Com limitação do 5G, internet via satélite atinge meio milhão de assinantes no Brasil

O GLOBO
Com limitação do 5G, internet via satélite atinge meio milhão de assinantes no Brasil Reprodução

Depois da chegada do 5G ao país, com promessas que ainda não se refletiram no dia a dia da maioria dos brasileiros que usam internet móvel, a conexão via satélite se tornou a nova fronteira de expansão das telecomunicações.

Com a rede de alta velocidade móvel da quinta geração ainda limitada a médias e grandes cidades, a banda larga vinda direto do espaço vem atraindo o interesse de gigantes internacionais do setor para oferecer conexão estável e veloz no interior e em áreas remotas do Brasil, onde a infraestrutura tradicional de cabos e antenas está longe de chegar.

No último ano, o total de assinantes do serviço de internet via satélite aumentou 38% no país, superando meio milhão de usuários.

A conexão via satélite ganhou impulso no mundo todo após o crescimento da Starlink, do bilionário Elon Musk, que utiliza um sistema inovador de conexão via satélite chamado de “constelação”. É o resultado da combinação de vários satélites em baixa órbita que atuam em grupo e permitem ao usuário navegar na internet com maior velocidade e menor latência em relação ao modelo tradicional de satélites geoestacionários, que, por ficarem em um ponto fixo, mais distantes da Terra, exigem maior tempo de resposta entre um clique e o efeito esperado.

Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o país já tem 66 empresas autorizadas a atuar na internet via satélite. Há 17 sistemas de constelação (com milhares de satélites) autorizados, dos quais apenas nove em operação. E há 48 unidades geoestacionárias autorizadas e em funcionamento no Brasil.

A americana Starlink domina esse mercado no país, mas não é a única. Dos atuais 555 mil assinantes de internet por satélite, 58% são da Starlink, seguida pela americana Hughes, com 30,4%, e pela Viasat, com 3,6%.

— O sistema de satélite consegue competir com a banda larga tradicional. A internet via satélite está alcançando um espaço que o 5G ainda não conseguiu, porque ainda não está disponível — diz Nilo Pasquali, superintendente de planejamento e regulamentação da Anatel. — Para o consumidor, quanto mais competidores, melhor, pois são mais opções de comunicação.

O mercado de internet via satélite — Foto: O Globo


Segundo Pasquali, cerca de 70% dos usuários de internet via satélite são pessoas físicas, com concentração nas regiões Norte e Nordeste. Mas a tecnologia atende a muitos negócios, particularmente os do agro, setor que investe cada vez mais em máquinas inteligentes e conectadas.


Para o superintendente da Anatel, o modelo de constelação, lançado comercialmente pela primeira vez nos EUA pela Starlink, ajudou a reduzir os preços e a aumentar a velocidade da conexão espacial.


Hoje, é possível encontrar pacotes a partir de R$ 184 por mês com velocidades que podem chegar a 100 megabits por segundo. Como base de comparação, o 5G puro tem velocidade média nos grandes centros de 300 megabits por segundo. Além disso, a depender da operadora, é preciso pagar uma taxa de ativação, que pode custar a partir de R$ 199, ou comprar o equipamento, que custa a partir de R$ 1.000.


29 milhões sem acesso à internet

E a competição tende a aumentar com a chegada de mais multinacionais ao Brasil. Nos últimos meses, a Anatel autorizou o funcionamento da E-Space Africa, de Ruanda, e da Myriota, da Austrália. Ainda analisa o pedido da Starlink para mobilizar mais satélites para o serviço brasileiro, todos em baixa órbita. A chinesa SpaceSail assinou memorando de entendimento com a estatal brasileira Telebras para iniciar a atuação no segmento.

A Vrio, que atua com a marca Sky, selou parceria com a Amazon, de Jeff Bezos. A Anatel estipula que o prazo máximo para entrada em operação é até 20 de junho. Segundo Darío Werthein, presidente da Vrio, a parceria é estratégica:

— Queremos contribuir diretamente para a inclusão digital e reduzir a lacuna de acesso e de uso. Por isso nossa aliança colaborativa com a Amazon é significativa.

Para Mauro Wajnberg, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Telecomunicações por Satélite (Abrasat), há espaço para a entrada de mais atores nesse mercado, considerando o potencial brasileiro de crescimento:

— Os satélites podem cobrir de forma capilar grandes áreas, onde a infraestrutura de rede é precária ou inexistente devido à inviabilidade econômica. O investimento em infraestrutura "satelital" é feito com uma visão de longo prazo e pode levar três anos.



A pesquisa TIC Domicílios, de novembro, mostra que o país tem 29 milhões de pessoas sem acesso à internet, com cerca de 24% desse total em áreas rurais. Segundo Leandro Gaunszer, diretor-geral da americana Viasat para o Brasil, essa lacuna cria um mercado potencial muito atraente. O Brasil é tido, diz ele, como estratégico:

— A demanda por internet de alta velocidade continua a crescer, pelo aumento do consumo de serviços digitais e pela necessidade de inclusão. Os investimentos incluem a ampliação da capacidade de satélite.

Mas o satélite pode ser usado em grandes centros e impulsionar o setor industrial. Para Leonardo Finizola, diretor sênior de produtos IoT da Qualcomm para a América Latina, a cobertura com satélites de baixa órbita vai ganhar espaço nos próximos anos e impulsionar agricultura, transporte, óleo e gás e mineração.

— Nas áreas urbanas, o potencial de complementaridade com a rede móvel será cada vez mais explorado por indústrias, cuja acessibilidade aos sensores é crítica. Se a rede terrestre falhar, a satelital estará disponível.

A espanhola Sateliot já recebeu autorização da Anatel para operar no país um sistema de baixa órbita em conjunto com o 5G. Jaume Sanpera, CEO da empresa, diz que há conversas com operadoras para iniciar as operações em dois anos. Pelo modelo, as teles podem contratar a cobertura da companhia para oferecer conectividade a áreas remotas.

— Podemos ter grande impacto no Brasil. As operadoras de telefonia móvel não têm cobertura em todas as áreas.

Em paralelo, a Anatel trabalha na regulamentação do serviço via satélite no celular.

— A ideia é ser complementar. Quando o usuário se afasta da rede, ele se conecta ao satélite — diz Pasquali.


Governo quer antecipar metas do 5G

Em paralelo ao aumento do interesse das empresas via satélite, o governo pretende iniciar uma discussão com as empresas de telefonia para antecipar as metas de universalização do 5G para todas as localidades do país, de acordo com fontes do setor. A tecnologia de alta velocidade conta com 41,2 milhões de usuários, número que responde por 15,6% dos 263,3 milhões de clientes de celular no país.

Pelas regras do edital, as empresas precisam atender 100% dos municípios com população inferior a 30 mil habitantes até o fim de 2029. E, em 2030, 100% das localidades remotas. Em dezembro do ano passado, a Anatel liberou as teles para levar o 5G a todo o país.

Dos 5.570 municípios brasileiros, 1.222 contam com rede 5G, dos quais 891 estão com o 5G standalone (o 5G puro), na faixa de 3,5 GHz. Segundo Marcos Ferrari, presidente-executivo da Conexis, que reúne as empresas de telecomunicações, as metas de cobertura previstas no leilão, de 2021, já foram antecipadas.

— Agora, a tendência é seguir um crescimento conforme a demanda, ou seja, um crescimento orgânico. Vamos cumprir as obrigações e podemos até antecipá-las. Com o barateamento dos aparelhos, a tecnologia vai se tornando mais popular. Hoje, é possível encontrar dispositivos por menos de R$ 800. A competição entre as operadoras tende a motivar a demanda — afirma Ferrari.

Segundo a Conexis, os investimentos em 2024 devem se manter entre R$ 34 bilhões e R$ 35 bilhões, um patamar estável em relação ao ano anterior. Para 2025, a previsão também é de manutenção.

— Em 2025, o cenário começou desafiador do ponto de vista macroeconômico. As operadoras vão continuar investindo. Não creio que os investimentos sofram uma queda. Estamos chegando a um momento em que todos vão utilizar inteligência artificial, e isso exigirá muita capacidade de rede. Mas o satélite ainda não consegue entregar uma boa performance para todas essas aplicações — diz Ferrari.

Nilo Pasquali, superintendente de planejamento e regulamentação da Anatel, lembra que, com o leilão do 5G, foram criados novos competidores regionais, como a Brisanet e a Unifique, nas regiões Nordeste e Sul, respectivamente.

— Essas empresas regionais, por exemplo, têm entrado primeiro em cidades pequenas e médias. Essa é a estratégia delas e difere das teles nacionais. E, quando se desce para cidades menores, operar se torna mais caro e com menos receita. Por isso, no passado, não existia telefonia móvel em municípios pequenos. A Anatel impôs compromissos justamente para mudar esse cenário. Podemos ver um movimento mais acelerado de cobertura neste ano e no próximo, mas não acredito que todas as metas de universalização sejam antecipadas — conclui.

O Ministério das Comunicações lembra que a expansão do 5G está mais rápida do que o previsto no cronograma do leilão. Destaca que estão sendo realizados leilões para ampliar a instalação do serviço de telefonia e internet móvel em localidades afastadas, além de lançar neste mês o Programa Comunidades Conectadas, para levar internet móvel para 115 áreas de difícil acesso.







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