “brincadeiras”.
O levantamento da Gobuzz também registrou reações negativas das mulheres à declaração de Lula sobre o aumento dos preços dos alimentos, feita em uma rádio da Bahia no mês passado, quando ele sugeriu que, se um produto estiver caro, o consumidor simplesmente não deveria comprá-lo. Para a cientista política Daniela Costanzo, essa declaração foi especialmente mal recebida pelas mulheres responsáveis pelo sustento familiar, que são as mais impactadas pela alta dos preços, principalmente dos alimentos. Isso afetou a percepção delas sobre o presidente.