A 'moda tadala': remédio contra impotência sexual vira onda jovem – e perigosa

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No final da década de 1990, a descoberta de que o princípio ativo do Viagra – originalmente um medicamento para tratar angina, uma condição que causa dor no peito – poderia combater a impotência sexual causou um grande impacto no universo masculino. O remédio rapidamente se popularizou, incluindo no Brasil, embora seu uso ainda fosse cercado de certa vergonha, já que abordava um tema tabu. Anos depois, surgiu a tadalafila, ou "tadala", conhecida por ter a vantagem de ser consumida a longo prazo, com efeitos que duram dias, ao contrário do Viagra, cujo efeito é pontual, restrito a algumas horas – o tempo que cerca o ato sexual. Esse diferencial ajudou a amenizar o estigma associado ao uso do medicamento.

Nas últimas três décadas, o uso da tadalafila foi reinventado por uma geração mais jovem, que não sofre de impotência, mas a utiliza para potencializar seu desempenho nas academias e aumentar a massa muscular. Além disso, a droga também se popularizou nos blocos de Carnaval em todo o Brasil, com foliões em busca de mais energia para acompanhar a intensidade da festa.

Em 2024, a tadalafila foi o terceiro medicamento mais vendido no país, atrás apenas da losartana (para controle da pressão arterial) e da metformina (para diabetes). As vendas saltaram de 21,4 milhões para 31,4 milhões de caixas em quatro anos, um aumento de quase 50%, impulsionado pelo uso off-label, ou seja, para finalidades não indicadas pela bula e contrárias à recomendação médica. Nas academias, muitas pessoas consomem a substância pura ou misturada a outros compostos antes dos treinos, sem respaldo científico. O objetivo é aumentar a vascularização, o que, em teoria, promoveria maior fluxo sanguíneo nos músculos e aceleraria o ganho de massa. “O que motiva essas pessoas é a busca por resultados rápidos, mas elas ignoram que o próprio exercício físico já é suficiente para melhorar a circulação sanguínea”, afirma Daisy Motta, diretora científica da Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde.

Uma onda de influenciadores tem alimentado essa ideia, que é seguida por muitos, mas também causa arrependimentos. "Vi um atleta promovendo e quis testar, mas os efeitos não valeram a pena", relata JC, que preferiu não se identificar. Após sofrer com efeitos adversos, como enxaquecas severas, decidiu abandonar a substância. Da academia ao Carnaval, onde o uso de tadala se tornou quase que uma prática natural.

Em blocos de Carnaval no Rio de Janeiro, a tadalafila é vendida por ambulantes a 20 reais por comprimido de 20 miligramas (a versão mais fraca tem 5 miligramas), preço que chega a ser cinco vezes superior ao encontrado nas farmácias. O público-alvo está entre os 18 e 20 anos, faixa etária que não atingiu o pico de produção de testosterona, o principal hormônio sexual masculino. O objetivo, em grande parte, é aumentar a diversão. “Você vai sobreviver ao Carnaval com álcool, glitter e tadalafila”, comentou um jovem.

Especialistas alertam para os riscos desse uso indiscriminado, especialmente quando combinado com álcool e outras substâncias. “Não há estudos sobre as interações entre o medicamento e outras drogas, e a mistura com álcool aumenta as chances de relações sexuais sem proteção", afirma Luiz Otavio Torres, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia.

O foco excessivo no desempenho sexual, aliado ao medo de não ser capaz de ter uma ereção, leva muitos a recorrer à tadalafila, mesmo sem apresentar sinais de impotência. "Eles não estão tão preocupados com o prazer ou com a troca, mas sim em como serão vistos pelo outro. Vivemos a era das drogas para melhorar o desempenho", observa o antropólogo Bernardo Conde. Henri Ricardo, de 19 anos, explica: "Uso para dar potência, especialmente em histórias que duram uma madrugada inteira". No entanto, o uso do medicamento sem supervisão médica pode levar a uma dependência psicológica, o que torna o indivíduo incapaz de manter relações sexuais sem a substância. A bula do remédio alerta para efeitos colaterais, como dor de cabeça, tontura, problemas gástricos, dor muscular, náusea, fadiga e, em casos extremos, eventos cardiovasculares graves. "É um medicamento como qualquer outro, com seus benefícios e efeitos colaterais. Sem orientação médica, é totalmente desaconselhado", reforça José Ricardo Amadio, do Conselho Federal de Farmácia.








O uso de tadala nas academias ou durante o Carnaval revela uma contradição no comportamento da juventude. Enfatizada por sua liberdade, pela quebra de tabus e pela valorização da saúde mental, a geração jovem também se vê presa à busca por altos padrões de desempenho, seja no corpo ou na vida sexual. As redes sociais, nas quais muitos estão profundamente conectados, acabam intensificando a cobrança pela perfeição e pela fuga das frustrações. "Hoje, o jovem vive mais inseguro", avalia a psicanalista Junia de Vilhena, da PUC-Rio. Movida por todos esses fatores, a onda do uso de tadala parece longe de chegar ao fim, mesmo após o Carnaval.




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