Preços altos na Argentina fazem ‘hermanos’ irem às compras no Brasil

"Estão indo comprar?", pergunta a agente da aduana argentina na fronteira com o Brasil. O motorista confirma, e ela o autoriza a seguir para a ponte que conecta os dois países. Do lado brasileiro, não há controle migratório. Assim, o residente de Paso de los Libres, cidade argentina que faz divisa com Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, entra rapidamente em território brasileiro.
É sábado, hora do almoço, e as filas, principalmente de argentinos indo para as praias do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, são longas, chegando a até quatro horas de espera. Para os moradores da fronteira, no entanto, há uma fila preferencial, um alívio para os "librenses", que cada vez mais buscam o Brasil para abastecerem suas casas com alimentos e produtos de higiene e limpeza.
"Os produtos aqui são metade do preço da Argentina. Compro de tudo: sabão em pó, arroz, bolacha", conta Florencia Del Bove, contadora argentina que atravessa semanalmente a ponte para fazer compras em um hipermercado de Uruguaiana.
No carrinho de compras, Florencia tem macarrão, temperos, produtos de limpeza e até uma air fryer. O leite longa-vida que ela comprou em Uruguaiana custa R$ 3,80, enquanto em Paso de los Libres, seu preço é cerca de R$ 9. Mesmo com o custo da viagem, esses bate-e-voltas, cada vez mais frequentes para os habitantes de Paso de los Libres, geram uma economia de cerca de 50%. Isso se deve à diminuição brusca da inflação na Argentina, que caiu de 25,5% em dezembro de 2023 para 2,7% em dezembro de 2024, ainda que a inflação fosse sobre preços elevados. Além disso, a desvalorização mais lenta do peso argentino em relação ao dólar fez com que os produtos no Brasil ficassem ainda mais baratos para os argentinos.
"Para nós, é muito barato; vale a pena fazer compras lá. Toda a minha família vai", afirma Haydée Umeres, que trabalha em um supermercado em Paso de los Libres. Mesmo com o desconto de funcionária, ela ainda economiza ao cruzar a fronteira para comprar itens essenciais.
A tendência também se espalha para moradores de cidades mais distantes da fronteira, como Inés Sanchez, de Mercedes, cidade argentina a quase duas horas de Uruguaiana. Ela atravessa a fronteira para comprar produtos para sua padaria. Além de leite e refrigerantes, Inés leva enormes pacotes de papel higiênico. "Muita gente de Mercedes está vindo para cá fazer compras. Não consigo vir sempre, mas o pai de uma amiga vai começar a vir para nos abastecer", conta ela.
Inés ficou surpresa com a diferença de preços. Na Argentina, uma latinha de refrigerante custa 1.700 pesos (aproximadamente R$ 8,30), enquanto em Uruguaiana, o preço é de apenas R$ 3,90. Ela também notou uma grande diferença no preço dos aparelhos de ar-condicionado, que em Uruguaiana podem ser adquiridos por R$ 1.500, enquanto em sua cidade custariam mais de R$ 3.400.
O aumento do fluxo de argentinos para o Brasil resultou em um crescimento significativo no número de entradas de argentinos no país. O Observatório das Migrações Internacionais registrou um aumento de 58,3% no número de argentinos entrando no Brasil entre dezembro de 2023 e 2024, passando de 160.875 para 254.737. Em dezembro de 2024, o número de argentinos que passaram pelo Rio Grande do Sul foi 102,2% superior ao de 2023.
A vendedora Mónica Suárez chegou a orçar uma viagem para passar uma semana em Ituzaingó, cidade à beira do Rio Paraná, mas percebeu que descansar no Brasil seria muito mais barato. "Aqui sairia 2,5 milhões de pesos (R$ 12 mil), e no Brasil, R$ 5 mil", comparou.
Mudança de cenário em Paso de los Libres
O movimento de argentinos indo ao Brasil tem trazido uma grande mudança para cidades fronteiriças como Paso de los Libres. As ruas, antes cheias de brasileiros em busca de combustível e produtos baratos, agora estão mais vazias. A gasolina, que em novembro de 2023 era vendida a R$ 2 por litro em Paso de los Libres, já não é mais uma grande atração. Atualmente, o preço da gasolina comum é de R$ 5,90, enquanto em Uruguaiana, ela custa R$ 6,30, tornando o custo-benefício da travessia muito menos vantajoso.
"Antes, os brasileiros vinham todo mês para cá, enchiam dois carrinhos de supermercado. Mas agora já faz quase um ano que não vemos mais essa movimentação", lamenta Haydée Umeres, vendedora em Paso de los Libres.
O impacto da diminuição do movimento de brasileiros é sentido também no comércio. Muitos estabelecimentos fecharam ou reduziram suas operações, e houve uma onda de demissões. Em Bernardo de Irigoyen, cidade argentina na fronteira com Dionísio Cerqueira (SC), o comércio argentino viu uma queda de 70% a 80% nas vendas. "Está muito difícil para o comércio argentino", diz Walter Feldman, presidente da Câmara de Comércio de Bernardo de Irigoyen.
Os supermercados de Uruguaiana, por outro lado, se adaptaram para atender aos argentinos, contratando funcionários argentinos e aceitando pesos. Lojas e motoristas que transportam argentinos têm colhido os benefícios dessa nova dinâmica, com motoristas fazendo várias viagens por dia entre os dois países. Porém, alguns "passadores", que burlam a fiscalização alfandegária para transportar mercadorias ilegalmente, também estão aproveitando a diferença de preços para lucrar com o contrabando.
Comerciantes de Uruguaiana, por sua vez, comemoram o aumento no número de consumidores argentinos. "Estamos muito felizes com essa movimentação. Se continuar assim, vamos bater todas as metas", celebra Lidiane Zárate, gerente de um free shop na cidade.
O cenário de fronteira entre o Brasil e a Argentina tem mudado profundamente, com os argentinos atravessando a fronteira para aproveitar preços mais baixos, enquanto os brasileiros já não encontram as mesmas vantagens para fazer compras do outro lado da fronteira.