A crescente presença de políticos gravando fiscalizações em unidades de saúde tem gerado preocupação entre médicos, que relatam insegurança diante da exposição nas redes sociais. No mês passado, um caso em Felício dos Santos (MG) teve desdobramentos trágicos: um paciente de 93 anos faleceu após o vereador Wladimir Canuto (Avante) entrar na sala vermelha de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) enquanto ele recebia atendimento de emergência. Segundo relato de uma médica à polícia, a atitude do parlamentar desestabilizou a equipe, colocando o paciente em risco.

Canuto nega ter invadido a sala ou agredido profissionais e afirma que apenas buscava respostas sobre a demora no atendimento. Em um vídeo publicado nas redes sociais, ele justificou sua ação alegando que seu papel como fiscal do município inclui supervisionar o trabalho dos funcionários públicos.

Diante desse cenário, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) recomendou, por meio de uma circular, que unidades de saúde impeçam a entrada de vereadores em áreas restritas. Caso haja insistência, a orientação é acionar a polícia e registrar boletim de ocorrência.

Em vídeo postado nas redes, Wladimir Canuto, à esquerda, justifica invasão a UBS em Minas; e Kleber Ribeiro, de SP, entra em unidade com paciente — Foto: Reprodução

Intimidação e demissões

Casos semelhantes vêm se multiplicando. Uma médica de São Paulo relatou ter sido demitida após um político entrar em seu consultório filmando e expondo sua rotina de trabalho sem autorização. Ela havia chamado uma paciente três vezes sem sucesso e, mesmo assim, foi alvo de críticas públicas.

— Ele entrou gritando, filmando a tela do meu computador e meu rosto sem permissão. Me senti constrangida, coagida e humilhada — desabafa a profissional, que pediu anonimato.

Em Guarulhos (SP), o Cremesp acionou a Justiça contra o vereador Kleber Ribeiro (PL), que costuma gravar fiscalizações nos hospitais. A entidade argumenta que ele age de forma intimidadora, usando colete à prova de balas e seguranças, e instiga a população contra os médicos. A juíza federal Letícia do Rêgo Barros determinou restrições às suas visitas, proibindo-o de portar armas e de entrar com mais de um assessor, sob pena de multa de R$ 50 mil. Ribeiro, no entanto, afirmou ao O Globo que continuará suas fiscalizações e negou que tenha intenção de atacar profissionais da saúde.

Impactos e reações

A prática de políticos que expõem médicos em redes sociais para ganhar visibilidade se tornou recorrente. Um dos primeiros a adotar esse expediente foi Gabriel Monteiro, ex-vereador do Rio de Janeiro, que teve seu mandato cassado e, em 2024, foi condenado por abuso de poder. Hoje, ele está preso.

Diante desse cenário, a Associação Paulista de Medicina (APM) criou um canal para denúncias contra parlamentares que intimidam profissionais da saúde. O presidente da entidade, Antonio José Gonçalves, alerta que essas ações, longe de contribuírem para melhorias no sistema público de saúde, geram um ambiente hostil e prejudicam os médicos da linha de frente.

Outro exemplo é o do médico Flávio Costa, de Valinhos (SP), que foi alvo de um ataque público durante as eleições de 2024. O então candidato a prefeito Franklin Duarte de Lima (PL) o acusou de não comparecer à Unidade de Pronto-Atendimento (UPA), embora sua função fosse de médico regulador na Secretaria de Saúde. Costa acabou demitido e agora processa o ex-candidato por danos morais.

Para o psiquiatra Augusto Ribeiro, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), essas ações revelam a falta de propostas concretas dos políticos para melhorar o sistema de saúde:

— Se tivessem projetos reais, não precisariam aparecer filmando em hospitais. Essas abordagens expõem profissionais que já trabalham em condições precárias, os humilham e desmotivam. No fim, quem sofre é a população.