Juiz goiano recebe punição máxima após comprar fazendas por R$ 33 mi

A coluna de Paulo Capelli no Metrópoles trouxe a informação que o juiz federal Alderico Rocha Santos recebeu a punição máxima da magistratura por decisão da Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1): ele foi aposentado compulsoriamente do cargo que ocupava no órgão. Rocha Santos, que ingressou no Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) em 1994 e na Justiça Federal em 1997, terá direito a vencimentos proporcionais ao tempo de contribuição previdenciária. Como juiz da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária de Goiás, o magistrado recebia salários de R$ 39,7 mil.
Rocha Santos foi condenado na representação disciplinar que apurava a compra de duas fazendas em Goiás, por R$ 33,5 milhões. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), ele não conseguiu comprovar a origem do dinheiro utilizado nas negociações. O voto da relatora do caso, desembargadora Maria do Carmo Cardoso, foi acompanhado por outros 13 magistrados que integram a Corte Administrativa do TRF-1. Os desembargadores Marcelo Albernaz e Carlos Moreira Alves votaram pela suspensão por 90 dias e Urbano Leal Berquó Neto, pela aplicação da pena de censura.
O caso foi revelado pela coluna em julho de 2024. Rocha Santos foi denunciado pelo MPF após ser acusado por Adriane Borges Inácio Campos, dona da Fazenda Mata Azul, em Britânia (GO), comprada pelo juiz por R$ 15 milhões em 2022. A denúncia apontava, segundo a procuradora Ana Paula Mantovani, “atos vedados à magistratura (gestão de empresa), sucessivos atos escandalosos e atentatórios à dignidade, honra e ao decoro da função de juiz”, além do “uso dos contatos e da posição de juiz para fins privados”.
“O valor total apenas das duas fazendas adquiridas pelo magistrado em 2022 supera em mais de dez vezes o patrimônio declarado em 31/12/2008, o que reforça a necessidade de aprofundamento das investigações para análise da licitude da origem dos bens, uma vez que o exponencial crescimento patrimonial, salvo melhor juízo, não parece guardar compatibilidade com os rendimentos recebidos pelo desempenho de cargos públicos”, escreveu a procuradora na denúncia.
Entre as acusações, Adriane Borges apontou pagamentos de parcelas da fazenda feitos por terceiros, por meio de cheques ou transferências. Os depósitos incluíam R$ 4,1 milhões do jogador de futebol Arthur Melo, que atua na Europa e já foi campeão da Copa América com a Seleção Brasileira. Rocha Santos confirmou a transferência e disse tratar-se do pagamento de uma propriedade vendida por ele ao atleta.
Adriane Borges anexou ao processo uma série de mensagens trocadas com Alderico Rocha Santos, evidenciando diversos desentendimentos sobre a compra da fazenda. Os principais motivos eram atrasos nos pagamentos, juros da negociação, entrega de comprovantes e a retirada de pertences da ex-proprietária.
“Adriane, você é tão mau-caráter que merece uma resposta à altura do seu comportamento. Nesse áudio, você diz que a conta não é sua; eu já vou passar para o seu irmão, o Rilton, e para todos os corretores. Você é muito mau-caráter, você é nojenta de pessoa ruim”, diz o juiz em um dos diálogos.
“Eu tenho responsabilidade e sei que você pagou, tenho tudo registrado. Nenhum comprovante está no seu nome, tudo foi pago por terceiros. Mas como eu sei que o dinheiro veio de você, é diferente. Agora pode ter certeza: o que você mandou pagar tem nome por nome, de todo mundo de quem você pegou dinheiro para pagar as minhas coisas. Está tudo documentado”, respondeu Adriane.
Ameaças a testemunhas
A ex-proprietária da Fazenda Mata Azul entrou com outra representação disciplinar contra Alderico Rocha Santos após o início da primeira investigação. Ela acusou o magistrado de ameaçá-la e de tentar intimidar funcionários da fazenda. O caso foi apresentado pelo MPF à Corregedoria do TRF-1, também com pedido de aposentadoria provisória.
Nas mensagens entregues por Adriane Borges ao MPF, Rocha Santos cita os depoimentos prestados, faz ofensas e promete acionar “amigos pistoleiros” para colocar as testemunhas “na linha”.
“Comandante Alex, tudo bom? É Alderico que está falando. Rapaz, estou aqui no Wilson. Alex, ouvi um depoimento seu em um procedimento da Adriane contra mim. Cara, que coisa nojenta é você. Você é um mentiroso, você é um vagabundo, não vale nada. No seu depoimento, falou que, naquele dia, quando eu e o Wilson fomos até a porteira e o policial veio, passamos a tarde toda interditando a estrada. Você está doido, cara? Os policiais vieram aqui para casa e ficaram a tarde toda. Cara, você é muito vagabundo, Alex, você não presta”, diz o juiz em um áudio enviado a um funcionário da fazenda.
Para Adriane, o magistrado enviou mensagens afirmando ter amigos “brigões”, com dinheiro e “coragem” para enfrentá-la. Rocha Santos chegou a encaminhar o áudio de um desses amigos, identificado como Antônio Alves Ferreira, dizendo que era melhor “colocar os outros para brigar pela gente”.
“Vamos tomar cachaça, que é muito melhor do que brigar, entendeu? Brigar a gente faz assim: coloca os outros para brigar pela gente e fica de fora, batendo palma. É assim que prendemos no Maranhão, entendeu?”, diz o áudio do suposto amigo. “E aí, Adriane, esse áudio que te passei é do meu amigo, compadre, padrinho da minha filha, amigo-irmão, coragem demais, do Maranhão. Onde eu colocar o pé, ele coloca o pescoço. Temos um pacto: se mexer com ele, mexeu comigo; se mexer comigo, mexeu com ele”, afirma Rocha Santos.
Troca de acusações com Cachoeira
O juiz Alderico Rocha Santos atribui as denúncias feitas contra ele ao empresário Carlinhos Cachoeira, com quem tem desentendimentos desde que expediu um mandado de prisão contra ele durante a Operação Monte Carlo, em 2012. Essa operação investigou o envolvimento de Cachoeira com políticos e empresários. Em ofício enviado à corregedoria do MPF, o magistrado disse que Cachoeira “mandou recado” afirmando que iria “desmoralizá-lo publicamente”.
Cachoeira alega que o juiz tem um patrimônio superior a R$ 1 bilhão. Segundo Rocha Santos, o empresário teria subornado uma sobrinha sua para que entregasse documentos que comprovassem essa acusação. Um áudio divulgado pela coluna no dia 13 de fevereiro mostrava o magistrado ameaçando expor a sobrinha.
“Hoje tive uma decepção tão grande com você. O que aconteceu? Cachoeira, na época em que me expôs, eu não estava preparado para a situação. Aí fiquei sem defesa. Depois que ele fez tudo aquilo, eu disse: ‘De agora em diante, vou pegar no pé dele para saber tudo o que está acontecendo’. E, ao investigar, descobri que você já veio duas vezes conversar com ele e está vindo na próxima semana trazer documentos contra mim. Dizem que ele já te mandou dinheiro”, acusou o magistrado.
“Você pode trazer os documentos que quiser, não tenho nenhum receio. A única coisa que vai acontecer é que eu vou te expor publicamente. Vou falar de uma sobrinha usuária de drogas. Eles te chamam de ‘cabelo de milho’, então, com certeza, foi você. A única coisa que vai acontecer é que vou te expor”, disse o juiz.
Patrimônio
O juiz Alderico Rocha Santos entrou em contato com a coluna e se manifestou por meio de mensagens de áudio:
“Em 2004, 2005, eu já tinha 1.276 alqueires de terra, três vezes mais do que tenho hoje, que são 400 e poucos alqueires, avaliados em R$ 33 milhões. E, em 1991, por direito hereditário, minha mãe faleceu e eu já tinha uma fazenda no Maranhão.”
“Fui advogado da Caixa Econômica, juiz estadual, procurador da República, trabalhei em bancos. Então, quando ingressei na Justiça Federal, meu patrimônio já era três vezes maior do que o que tenho hoje”, afirmou.