Mais da metade das emendas de bancada fogem das prioridades do governo

Em mais um capítulo da disputa entre o Legislativo e o Executivo sobre o controle dos recursos, mais da metade das emendas de bancada voltadas para obras no Orçamento de 2025 foram direcionadas pelos parlamentares a projetos que não estão na lista de prioridades do governo federal. Esses valores revelam o descompasso entre os interesses do Congresso e do governo, um dos principais pontos de tensão entre os Poderes que têm se intensificado nos últimos anos. No episódio mais recente, deputados e senadores aprovaram, na quinta-feira, uma resolução que cria uma brecha para manter em sigilo a autoria das emendas coletivas, incluindo as emendas de bancada.
O levantamento é parte de um estudo realizado pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados. O volume de recursos destinados a obras específicas representa uma pequena parte das restrições, 8% do total. A maior parte desses recursos é voltada para o custeio, ou seja, para o pagamento de despesas correntes dos municípios e estados, como a manutenção de postos de saúde e escolas, o que tende a trazer benefícios políticos mais rápidos.
Contrariando a legislação
Do total destinado a obras, 57% (aproximadamente R$ 650 milhões) foram alocados em empreendimentos que não são considerados prioritários pela União. Esse procedimento infringe a previsão da lei aprovada pelo Congresso no final do ano passado, após determinação do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que visava evitar que as emendas de bancada fossem direcionadas a projetos estruturantes.
Na prática, isso significa que as obras não estão vinculadas aos projetos previstos pelo governo federal em uma ferramenta chamada Cadastro Integrado de Projetos de Investimento (CIPI), o que, segundo o estudo, foi desrespeitado na maioria dos casos. Para os técnicos de orçamento da Câmara, essa ferramenta ajuda a evitar a proliferação de obras inacabadas ou mal executadas.
A expansão das emendas nos últimos anos tornou-se um ponto central de atrito devido ao aumento das verbas sob controle do Congresso. Em 2015, o total empenhado foi de R$ 5,6 bilhões, mas esse valor saltou para R$ 46,7 bilhões no ano passado, já corrigido pelo IPCA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou o que chamou de “sequestro do Orçamento” no ano passado, enquanto os congressistas buscavam ampliar ainda mais seu poder. O confronto chegou ao STF, que inicialmente determinou o fim das emendas de relator, que faziam parte do orçamento secreto.
Em 2024, a Corte tomou novas medidas, suspendendo os repasses até que novas regras de transparência fossem elaboradas. O Congresso aprovou um projeto de lei no final do ano passado, já sancionado por Lula. Na quinta-feira, foi aprovada uma resolução interna, mas com lacunas que permitem que os responsáveis pelas emendas coletivas, como as de bancada e de comissão, permaneçam sem identificação.
De acordo com os consultores da Câmara, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) considera a vinculação ao CIPI como necessária para que os projetos sejam considerados estruturantes. A LC 210/24 (lei com regras de transparência das emendas) determina que é responsabilidade das bancadas estaduais fornecer informações sobre custo, objeto e localização dos projetos ao Poder Executivo para garantir o registro adequado.
As normas em vigor estipulam que obras estruturantes são aquelas registradas no CIPI pela União, contendo previsões e estimativas de custos.
O estudo aponta que a maior parte dos recursos das emendas de bancada foi direcionada ao custeio (58%). Também foram alocados 22% para "equipamentos e material permanente", 12% para projetos sem objeto definido e 8% para obras específicas. As emendas de bancada totalizam R$ 14,23 bilhões no Orçamento de 2025, o que representa R$ 528,9 milhões por bancada, distribuídos entre 254 emendas.
Para os técnicos da Câmara, o direcionamento para o custeio é mais “fácil” para os parlamentares, pois não requer um estudo aprofundado ou a seleção de projetos de obras. Além disso, essa escolha oferece uma maneira de atender mais rapidamente governadores e prefeitos aliados.
"O aumento das emendas para custeio indica uma preferência por atender às necessidades imediatas dos municípios, em comparação com as emendas para investimentos. Essa mudança pode ser vista como uma resposta eleitoral às demandas urgentes, especialmente nas áreas de saúde, como forma de garantir a continuidade dos serviços", afirma o estudo.
PSOL acionará o STF
Além dos desdobramentos no Congresso e no Executivo, o debate sobre as emendas continua no Supremo Tribunal Federal. O PSOL anunciou ontem que recorrerá à Corte contra a resolução aprovada no Congresso, especificamente em relação à brecha que permite que as emendas coletivas sejam apresentadas em nome dos líderes partidários, sem a individualização da autoria.
“Trata-se de um atalho para que os líderes partidários indiquem as emendas de comissão sem transparência, rastreabilidade e sem indicar os reais autores das propostas. Troca-se a figura da emenda de relator, mas não se alcança o objetivo de transparência e rastreabilidade. Para nós, é claro que os critérios do STF não foram cumpridos”, afirma o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).
O Partido Novo também deve enviar um pedido semelhante na próxima semana. Ambos os partidos votaram unanimemente contra a proposta, que foi aprovada por ampla maioria na Câmara (361 votos a 33) e no Senado (64 votos a 3), com apoio do PT ao projeto de lei. Na quinta-feira, antes da votação, Dino afirmou que o cenário ainda está "longe do ideal", mas reconheceu que “passos concretos foram dados”. Após a aprovação, o ministro indicou aos aliados que aguardariam manifestações no processo para se posicionar.
Parte dos parlamentares defende que as emendas das comissões sejam, por definição, coletivas, e, portanto, não faria sentido identificar apenas alguns deputados ou senadores como responsáveis, como solicitado.