Parlamentares driblam STF e destinam só 20% das emendas para infraestrutura

Folha de S. Paulo
Parlamentares driblam STF e destinam só 20% das emendas para infraestrutura Reprodução

As bancadas estaduais de deputados e senadores alocaram apenas 20% dos R$ 14,2 bilhões disponíveis em suas emendas para o Orçamento de 2025 destinado à realização de obras. Essa distribuição ignora a determinação do STF (Supremo Tribunal Federal), que exige que esses recursos sejam aplicados em projetos estruturantes e investidos coletivamente, evitando a fragmentação entre os parlamentares. 

Para cada R$ 5 das emendas de bancada, que devem ser indicadas coletivamente pelos parlamentares de cada estado, R$ 4 serão utilizados em custeio de serviços ou na aquisição de máquinas e equipamentos. Com essas modalidades, os congressistas podem dividir os valores entre si para atender às suas bases eleitorais nos municípios.

Essa divisão dos recursos foi revelada em um estudo da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, encomendado pela deputada Adriana Ventura (Novo-SP) a pedido da Folha.

"Os dados sugerem distanciamento do objeto das emendas de bancada estadual do modelo preconizado", escrevem os autores do estudo. "A análise da legislação e dos dados mostra que ainda não há clareza suficiente sobre o caráter estratégico e estruturante das emendas de bancada estadual. A definição na legislação é vaga, o que dificulta sua aplicação prática."

A divisão das emendas de bancada entre os parlamentares é comumente chamada no Congresso de "rachadinha", referindo-se à distribuição de verbas que deveriam ser de uso coletivo. Essa prática já recebeu críticas do STF e de especialistas em finanças públicas, uma vez que esses recursos deveriam ser destinados a viabilizar projetos estruturantes em cada região. Recentemente, uma lei aprovada pelo próprio Congresso em dezembro, em resposta à demanda do STF por maior transparência na gestão desses recursos, diz que "as emendas de bancada somente poderão destinar recursos a projetos e ações estruturantes [...], vedada a individualização de ações e de projetos para atender a demandas ou a indicações de cada membro".

Essa modalidade, entretanto, diminui o potencial de ganhos políticos individuais para os congressistas. Poucos dias após a aprovação da lei, os parlamentares se reuniram e decidiram destinar a maior parte das verbas para ações que podem ser individualizadas. Dos R$ 14,2 bilhões disponíveis, apenas 8% serão utilizados em obras com objetivos específicos.

O restante dos recursos será distribuído entre ações e programas que deputados e senadores poderão direcionar, na fase de execução, para municípios ou associações que são controladas por aliados. Cada estado receberá, neste ano, R$ 528 milhões dessas emendas, que têm execução obrigatória. Esses valores ainda precisam ser ratificados pelo Congresso, que deve aprovar o Orçamento de 2025 nesta semana.

O total destinado a obras neste ano será inferior ao montante que será usado para a compra de máquinas e equipamentos, que representará 22% das verbas, segundo a consultoria da Câmara. Além disso, 58% dos recursos serão alocados para custeio, especialmente em transferências diretas aos municípios.

A preferência por custeio, conforme apontam os técnicos no documento, pode ser atribuída à dificuldade que os entes federativos enfrentam para utilizar rapidamente os recursos recebidos. Enquanto as verbas para a manutenção de serviços públicos são praticamente todas repassadas, o dinheiro destinado a obras é frequentemente pouco utilizado no ano fiscal devido à lentidão na sua execução.

Além disso, as grandes obras realizadas pelos governos estaduais geralmente não trazem benefícios políticos significativos para os congressistas, que preferem alocar recursos para prefeitos aliados, que podem ajudá-los em suas reeleições. Assim, ao longo dos anos, essas emendas perderam seu caráter estruturante e passaram a ser direcionadas para demandas locais, conforme destaca a consultoria.

Entre 2021 e 2024, conforme apontado no estudo, as transferências para os municípios cresceram 303% em relação ao período de 2017 a 2020. Por outro lado, os recursos destinados aos estados permaneceram sem alteração.

"Normalmente, projetos estruturantes e demais ações estratégicas de elevado impacto estadual ou regional são executados pelo estado ou pela União. O crescimento das transferências para os municípios é um indício da crescente preferência por projetos e ações de impacto local, o que se distancia do objetivo inicial das emendas de bancada", dizem os autores.

A alocação de recursos para custeio ou aquisição de equipamentos, conforme afirmam os técnicos no estudo, não implica necessariamente que essas ações não possam ser estruturantes. Isso dependerá da compatibilidade entre as indicações e "as prioridades e políticas públicas", além das necessidades específicas de cada estado.

Para evitar restrições mais rigorosas, o Congresso identificou 20 áreas prioritárias na lei que regulamenta as emendas, abrangendo praticamente todos os serviços públicos como ações estruturantes. 

A deputada Adriana Ventura argumenta que esse modelo gera desigualdade na distribuição das emendas. “Parlamentares indicam milhões sem seus nomes aparecerem, enquanto outros ficam sem nada. Estamos institucionalizando a rachadinha e enganando a população com um sistema que não resolve nada”, afirmou.

A pesquisa também aponta uma fragilidade que permite a individualização dos recursos, evitando a construção coletiva. As bancadas autorizam emendas para os estados, mas alteram a forma de aplicação na fase de execução, distribuindo as verbas entre as prefeituras que são aliadas.

"Dessa forma, fica reduzida a eficácia do controle prévio das programações", afirma o documento. O artifício continua autorizado na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025.

Em 2023, o Congresso inicialmente destinou R$ 4,7 bilhões em recursos aos estados, mas esse montante foi reduzido ao longo do ano. Apenas menos da metade, totalizando R$ 2,3 bilhões, foi efetivamente empenhada. Por outro lado, as transferências para os municípios que eram de R$ 890 milhões no Orçamento aprovado, foram elevadas para R$ 3,5 bilhões com as alterações realizadas.

A tentativa de individualizar as emendas de bancada, mesmo diante dos vetos da legislação e do STF, pode gerar novos conflitos entre os congressistas e o governo. A consultoria da Câmara ressalta que a lei aprovada deixa alguns aspectos em aberto, como não ser "clara quanto à proibição de contemplarem múltiplas obras no âmbito de um estado" e inserir "categorias conceituais confusas". Os técnicos afirmam que o governo precisará esclarecer esses problemas ao implementar as emendas.





Buscar

Alterar Local

Anuncie Aqui

Escolha abaixo onde deseja anunciar.

Efetue o Login

Recuperar Senha

Baixe o Nosso Aplicativo!

Tenha todas as novidades na palma da sua mão.