Brasil ainda recicla só 8%, mas governo libera importação de lixo

O Globo
Brasil ainda recicla só 8%, mas governo libera importação de lixo Reprodução

Na contramão do que era esperado por especialistas em sustentabilidade e cooperativas de catadores, o governo ampliou à lista de resíduos que poderão ser importados pela indústria brasileira para reciclagem. À lista de exceções previstas na lei 15.088, em janeiro, que proíbe a importação de resíduos sólidos e de rejeitos, o decreto 12.438, publicado na semana passada, incluiu, por exemplo, sucatas de vidro e papelão. Na visão de Adriano Augusto França Pimenta, professor do Núcleo de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral, num cenário em que penas 8% dos resíduos produzidos em solo brasileiro são reciclados - segundo dados da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema) - a liberação para que as empresas tragam "lixo" de outros países deveria ser feita a partir de uma criteriosa análise técnica e ambiental, o que não acontece com a regulamentação feita pelo decreto.

- Em vários países do mundo, como China e Coréia, há atualmente leis que proíbem a importação de resíduos. Num país que recicla apenas 8% dos seus resíduos, não parece fazer sentido liberar a importação. A expectativa era que o decreto restringisse ao especificar a lista de exceções, mas ele ampliou. E o pior, a impressão é que isso foi feito a partir da pressão das empresas, não é apresentado um estudo econômico, nem de viabilidade ambiental. Seria necessária uma análise do ciclo de vida, para eu poder dizer, se é válido trazer esse resíduo de outro país, se o impacto que será gerado é menor do que se eu for extrair matéria-prima virgem aqui, ou se eu for fazer qualquer outra coisa. A continuar como está, continuaremos sem ter um crescimento estrutural da reciclagem de resíduos do país. Em 15 anos, chegamos a apenas 8%, é preciso estruturar a cadeia de reciclagem e a liberação de importação age no sentido contrário - avalia Pimenta, Phd em Sustentabilidade.

Rafael Tellos, diretor técnico do Instituto Atmos e presidente de sustentabilidade da Ambipar, diz que esse resíduo importado vem na maior parte das vezes subsidiado, parcial ou integralmente, por outros países que querem se livrar do problema.

- Esse material chega a um preço muito baixo, subsidiado, fora da realidade de mercado, e representa uma competição desleal com as nossas cooperativas. Então, por mais que o volume seja pequeno, ele vira o lastro, a âncora que muitas vezes regula esse mercado entre indústria e catadores. Com isso, as cooperativas não conseguem se remunerar, não conseguem ter garantia de oferta de material, e têm o seu preço, a sua capacidade de investimento e de desenvolvimento prejudicada. Então, a gente vê que tem 10 anos que a gente não consegue aumentar a massa de material reciclado que as cooperativas voltam para a indústria. Não é por uma decisão do cooperado de não vender, é porque muitas vezes o valor que ele recebe não vai remunerar nem o trabalho, nem os custos que tem da cooperativa.

Tellos ressalta que estudo contratado da Fundação Dom Cabral, contratado pelo Atmos, mostra que uma cadeia forte de reciclagem, bem estruturada, pode colocar mais de R$ 10 bilhões na economia e gerar, no longo prazo, mais de 200 mil empregos.

- O problema é que a visão é de curto prazo, de que as cooperativas não conseguem atender no preço que a gente recebe. Nunca vão conseguir, exceto se o governo brasileiro subsidie o resíduo nacional. Então, se a gente olhar simplesmente a questão de igualdade de condições, de concorrência, esse modelo deveria ser fortemente combatido, porque é uma concorrência desleal entre o catador brasileiro, a cooperativa brasileira e o gerador de resíduo internacional e a indústria que se aproveita disso. Então, no momento que a gente conseguir ter perto de 100% do nosso material reciclado no Brasil, aí tudo bem, aí a gente pode trazer de outros lugares para complementar o que a gente precisar.

Roberto Rocha, presidente da Associação Nacional de Catadores, diz que, mal o decreto foi publicado, as cooperativas já estão sendo informadas pela indústria da necessidade de redução de preços de 30% a 80%, dependendo do produto e da região do país. Rocha está em Brasília, onde busca mobilizar parlamentares para mudanças no decreto.

- O ideal era que todos os materiais pudessem ser potencializados aqui no país. A gente depende muito ainda de questões tributárias, muitas vezes, a matéria virgem é muito mais competitiva do que a matéria reciclável aqui no Brasil. É preciso potencializar a reciclagem no país, só assim nós vamos conseguir ter um equilíbrio melhor do meio ambiente, vamos poder diminuir os aterros sanitários, acabar com os lixões a céu aberto. Trazer mais resíduos ou lixo de outro país só vai ter um retrocesso muito grande na gestão de resíduos - diz Rocha.

Tellos ressalta que a Política Nacional de Resíduos Sólidos foi estrutura de forma a trabalhar com cooperativas para gerar impacto ambiental e social também na economia e fazer com que os setores principais organizassem suas estruturas e criassem capacidade de recuperação dos materiais, mas que isso foi se perdendo ao longo do tempo.

- Hoje estamos patinando. É preciso pensar na inserção das cooperativas, em como dar capacidade para elas tomarem crédito, fazerem investimentos de longo prazo, qual a responsabilização das empresas pelo material que elas colocam no mercado e até mesmo como a gente quer incentivar o material reciclado. Falta uma política estruturante, uma visão de longo prazo, que consiga entender as demandas e as necessidades de cada ator e transforme isso num setor econômico robusto, pujante, que dê condições para o Brasil ter uma economia mais circular, mais ambientalmente correta.




Buscar

Alterar Local

Anuncie Aqui

Escolha abaixo onde deseja anunciar.

Efetue o Login

Recuperar Senha

Baixe o Nosso Aplicativo!

Tenha todas as novidades na palma da sua mão.