Em clima de pré-campanha, Lula encara palanque enfraquecido

Na campanha de 2022, em meio a uma disputa acirrada com Jair Bolsonaro, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou a cinco dias do segundo turno: “Eu, se eleito, serei um presidente de um mandato só. Os líderes se fazem trabalhando, no seu compromisso com a população”, afirmou. Logo após vencer, poucos acreditavam que ele desistiria da ideia de concorrer a um novo mandato. Essa possibilidade começou a ser Questionada apenas no final de 2024, quando sua aprovação começou a cair e ele sofreu um grave acidente em casa (cortou a cabeça ao escorregar no banheiro).
A partir de então, passou a condicionar sua candidatura ao cenário político e a sua saúde (ele fará 81 anos em 2026) — o que gerou grande preocupação, especialmente no PT, que começou a discutir em off sobre quem poderia assumir o lugar de seu líder histórico. Nas semanas recentes, entretanto, essas incertezas parecem ter se dissipado. Lula tem participado de diversos eventos, tanto em Brasília quanto em outras partes do país, discursando como candidato: elenca suas realizações, afirma que ainda cumprirá o que prometeu e apresenta novas promessas para um futuro que se estende muito além do fim de seu mandato.
A alteração de tom tem se manifestado gradualmente, mas sempre seguindo a mesma linha: evidenciar sua candidatura à reeleição. Em fevereiro, em uma reunião com prefeitos em Brasília, ressaltou o que considera ser seu principal atributo, que é a capacidade de atender a todos, inclusive aos opositores, e enviou sua mensagem. “Quando terminar o meu mandato, vocês vão dizer: “Lulinha, Lulinha, fica, porque nós precisamos de um presidente que goste de nós”, disse. Em 3 de abril, capitaneou o evento “O Brasil dando a volta por cima”, concebido pelo ministro-chefe da Secom, Sidônio Palmeira, com o intuito de promover as realizações do governo em dois anos e reiterar a narrativa de que a primeira parte da gestão foi dedicada a recuperar os danos deixados por Bolsonaro. No dia seguinte, durante uma reunião com senadores da base (incluindo partidos como PSD, MDB e União Brasil), ocorreu uma conversa privada que tinha um único objetivo: traçar estratégias para a campanha de reeleição do petista.
Simultaneamente, Lula saiu às ruas para promover seu governo. Um exemplo evidente de promessas que ultrapassam 2026 ocorreu há pouco mais de uma semana, durante um evento para a ampliação da produção da fábrica da Nissan, em Resende (RJ), no dia 15 deste mês. “Nós tomamos uma decisão de que até 2030 todas as crianças brasileiras estarão alfabetizadas até o segundo ano”, afirmou. Em 2030, é importante ressaltar que será o último ano de um possível quarto mandato. No dia anterior, durante a inauguração de um campus da Universidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes (RJ), ele fez um discurso com tom de campanha. Criticou a elite, que “só imaginava que a gente fosse cortador de cana” e disse que “precisou um torneiro mecânico, sem diploma universitário, governar este país para ser o presidente que mais fez universidades na história”. “Analise quantas escolas foram feitas no mandato que terminou outro dia”, disse, já cutucando Bolsonaro.
O cerimonial é bastante semelhante nas ocasiões, onde frequentemente reúne membros do alto escalão para respaldar suas apresentações sobre as realizações do governo. O ministro Fernando Haddad (Fazenda), por exemplo, abordou nas últimas reuniões a proposta de empréstimo consignado voltado para trabalhadores sob o regime CLT. “Procure trocar a sua dívida cara por uma barata. É saber fazer bom uso desses instrumentos que o governo federal está criando para ajudar o trabalhador”, disse no evento de investimentos do Mercado Livre, realizado em São Paulo no dia 7 de abril, outros ministros também compartilham boas notícias, como o aumento da faixa de renda do programa Minha Casa, Minha Vida e a isenção de Imposto de Renda para aqueles que recebem até 5 mil reais por mês. Essas são duas estratégias que o governo pretende usar para conquistar a classe média. Além disso, há uma tática contínua de enfatizar a paternidade de iniciativas populares, como Bolsa Família, Mais Médicos e Samu.
A preocupação com as eleições é evidente no planejamento das viagens. Entre fevereiro e abril, Lula fez quatro visitas a Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral do Brasil, onde venceu Bolsonaro em 2022 por uma margem de 0,4 ponto percentual e onde a direita é considerada a favorita para 2026. Em abril, ele também visitou São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Pará — todos entre os dez maiores colégios eleitorais do país. A oposição já percebe essa movimentação eleitoral do petista. “O povo vê com clareza: ele age como candidato, não como presidente. Usa dinheiro público para tentar se manter no poder em 2026, mas não engana mais ninguém”, diz o deputado federal Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), para quem cada viagem de Lula é uma tentativa frustrada de esconder a rejeição crescente do eleitor. “Enquanto o Brasil enfrenta problemas reais, Lula está mais preocupado em fazer autopromoção”, afirma o vice-líder da oposição na Câmara, Ubiratan Sanderson (PL-RS).
Desconsiderando as críticas, o petista possui pelo menos duas razões, além de, evidentemente, melhorar a imagem do governo. A primeira é dissipar possíveis incertezas em seu próprio campo político. Dentro do partido, os líderes da esquerda não cogitam outra alternativa que não seja a candidatura de Lula na sua sétima corrida presidenciais. Mesmo entre as diversas correntes do PT, que disputam o controle do partido para julho, prevalece um entendimento unânime: Lula é o candidato. “Vamos construir um partido forte, combativo e capaz, inclusive, de reeleger o presidente Lula em 2026, que é nossa grande meta”, diz o deputado Rui Falcão, que desafia exatamente o candidato de Lula, o ex-prefeito Edinho Silva. Outro que foi convocado pelo presidente para retornar definitivamente à política é o ex-ministro José Dirceu, que foi designado para contribuir na eleição de Edinho, competir por uma vaga na Câmara e articular a criação de uma frente que ultrapasse a esquerda, capaz de confrontar a direita.
A tarefa a ser enfrentada não será simples. Um levantamento recente do instituto Paraná Pesquisas sobre a sucessão presidencial revela que Lula precisará se esforçar bastante para obter um quarto mandato. No segundo turno, ele aparece em desvantagem em relação a todos os possíveis concorrentes: Bolsonaro (que está inelegível e busca reverter essa situação), a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, além do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que é o mais provável adversário. Para complicar ainda mais, Lula enfrenta a maior rejeição: 51,9% dos eleitores afirmam que não votariam nele sob nenhuma circunstância, enquanto apenas 24,5% afirmam que o escolheriam com certeza se seu nome estivesse novamente na urna. Ademais, a desaprovação ao seu governo alcançou 57,4%, um recorde histórico desde o início da série realizada pelo instituto em agosto de 2023.
Lula, evidentemente, acredita que pode reverter essa situação a tempo e demonstra cada vez menos disfarce em seu desejo de participar de mais uma disputa. O anúncio oficial já tem uma data marcada: julho, logo após a eleição interna do PT. Até lá, o presidente se empenhará em mudar a percepção de uma parte significativa dos eleitores.
"Não é eficaz mencionar o PIB e outros indicadores macroeconômicos se a população não sente que o país realmente progrediu", declara Eduardo Lima, mestre em história social pela Unesp. Diante do aumento nos preços dos alimentos (dois em cada três brasileiros mais pobres reduziram a compra de comida, conforme dados do Datafolha), Lula terá que se esforçar bastante, tanto em palavras quanto em ações, daqui para frente.