Ocupando dois Amazonas, pecuária segue com baixa eficiência e desmatamento

No Brasil, a pecuária é a atividade que mais ocupa espaço no campo, abrangendo 64% da área destinada às atividades rurais, o que equivale a aproximadamente 2,8 milhões de quilômetros quadrados. Isso representa uma área de pastagem quase duas vezes maior que o estado do Amazonas.
Entretanto, essa grande extensão não se reflete no desempenho econômico. Em 2023, a pecuária respondeu por apenas 17% do valor bruto da produção desse setor, conforme dados do Ministério da Agricultura e Pecuária. Essa discrepância revela um problema persistente: a utilização ineficiente da terra.
"A ineficiência é ainda uma marca da pecuária brasileira", conclui Paulo Barreto, pesquisador sênior do Imazon (Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia), depois de passar um ano e meio mergulhado em dados para compilar uma pesquisa.
Mas Barreto e sua equipe não se limitam a identificar problemas. Eles buscam entender como a expansão da pecuária evoluiu entre 2000 e 2023 e querem explorar opções para tornar essa atividade mais eficiente e com menor impacto no meio ambiente.
Os achados estão em um estudo divulgado nesta quinta-feira (13/03), ao qual a DW teve acesso exclusivo. Este trabalho integra a iniciativa Amazônia 2030, comandada pelo Imazon, em colaboração com o Centro de Empreendedorismo da Amazônia, Climate Policy Initiative e o Departamento de Economia da PUC-Rio.
A produção agropecuária representa uma fonte significativa de riqueza para o Brasil. Em 2023, gerou R$ 677,6 bilhões, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), contribuindo com 6,9% do PIB nacional, que totalizou R$ 10,9 trilhões.
Avanços, mas com desmatamento
O estudo apresenta os progressos observados nas últimas décadas. Entre 2000 e 2023, a área ocupada por pastagens cresceu 5%, enquanto o tamanho do rebanho aumentou 40%. A produção de carne também teve um crescimento expressivo de 130%.
"A produção de carne por hectare aumentou em 11% no total do Brasil e 13% nos estados da Amazônia Legal", mostra a pesquisa.
Diversos indicadores que avaliam a produtividade também sinalizam progressos: houve um crescimento na utilização da inseminação artificial, no confinamento e uma melhoria nas pastagens. No entanto, um método "convencional" e prejudicial ainda persiste, deixando sua marca: o desmatamento para a ampliação da produção.
"Se fosse preciso fazer só uma coisa para aumentar a produtividade seria combater o desmatamento. As outras aconteceriam por consequência. Os incentivos para adotar tecnologia para melhorar pasto, sozinhos, não funcionam", comenta Barreto com base nos dados que levantou.
Durante o período em questão, para cada área de pasto reformado que corresponde a um campo de futebol, um equivalente em floresta foi desmatado. Na Amazônia, essa proporção se intensificou, com 2,35 campos desmatados para cada campo de pasto reconstituído.
"Isso ressalta o papel central da Amazônia na expansão da pecuária de alto impacto ambiental e deficiências para melhoria dos pastos existentes", afirmam os cientistas que assinam o estudo.
Em todo o território brasileiro, mais de 50% dos pastos (64%) têm qualidade considerada baixa ou intermediária.
O custo de não enfrentar punições
Desmatar a floresta nativa na Amazônia tem um custo elevado. Cálculos realizados pelo Imazon indicam que o produtor rural gasta cerca de R$ 1,5 mil para cada hectare de floresta desmatada. A recuperação das pastagens exige um investimento ainda maior, variando entre R$ 1,6 mil e R$ 3 mil, mas traz benefícios em termos de produtividade – o que, a longo prazo, torna essa alternativa mais econômica para os pecuaristas.
"Infelizmente, muitas vezes o produtor não está capitalizado, e as linhas de crédito não estão necessariamente direcionadas para isso. Então, a lógica adotada por parte do setor é expandir [desmatar] dentro da propriedade para aumentar o rebanho", analisa Lisandro Inakake, gerente de Projetos em Cadeias Agropecuárias do Imaflora, que não participou do estudo.
O crédito rural é uma ferramenta poderosa, ainda pouco utilizada, para controlar o desmatamento, segundo os pesquisadores. Embora os investimentos na pecuária tenham aumentado nos últimos anos, a maior parte dos recursos é destinada à compra de bois, enquanto apenas uma fração é aplicada em melhorias de produtividade, como a reforma de pastagens e a inseminação artificial. Além disso, a impunidade desempenha um papel importante nessa situação. Quando os produtores rurais não enfrentam punições por desmatamento para expandir suas áreas de pastagem, eles tendem a escolher essa alternativa.
"Estudos confirmam que, onde houve maior controle ambiental e aplicação de multas, produtores adotaram técnicas para melhorar a produtividade em áreas já abertas, conciliando crescimento agropecuário e conservação florestal", afirma a pesquisa.
Engajamento na pecuária
Em resposta à DW, a CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil) não se pronunciou.
Inakake, do Imaflora, destaca que, ao longo dos anos, o sistema produtivo da pecuária se tornou bastante profissionalizado, apresentando bons exemplos de comprometimento do setor em aprimorar seu desempenho. Um exemplo recente é o famoso "boi China", que se refere a uma demanda específica do mercado premium chinês a partir de 2015. Essa exigência pedia carne de animais com no máximo 30 meses de idade, com preços que poderiam chegar a 30% mais altos.
Os pecuaristas brasileiros que estavam mais organizados responderam rapidamente a essa demanda, resultando em um aumento nas exportações. As vendas para a China coincidiram com a expansão das áreas de pastos de alta qualidade, a diminuição de pastos inferiores, o uso de confinamentos para engorda e a implementação da inseminação artificial, conforme aponta a pesquisa.
"Para conseguirem vender o 'boi China', eles recorrem a tecnologias como rastreabilidade, rotação de pastagem, etc. Isso mostra que os produtores se movem também com base nos estímulos do mercado", comenta o especialista do Imaflora, lembrando que a China é hoje o principal destino da carne brasileira exportada.
Oportunidade Limitada
A experiência brasileira já evidencia diversas estratégias eficazes que promovem a eficiência e a preservação florestal, como o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e a Moratória da Soja. Combinadas, essas iniciativas contribuíram para uma redução do desmatamento de aproximadamente 80% entre 2003 e 2012 e incentivaram práticas agrícolas mais produtivas, de acordo com o estudo.
"Além de tornar a fiscalização ambiental mais eficaz, é necessário destinar terras públicas de acordo com a Constituição para evitar o desmatamento especulativo", menciona Barreto, fazendo o elo entre grilagem e pecuária.
No final de 2023, o governo federal implementou um programa voltado para a recuperação de pastagens degradadas. O objetivo é transformar 400 mil quilômetros quadrados em áreas produtivas ao longo dos próximos dez anos. No entanto, o agravamento da crise climática representa um risco para o setor, que se intensifica com o tempo.
"Especialmente a redução das chuvas ameaça as oportunidades para o aproveitamento produtivo de pastagens abandonadas. Se a gente não agir rapidamente, a janela para usar a área já degradada fica mais difícil, porque tem regiões secando muito rápido", afirma Barreto.
Em 2022, a agropecuária e o desmatamento foram responsáveis por 77% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, conforme revela um relatório recente do projeto Descarbonização e Política Industrial: Desafios para o Brasil, elaborado pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.