Aliança Brasil-China intensifica preocupações de Trump antes do 'tarifaço'

O governo Trump demonstra crescente apreensão quanto à presença chinesa no Brasil, fator que pode comprometer as relações entre Washington e Brasília. Este tema tem ganhado relevância em discussões internas do governo americano e em comunicações com autoridades brasileiras, especialmente considerando a atual presidência brasileira do BRICS.
A partir da próxima quarta-feira (12), novas tarifas americanas sobre o aço entrarão em vigor, afetando significativamente o Brasil. A justificativa de Washington é que empresas chinesas estariam utilizando o território brasileiro como intermediário para seus produtos, que posteriormente são redirecionados ao mercado americano - prática conhecida como "triangulação", que visa contornar barreiras comerciais diretas entre China e Estados Unidos.
Diante deste cenário, Trump defende a implementação de tarifas de 25% como medida para impedir que a China utilize o Brasil como rota alternativa para acessar o mercado americano.
O Brasil não aceita essa ideia. Em uma pesquisa feita pela Amcham, a Câmara de Comércio Brasil-EUA, o argumento apresentado pela Casa Branca também é contestado. "O Brasil é o 9º maior produtor mundial de aço, representando 1,8% da produção mundial, e o 8º maior produtor de alumínio primário", diz o informe.
De acordo com a Câmara Americana de Comércio (Amcham), o Brasil evidencia significativa preocupação com práticas comerciais desleais nas importações de aço e alumínio. Esta inquietação se materializa nas 45 medidas de defesa comercial implementadas pelo país contra produtos desses setores, representando 29,4% do total de medidas protecionistas brasileiras. Notavelmente, 27 dessas medidas são direcionadas especificamente à China, destacando a dimensão do problema nas relações comerciais sino-brasileiras.
"Das importações brasileiras provenientes da China do setor de aço, 78,4% são produtos laminados de ferro e aço. Por outro lado, as vendas de produtos de aço do Brasil para os EUA são de aço semiacabado (76,3%). Desta forma, dado o nível de agregação de valor dos produtos comercializados entre Brasil e China e Brasil-EUA, é improvável que os produtos de aço importados pelo Brasil oriundos da China estejam sendo utilizados na reexportação aos EUA, conforme possibilidade aventada pela Ordem Executiva [governo Trump]", afirmou a Amcham.
A influência chinesa tem sido um tema recorrente nas discussões entre Brasil e Estados Unidos. Antes mesmo das eleições americanas, uma equipe do governo brasileiro se reuniu com aliados e membros da base de Trump, onde foi transmitido um alerta claro: Washington está preocupado com o crescimento da presença chinesa no Brasil e na América Latina.
Embora o comércio em si não represente um problema, investimentos significativos em infraestrutura, especialmente em portos e setores com potencial geoestratégico, são vistos como inaceitáveis. O porto de Chancay, no Peru, foi citado como um exemplo das ambições chinesas na região. Durante os encontros, o Brasil destacou que, apesar das preocupações americanas, os EUA não apresentavam alternativas viáveis, dada a falta de planos de investimento ou assistência.
O alerta sobre a China também foi parte das conversas entre os governos Lula e Biden, mas atualmente há uma percepção de que a resposta americana poderá ser mais severa, trazendo prejuízos ao Brasil. O setor privado teme que as tarifas sejam utilizadas como ferramenta de pressão para afastar o Brasil da China em áreas estratégicas. Outro ponto de tensão é a intenção do Itamaraty de incluir a desdolarização na agenda do BRICS, um tema que interessa particularmente à China e que poderia diminuir a influência do dólar no comércio internacional.
A partir de 2 de abril, o governo dos EUA planeja aplicar tarifas recíprocas, alegando "injustiças" enfrentadas por produtos americanos no mercado brasileiro. Na semana passada, o Brasil iniciou contatos de alto nível com a administração Trump para abordar essas preocupações. Em uma videoconferência, o vice-presidente Geraldo Alckmin argumentou com o secretário de Comércio, Howard Lutnick, que os EUA têm um superávit de US$ 200 bilhões na balança comercial com o Brasil nos últimos dez anos. No entanto, essa argumentação foi recebida com indiferença. Um dos tópicos principais discutidos foi a taxa sobre o etanol, imposto pelo Brasil. Trump, sob pressão interna, busca garantir que os estados americanos com forte produção de milho sejam beneficiados por sua política comercial, visando abrir o mercado brasileiro para o etanol de milho dessas regiões.
Fontes que tiveram acesso às conversas revelaram que a questão chinesa foi levantada pelos norte-americanos. Quando a Casa Branca aborda esse tema, o governo Lula costuma ressaltar que o Brasil mantém uma relação "madura e estratégica" com a China há décadas, destacando que os chineses são os maiores parceiros comerciais do país desde 2009. Brasília não vê contradição entre suas relações com a China e os EUA.
Na sexta-feira (7), o chanceler Mauro Vieira teve uma reunião telefônica com o novo representante de Comércio da Casa Branca, Jamieson Greer. No entanto, a reunião foi considerada "burocrática", com cada lado apenas apresentando sua agenda de interesses, sem espaço para negociar uma mudança na postura ameaçadora dos EUA.
Nesta semana, o setor privado brasileiro planeja utilizar os canais oficiais abertos pelo governo Trump para apresentar seus argumentos sobre a reciprocidade nas tarifas. Assim como o governo, o setor enfatizará que a taxa média imposta pelo Brasil sobre produtos norte-americanos é de apenas 2,7% e que vários itens importantes do fluxo bilateral estão isentos de tarifas. Contudo, negociadores temem que esses argumentos não sejam suficientes diante da insistência da Casa Branca em distanciar a China do Brasil.