Goiânia é escolhida como a segunda capital em qualidade para se viver, aponta pesquisa

Pela primeira vez, um estudo aplicou o Índice de Progresso Social (IPS), uma metodologia internacional que avalia o bem-estar da população com base em dados oficiais, em todas as cidades brasileiras. Isso resultou na elaboração de um ranking sobre a qualidade de vida nos 5.700 municípios do país. Os resultados mostram uma predominância do interior de São Paulo nas melhores colocações, enquanto a Amazônia apresenta os piores índices.
Esse levantamento, denominado IPS Brasil, filtrou mais de 300 indicadores até chegar a 52, utilizando dados de órgãos oficiais e institutos de pesquisa, como DataSUS, Conselho Nacional de Justiça, Mapbiomas, Anatel e CadÚnico. Os únicos dados inéditos foram os dois produzidos pelo Mapbiomas, referentes a áreas verdes e disponibilidade de praças.
A cidade com melhor desempenho foi Gavião Peixoto, próxima a Araraquara e São Carlos, com uma população de apenas 4.700 pessoas, mas que abriga um importante polo aeroespacial da Embraer. Por outro lado, a pior nota foi registrada em Uiramatã, no extremo norte de Roraima, cidade com a maior proporção de população indígena no Brasil. O resultado reflete os serviços precários do pequeno núcleo urbano, pois o IPS não mede indicadores indígenas. Entre as 20 melhores notas, 13 estão no interior paulista, conhecido pela forte economia e centros tecnológicos, frequentemente associados a universidades. Já as 20 piores notas estão na Amazônia, em especial em cidades com economias baseadas na exploração predatória, muitas vezes ilegal, de recursos naturais.
O IPS é dividido em três dimensões principais: Necessidades Humanas Básicas, Fundamentos para o Bem-estar e Oportunidades. Cada uma dessas dimensões é composta por quatro componentes, que juntos formam a média final. Cada componente é constituído por vários indicadores (normalmente de três a cinco), com diferentes pesos. Por exemplo, no componente de segurança, a taxa de homicídio tem um peso maior que o de morte de jovens.
A seleção dos indicadores priorizou os mais recentes, de boa qualidade e produzidos anualmente, uma vez que o IPS será atualizado anualmente, afastando o uso de dados do Censo. Os pesquisadores também evitaram dados com padronizações diferentes entre estados e de alta subnotificação, comuns em números de segurança, o que explica a ausência de estatísticas de roubos e furtos. A intenção, explica Beto Veríssimo, coordenador do IPS Brasil, não é ranquear os maiores PIBs ou mensurar ofertas de serviços, mas sim qualificar os resultados. Isso inclui maiores expectativas de vida, menores taxas de homicídio e de poluição, e uma população com melhor acesso à educação superior.
"Para o IPS não interessa quanto o município investe. Queremos saber o resultado, saber se no final do dia as pessoas estão vivendo melhor. Nem sempre a cidade com maior renda tem melhor qualidade de vida", explica Veríssimo, que diz que os resultados não surpreenderam tanto. "Em geral, cidades com população de mais de 250 mil habitantes pontuam melhor. Gavião Peixoto é uma exceção, mas ele está inserido num "cluster" com Araraquara e São Carlos."
PIB alto nem sempre é sinônimo de bons indicadores sociais
Se as pontas, positivas e negativas, não mostraram surpresa, nos blocos intermediários houve resultados menos esperados. Campina Grande (PB), por exemplo, é apenas o 2.766º maior PIB per capita do Brasil, enquanto teve o 276º melhor IPS. Já Vitória do Xingu (PA), que tem o 21º maior PIB per capita do país, teve um dos piores IPS: 5.430º. Outros municípios que quebram essa lógica são Altamira (PIB intermediário e baixíssimo IPS) e Maringá (PIB intermediário e altíssimo IPS). Isso mostra que, apesar da renda per capita normalmente se associar a melhor qualidade de vida, isso nem sempre é o padrão, explica Veríssimo.
"Enquanto Campina Grande vai bem em educação superior, saneamento e acesso à informação, Vitória do Xingu tem dinheiro por causa dos royalties de Belo Monte, mas geriu mal os recurso", diz o coordenador, que complementa que é possível encontrar 'ilhas de excelência' em alguns setores, como o caso da boa educação no Ceará.
Interior de São Paulo forte: razões históricas e contemporâneas
O bom resultado do interior paulista tem razões históricas e contemporâneas, explica Fabio Betioli Contel, professor do departamento de Geografia da USP. No século passado, a crise do café gerou a falência de grandes proprietários e o surgimento de pequenos produtores, o que dinamizou e diversificou a produção agrícola. Assim, a industrialização em São Paulo largou na frente em relação aos outros estados, levando a mais consequências positivas.
Com a difusão de infraestruturas de transporte modernas, as cidades paulistas se interligaram de forma mais eficiente e, a partir da década de 80, a rede de universidades públicas qualificou a mão de obra e muitas cidades se transformaram em polos tecnológicos ou clusters de inovação.
Mais recentemente, muitas indústrias se desenvolveram fortemente nessas cidades, como a agroindústria, e outros setores migraram da capital para o interior.
"Com a disponibilidade de mão de obra bem treinada e os custos locais menores, muitas indústrias saíram da região metropolitana. Além disso, a concentração de pobreza não é como na capital e é mais viável para as autoridades locais investirem em políticas eficientes, principalmente na saúde e na educação. A distribuição de renda e o gerenciamento das políticas públicas são melhores", explicou Contel.
Sobre Gavião Peixoto, o especialista lembra que a cidade recebe, desde 2001, um investimento relevante da Embraer, que construiu uma unidade de produção no município. Além dessa atividade economicamente relevante, a pequena cidade se insere num cluster entre Araraquara e São Carlos, cidades maiores e com muita oferta de serviços. Assim, muitos moradores escolhem Gavião Peixoto para morar por ter as vantagens de uma cidade pequena — menos poluição e menos trânsito, por exemplo — enquanto estão próximos de bons empregos, boa educação e bons serviços.
"Com essa interligação, a população se beneficia. Tem uma atividade principal que atrai diversas outras, passa a ter varejo, restaurante, prestação de serviços, empregos. Muitos profissionais de São Carlos vão morar em Gavião Peixoto, onde ainda tem uma atividade que remunera bem e com poucos profissionais disponíveis. No 'cluster' de Campinas é semelhante. Lá é o centro econômico, mas pessoas que vivem em Jaguariúna, Vinhedo e Indaiatuba se beneficiam", afirma José Carlos de Lima Júnior, professor da pós em Administração da Harven Agribusiness School, em Ribeirão Preto.
Crimes ambientais e precariedade social na Amazônia
"As cidades com piores resultados do Brasil ilustram situações emblemáticas na Amazônia. Anapu (PA), por exemplo, o 11º pior, é a cidade da tragédia da Irmã Dorothy, em uma região de muito desmatamento. Jacareacanga (PA) sofre com o intenso garimpo e Trairão (PA) com a extração ilegal de madeira."
"A Amazônia tem problemas sociais mais críticos primeiro porque é imensa e com logística difícil, então o orçamento não é suficiente para prover serviços no interior. Em segundo porque sofrem com a ilegalidade nas suas atividades, baseadas em economia predatória que gera alguns benefícios concentrados, mas inibe a chegada de investimentos. Então ficam numa armadilha permanente de pobreza. Para piorar, a situação de segurança pública se agravou na Amazônia. Há 15 anos já existiam essas características sociais, mas agora chegou o crime organizado", resume Beto Veríssimo.
Brasília é a melhor capital seguida por Goiânia
Entre as capitais, as melhores notas foram para cidades planejadas, explicam especialistas. Assim, Brasília (DF) foi a vencedora, seguida por Goiânia (GO), Belo Horizonte (MG), Florianópolis (SC) e Curitiba (PR).
"Brasília tem rede de serviços e infraestrutura muito boa, além da renda per capita diferenciada. Já Goiânia, mesmo com alguns problemas, tem boa organização e é bem planejada. As que têm melhor organização espacial têm uma vantagem", diz José Carlos de Lima.
Na ponta de baixo, na mesma lógica dos demais municípios, as capitais do Norte tiveram piores resultados. Além disso, o Rio e algumas capitais do Nordeste pontuaram mal.
"O IPS não tem indicador de renda, mas de certa forma consegue medir desigualdade social. Então cidades mais desiguais são afetadas. Teresina, João Pessoa e Aracaju, por exemplo, são cidades com serviços públicos bem distribuídos, mesmo entre as áreas mais pobres. Já Maceió e Rio são muito desiguais, e pontuaram pior. Quem conhece as praias do Rio e de Maceió não vê de perto os problemas sociais", explica Beto Veríssimo.
No Rio, Niterói é o destaque
As notas dos estados são calculadas como uma média de todos os seus municípios. São Paulo obteve o melhor resultado geral, refletindo o alto desempenho de muitas de suas cidades no Índice de Progresso Social (IPS). O estado do Rio de Janeiro ficou em 7º lugar, uma posição nacionalmente melhor que a capital, que ficou em 14º lugar. Entre os municípios fluminenses, Niterói se destacou com uma colocação superior, sublinhando as disparidades dentro do próprio estado em termos de qualidade de vida e bem-estar social.
"Niterói tem alta renda per capita. A presença da UFF também contribui para a qualidade educacional e de infraestrutura e a população envelhecida demonstra bom investimento na saúde," explica Marcelo Neri, diretor da FGV Social, que também comenta o resultado da pior cidade do estado, São Francisco de Itabapoana, no norte. "Ela não experimentou os mesmos benefícios de acesso à educação e saúde e até mesmo aos royalties de petróleo, resultando em uma região com serviços públicos deficientes e pobreza relativamente persistente."
A primeira edição do IPS Brasil representa uma colaboração significativa entre várias entidades: o Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Fundação Avina, Anattá - Pesquisa e Desenvolvimento, Centro de Empreendedorismo da Amazônia, e o Social Progress Imperative.
Nova lima tem melhor nota de Minas Gerais
Nova Lima, localizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte, se destaca como a cidade com a melhor nota de qualidade de vida em Minas Gerais. Nos últimos anos, a cidade tem passado por uma significativa expansão imobiliária, especialmente no setor de alto luxo. Sua proximidade com a capital mineira proporciona acesso facilitado a serviços, oferta de empregos e instituições de ensino superior. Além disso, o setor de mineração tem contribuído de maneira substancial para o crescimento do PIB municipal.
"Nova Lima é um eixo de expansão imobiliária importante, que nos últimos anos recebeu muitos escritórios de empresas, como da Fiat. Há muitos condomínios de alto luxo, é relativamente rica, apesar de certo contraste pois o centro é mais pobre do que a franja do município, mais próxima de Belo Horizonte. E cresceu mantendo certa organização", explica Bernardo Campolina, professor do Centro Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG, que complementa que uma parte do BH shopping já fica dentro de Nova Lima.
Após Nova Lima, as cidades com melhor pontuação são Caxambu, que possui uma estrutura turística significativa, Belo Horizonte, uma cidade com relevante polo industrial e alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Uberlândia, também um importante centro industrial, e Montes Claros, conhecida por seu polo universitário e pela indústria têxtil, além de ser um crucial entroncamento rodoviário na ligação com o Nordeste.
Campolina explica que a geografia e a distribuição econômica e social de Minas Gerais refletem em grande parte a realidade brasileira. As regiões Norte e Nordeste do estado abrigam áreas menos desenvolvidas e com índices de pobreza mais elevados, contrastando com a maior riqueza do Sul. Essa dinâmica se manifesta nas classificações das cinco melhores e cinco piores cidades em qualidade de vida do estado, com Montes Claros sendo uma exceção.
"Por isso que Minas é tida como o retrato do Brasil", afirma Campolina.
As cinco piores notas estão concentradas em regiões mais pobres, especialmente próximas aos vales do Mucuri (Ladainha e Catuji) e do Jequitinhonha (Novo Cruzeiro e São João das Missões). A cidade com a pior nota é Senhora do Porto, localizada um pouco mais ao centro, mas na direção do Norte, próxima à foz do Vale do Mucuri.