Brasil pode receber R$ 100 bi dos Emirados para investimentos

O CEO do Abu Dhabi Investment Group (ADIG), xeque Zayed Bin Rashid Bin Aweidha Al Qubaisi, visitou o Brasil no final do ano passado para realizar uma série de reuniões com autoridades nacionais, incluindo o presidente Lula, em Brasília, e o governador Cláudio Castro, no Rio de Janeiro.
Durante o encontro com Lula, foi discutida a possibilidade de investimentos que ultrapassariam R$ 100 bilhões. Esse montante abrange aportes para a restauração de pastagens, desenvolvimento industrial, exportação de produtos agrícolas, projetos de infraestrutura e até iniciativas na área de defesa. Essa proposta foi formalizada em um anúncio sobre a criação de um fundo com esse valor, realizado no dia 15 de fevereiro, em Miami, com a participação do empresário Mário Garnero.
No encontro com Castro, o xeque apresentou um plano de investimentos voltado para transportes e reurbanização de favelas na Baixada Fluminense e em São Gonçalo, incluindo a expansão da Linha 4 do Metrô. Este projeto pode demandar investimentos de até US$ 19 bilhões (aproximadamente R$ 112 bilhões), conforme uma estimativa preliminar, antes que estudos mais detalhados sejam realizados.
Enquanto o renomado fundo Mubadala Capital, dos Emirados Árabes Unidos, já está presente no metrô do Rio, controlando a concessionária da Linha 4, o grupo ADIG pode ampliar sua atuação ao trazer sua experiência em desenvolvimento urbano, impulsionando o crescimento na região metropolitana e fortalecendo ainda mais os investimentos do país no estado.
O ADIG também se comprometeu a investir US$ 500 milhões (R$ 2,87 bilhões) no projeto de supercana do empresário Eike Batista, que resultou na criação da empresa BRX, anunciada na terça-feira, 25, no Rio de Janeiro. Esse financiamento pode representar uma recuperação significativa para os negócios de Eike, que já foi o homem mais rico do Brasil.
Fundado em 1958 pelo pai do atual CEO, Rashid Bin Aweidha Al Qubaisi, o ADIG desempenhou um papel crucial no desenvolvimento do país, alinhando-se aos planos do fundador dos Emirados Árabes Unidos, xeque Zayed Bin Sultan Al Nahyan, o primeiro presidente da nação próspera do Oriente Médio.
O grupo foi responsável pela construção do principal aeroporto, da base aérea Al Dhafra, do sistema financeiro do país, incluindo o seu primeiro banco, e de grande parte da infraestrutura de Dubai e da capital Abu Dhabi, que até a década de 1960 era apenas uma cidadela com um único automóvel em circulação e apenas um edifício que não se parecia com mais do que cabanas pré-históricas.
Após contribuir para o desenvolvimento do país, o grupo, que atualmente possui ativos superiores a US$ 350 bilhões, começou a buscar projetos globalmente, participando da criação da nova capital administrativa da Malásia, Putrajaya, para onde o governo federal se transferiu em 1999.
O xeque Al Qubaisi enxerga oportunidades em diversos setores no Brasil, além da infraestrutura, incluindo áreas como defesa e energia. Ele informou ao vice-presidente, Geraldo Alckmin, e ao ministro da Defesa, José Múcio, sobre a assinatura de um acordo estratégico com a Akaer, uma empresa brasileira do setor aeroespacial, com a intermediação da Brasilinvest, de Garnero, e do Banco SEU. O Estadão revelou que um dos planos para salvar a Avibras da falência envolve uma possível fusão com a Akaer.
Entrevista
Qual é o potencial de investimentos dos Emirados Árabes Unidos no Brasil?
Vemos oportunidades nos setores de infraestrutura, petróleo e gás, e em exportações. Para os Emirados Árabes Unidos, o Brasil também pode trazer uma boa cooperação para a segurança alimentar, com investimentos de outros grupos, não necessariamente do ADIG. Eu, particularmente, estive discutindo com o governador do Rio de Janeiro alguns investimentos para a cidade do Rio e os seus arredores.
Como seria esse projeto?
Discuti a possibilidade de redesenvolvimento de áreas urbanas, com metrô e trens de alta velocidade, e prover casas alternativas para favelas. É possível levar estradas, metrôs e trens rápidos para redesenhar e conectar cidades próximas da capital carioca.
Seria um projeto de longo prazo, que levaria décadas?
É algo que daria para ser feito muito rapidamente. Conseguimos reconstruir Putrajaya, a nova capital administrativa da Malásia, em quatro anos. Com o apoio do governo, pode ser feito muito rápido também no Rio. É algo que já vimos nos Emirados Árabes. Fizemos uma revolução em Abu Dhabi e Dubai, com o desenvolvimento muito rápido das cidades e com grandes mudanças. Para o Rio de Janeiro também não seria algo pequeno. Pode levar a região a outro patamar, com o potencial de ter um grande efeito em sua economia.
Quanto investimento seria necessário para o Rio de Janeiro?
Poderia ser de até US$ 19 bilhões (R$ 112 bilhões), mas é um número que não podemos confirmar até haver um projeto mais aprofundado. O governo deve nos fornecer informações mais precisas, para podermos estimar a necessidade de recursos.
Esse valor inclui apenas esse projeto na região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro, ou inclui outros planos para o Estado, como a smart city planejada pela Brasilinvest com o Eike Batista, para a região do Porto de Açu?
Apenas para os arredores da capital do Estado. Este outro projeto ainda estamos avaliando.
Como o ADIG foi criado? Ele tem experiência em grandes projetos como esse?
Ele tem 66 anos, e, além da atuação em petróleo e gás, desenvolveu todo o setor bancário nos Emirados. Proveu toda a estrutura de financiamento do país, não apenas por meio de bancos, mas também com fundos soberanos, e depois começou a atuar globalmente. A mãe do sheik Zayed Bin Sultan Al Nahyan era da minha família e foi dele que recebi o meu nome. Pelas relações próximas, estivemos sempre juntos no plano de construir a nação e desenvolver vários setores.
Qual foi papel do grupo na construção da infraestrutura do país?
Fizemos grande parte da construção dos Emirados Árabes Unidos, incluindo as obras do Congresso do país, e o fundador do ADIG foi o chefe do Congresso. Construímos o aeroporto de Abu Dhabi e uma subsidiária administrou ele, até o governo assumir a gestão. A base aérea de Al Dhafra, onde os Estados Unidos operam os seus jatos, como o F-35, também foi feita pelo ADIG. Também a Cidade da Medicina Sheik Khalifa foi obra nossa. O ADIG teve um papel essencial para o país.
Essa experiência pode servir ao Brasil, mesmo sendo um país tão diferente?
O Brasil é um país muito grande, com muitos recursos e muito potencial para mais desenvolvimento. Ele pode ser um dos mais importantes do mundo. Somos um país muito pequeno com grande produção. Apesar de termos uma população de 11 milhões de pessoas, o nosso PIB tem 25% do tamanho do brasileiro, com US$ 500 milhões. Nos anos 1960, Abu Dhabi era toda feita de casas construídas com palmeiras (mostra um vídeo no celular). Apenas um único prédio tinha uma construção mais robusta, e nem era de tijolos. E havia um único carro na cidade. As pessoas viviam no mesmo tipo de construção de 3 mil anos atrás. Eu já viajei para muitos países, e agora estamos mais avançados do que muitas grandes cidades desenvolvidas. Nossos hotéis e companhias aéreas estão entre os melhores do mundo.
O que é preciso para promover esse tipo de desenvolvimento, mesmo sem ter os recursos de petróleo com que os Emirados contaram?
É preciso de muitos esforços de educação, de muitas discussões sobre o país. Não é fácil culturalmente para se adaptar. Mas especialmente o grande desafio é político. Tentamos ajudar diversos países, não só na Ásia, mas também na África, onde queríamos ajudar implementar projetos de desenvolvimento. Não vou citar os nomes. Mas encontramos muitas pessoas com interesses próprios, que só iniciariam os projetos se fizessem as suas fortunas no primeiro passo desses projetos. Assim, não funciona. Para fazer como os Emirados é preciso muita dedicação. Algumas pessoas com superpoderes políticos não pensam no desenvolvimento de acordo com o interesse da sociedade. É impossível apenas uma pessoa ou um grupo político colher todos os benefícios. Espero que não seja o caso no Brasil. Quando há muitas interferências políticas tudo entra em colapso, e mesmo quem está no poder sofre com esse colapso.
Como vê o Brasil institucionalmente e em termos de capacidade para promover mais desenvolvimento?
O Brasil é uma democracia, de fato. Houve, infelizmente, esse caso do plano de sequestrar o presidente eleito. Isso seria muito negativo e levaria a problemas políticos e econômicos. Seria um sinal negativo para os investimentos internacionais. Deixaria os investidores preocupados e eles fugiriam do País. A estabilidade é a coisa mais importante para trazer desenvolvimento. Sem ela, todos deixam de investir, mesmo que não falem abertamente isso. Infelizmente, muitas pessoas com poder não entendem isso. Como se diz, o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente. Mas, agora, está tudo indo na direção certa para o Brasil. Vamos ver o que vai acontecer. As ameaças para a estabilidade foram limpas.
Um dos grandes desafios atuais para os Emirados agora tem sido diversificar a economia e evitar a dependência do petróleo. Como isso está acontecendo, e os aportes no Brasil podem ajudar?
Estamos avançando em tecnologia, em IA, estamos nos diversificando para muitos setores. O Brasil traz muitas oportunidades para nós. É um país muito estável e o mundo dos investimentos está acompanhando tudo.